Especialistas de todo o mundo reúnem-se em Lisboa este dia 30 de outubro para discutir a ligação entre segurança, defesa e alterações climáticas.
Nas vésperas da COP30, que decorrerá em novembro em Belém do Pará, no Brasil, o Atlantic Centre promove um seminário internacional, reforçando a ideia de que a crise climática deve ser tratada não apenas como uma urgência ambiental, mas como uma prioridade estratégica para garantir um Atlântico mais seguro, estável e próspero.
O Atlantic Centre é uma iniciativa portuguesa que promove a cooperação entre países do Atlântico nas áreas da segurança, defesa, governação marítima e desenvolvimento sustentável. Atualmente tem 27 Estados signatários, funcionando como plataforma de diálogo e formação sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional.
Clima como nova fronteira da segurança
O coordenador do Atlantic Centre, o contra-almirante Nuno Noronha de Bragança, sublinha que as alterações climáticas se tornaram parte central dos desafios comuns que atravessam o Atlântico.
Entre os principais fatores de risco, o responsável destaca a desertificação no Sahel, o impacto crescente dos eventos meteorológicos extremos, a migração irregular e as tensões sobre os recursos naturais.
Em entrevista à ONU News a partir de Lisboa, Noronha de Bragança dá alguns exemplos. “Olhamos para as alterações climáticas, naquilo que é o impacto nas megacidades do continente africano que, fruto daquilo que são as alterações climáticas, transportam as pessoas e os jovens para as cidades superpovoadas”.
Infraestruturas vulneráveis e impacto humano
A vulnerabilidade das infraestruturas marítimas e costeiras é um dos pontos de maior preocupação. “Sessenta por cento do produto interno bruto depende de infraestruturas que sofrem com as alterações climáticas”, referiu Noronha de Bragança, recordando episódios de cheias e tempestades recentes na Europa e nas Américas.
O impacto chega também às comunidades dependentes do mar, sobretudo na África Ocidental e nas Caraíbas, onde as alterações nos ecossistemas marinhos afetam a pesca e o sustento das populações, obrigando a uma migração forçada. “Em 2024 teremos 12 milhões de jovens a entrar nom mercado de trabalho africano e o impacto da migração irregular numa das rotas mais mortíferas para a Europa que é a rota das Canárias”, referiu.
Atlantic Centre organizou nos Açores uma semana imersiva de trabalho com 36 países e 92 participantes, dedicada à segurança climática no Atlântico
Cooperação e resposta integrada
O seminário pretende destacar a necessidade de respostas coordenadas entre governos, forças armadas, proteção civil, ciência e sociedade civil. Para o contra-almirante, a segurança climática exige uma “abordagem de toda a sociedade”, capaz de responder de forma rápida a catástrofes e construir resiliência coletiva.
“Não há país isolado, não há agência isolada que consiga fazer face a estes desafios comuns. Exige de todos, e desta comunidade atlântica,”, defendeu.
Ciência, governação e tecnologia
Para o Atlantic Centre, o combate às alterações climáticas no Atlântico deve assentar em três pilares fundamentais: ciência, boa governação e tecnologia. “Escutar a ciência, escutar aquilo que é a perspetiva nacional. E, de facto, a perspetiva de segurança e defesa entra nisto”.
Entre os exemplos de cooperação nacional e internacional, destacou o Centro de Dados Oceanográficos Nacional, que reúne informação recolhida por várias instituições portuguesas e internacionais para apoiar políticas públicas e decisões estratégicas.
“É mais fácil inovar na tecnologia do que inovar nas pessoas. Falamos muito, mas é preciso agir”, alertou, sublinhando que a tecnologia, incluindo inteligência artificial e computação quântica, pode ser uma aliada fundamental para antecipar riscos e planear respostas.

O coordenador do Atlantic Centre, o contra-almirante Nuno Noronha de Bragança, sublinha que as alterações climáticas se tornaram parte central dos desafios comuns que atravessam o Atlântico
Propostas para a COP30
Embora o Atlantic Centre não vá participar diretamente na COP30, há ideias e recomendações que a instituição gostaria de ver debatidas em Belém. Entre elas está a revisão do direito internacional para lidar com a perda de território provocada pela subida do nível do mar, um fenómeno que ameaça a soberania de vários pequenos Estados insulares.
Outra proposta é reforçar o diálogo entre ciência, governação e tecnologia e garantir que o debate global sobre o clima inclua a dimensão de segurança. “Não há país nem agência isolada que consiga responder a estes desafios. É preciso cooperação, diálogo e, sobretudo, ação”, afirmou.
Parceria com as Nações Unidas
O Atlantic Centre tem vindo a reforçar a cooperação com as Nações Unidas e várias das suas agências, num esforço de convergência entre agendas de defesa, clima e segurança. “Temos trabalhado com inúmeras agências externas das Nações Unidas. É fundamental ter sempre presente o princípio da complementaridade”, referiu Noronha de Bragança.
O responsável destacou o papel central das Nações Unidas neste domínio e defendeu uma articulação constante. “A ONU tem um papel importantíssimo e continuará a tê-lo. O Atlantic Centre é mais uma iniciativa que trabalha em consonância com esses mesmos objetivos comuns, apoiando as convenções e tratados internacionais relacionados com o clima e o mar.”
Entre os temas ainda em aberto, Noronha de Bragança lembrou a necessidade de fortalecer a agenda clima-segurança no quadro das Nações Unidas e de integrar esta dimensão em convenções internacionais como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ou a nova Convenção para a Proteção do Alto Mar.
*Sara de Melo Rocha é correspondente da ONU News em Lisboa.