Os subsídios globais aos combustíveis fósseis atingiram a marca de US$ 7 trilhões no último levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI), de 2022. Além de recorde, o patamar chama a atenção por refletir um aumento de US$ 2 trilhões em relação ao volume de 2020. O resultado reflete o financiamento de vários países ao consumo de energia de origem fóssil em virtude da alta dos preços após a invasão russa na Ucrânia. A questão, no entanto, não se limita a fatores conjunturais. A tendência é que esses subsídios atinjam US$ 8,2 trilhões até 2030, estima o FMI.
Os cálculos da entidade, citados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em plenária que antecedeu a COP30, consideram a expansão do consumo dos combustíveis fósseis nos países emergentes nos próximos anos. Os subsídios concedidos em 2022 representaram 7,1% do PIB mundial, mais que os 4,3% que os governos gastaram em educação e dois terços do que destinaram à saúde. Tal cenário vai na contramão dos esforços globais para conter o aquecimento do planeta em 1,5º C sobre os níveis pré-industriais estabelecido no Acordo de Paris.
O ano de 2024 marcou o recorde de emissões relacionadas a petróleo, gás fóssil e carvão, segundo o Global Carbon Project, em um movimento oposto ao esperado, que é o de redução de emissões em 43% até 2030 para que o mundo consiga limitar os impactos climáticos decorrentes do aumento da temperatura. Os subsídios aos combustíveis fósseis, neste cenário, fomentam os gases poluentes e caminham em paralelo à transição energética, como demonstram os números Agência Internacional de Energia (IEA, da sigla em inglês).
No ano passado, os investimentos globais em energias limpas somaram US$ 2 trilhões, valor recorde e o dobro do investido em combustíveis fósseis. Novos recursos estão previstos a partir do acordo entre 17 países, assinado na abertura da Assembleia Geral da ONU, que fixou meta global de alcançar 11 terawatts de energias renováveis até 2030, além de triplicar a geração de energia limpa e dobrar a eficiência energética nesse período.
É difícil acabar porque o lobby da indústria do petróleo domina ações governamentais no mundo todo”
— Paulo Artaxo
Esforços à parte, os subsídios, na visão de especialistas, sobrevivem por inércia política. “Uma vez criados, setores inteiros passam a depender deles e resistem a qualquer mudança. No consumo, funcionam como amortecedores de preço; cortar significa aumento imediato na bomba de gasolina ou na conta de luz, e isso gera protestos. Na produção, o lobby das petroleiras os defende em nome da segurança energética e da competitividade. O resultado é que programas continuam mesmo depois que a crise passa”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. “Mas a verdade é simples: manter esses subsídios é sustentar o atraso da transição e a aceleração dos impactos climáticos. Se quisermos proteger nossas economias, precisamos redirecionar esse dinheiro para uma economia limpa.”
No Brasil, 2022 e 2023 foram marcados pelo aumento dos subsídios ao consumo de diesel e gasolina, principalmente por redução da PIS/Cofins, com renúncias de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões anuais, conforme o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Em 2023, o governo federal destinou quase R$ 100 bilhões a subsídios energéticos: R$ 81,7 bilhões (82%) para petróleo e gás e R$ 18 bilhões (18%) para renováveis.
“Na prática, para cada real em renováveis, R$ 4,50 foram para fósseis”, afirma Unterstell. Os subsídios à produção, segundo Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, são resistentes às mudanças. “Um dos fatores que explicam a permanência dos subsídios está no forte poder político do setor de óleo e gás”, diz.
Nesse sentido, o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia Brasileira de Ciências, é categórico: “É difícil acabar porque o lobby da indústria do petróleo domina ações governamentais no mundo todo, financiando campanhas políticas. Essa ligação entre a indústria do petróleo e o sistema político global é fortíssima. Por isso em nenhuma das COPs, com exceção da COP28, os combustíveis fósseis, principais causadores das mudanças climáticas, foram sequer mencionados”, diz.
Preocupações climáticas à parte, especialistas reconhecem que a recente crise energética global destacou a importância da energia acessível, tanto que os subsídios sem precedentes em 2022 foram o dobro dos registrados em 2021, que já eram quase cinco vezes maiores do que os níveis de 2020, segundo a IEA. A questão é complexa e envolve empresas, governos e agências de exportação.
Carine Lacerda, especialista em engajamento do setor privado do Instituto Clima e Sociedade, observa que o principal canal de subsídio aos fósseis são os orçamentos domésticos: governos gastam pesado para manter gasolina, diesel e gás baratos para as populações. Há distorções no sistema atual que favorecem os combustíveis tradicionais, especialmente quando a intervenção mantém os preços abaixo do valor de mercado. “Evidências indicam que subsídios fósseis atrasam a transição ao distorcer preços relativos”, diz Lacerda.