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sábado, novembro 23, 2024

COP16 da Biodiversidade: os impactos da perda da biodiversidade na segurança alimentar e economia mundial

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A 16ª Conferência das Partes (COP16) da Convenção sobre Diversidade Biológica, que ocorrerá em Cali, Colômbia, na próxima semana, representa um marco crucial para o futuro da segurança alimentar e da economia mundial, que depende diretamente da biodiversidade.

Este evento reunirá líderes de várias nações para discutir estratégias visando reverter a perda de biodiversidade e integrar a proteção da natureza nas estruturas financeiras e de governança dos estados e do setor privado. A importância da COP16 vai além da conservação ambiental; ela está diretamente ligada à estabilidade econômica e à sobrevivência dos sistemas alimentares globais.

A Crise da biodiversidade e seus impactos econômicos

Segundo o Relatório Planeta Vivo 2024, publicado pela WWF, o planeta enfrentou uma perda de até 69% na população de vertebrados desde 1970. Esses dados alarmantes evidenciam um sistema ecológico em colapso, resultante de práticas destrutivas como o desmatamento, a degradação do solo e a poluição do ar.

O Brasil, como país mais biodiverso do mundo, enfrenta a responsabilidade de ser tanto um dos maiores beneficiários quanto um dos principais responsáveis pela perda de biodiversidade.

De fato, o Brasil desempenha um papel central no financiamento de setores que ameaçam a biodiversidade, sendo responsável por 72% de todo o crédito mundial destinado à produção e ao processamento primário das seis commodities agrícolas com risco de desmatamento dos biomas brasileiros (CLIMATE AND COMMUNITY, 2024). Essa perda de biodiversidade impacta diretamente a economia. Estima-se que o capital natural proporcionado pela biodiversidade – como polinização, controle de pragas, purificação da água e fertilidade do solo – valham trilhões de dólares por ano (DASGUPTA, 2021), mas muitas vezes não são adequadamente contabilizados nos modelos econômicos tradicionais. Em vez de serem vistos como ativos, esses serviços são frequentemente considerados mais um custo para a empresa. Essa percepção de custo e ativo precisa mudar quando estamos falando dos impactos do capital natural na economia.

Biodiversidade como ativo financeiro

A crescente conscientização sobre a interdependência entre a economia e a biodiversidade traz à tona a necessidade de um novo paradigma: a biodiversidade deve ser tratada como um ativo no balanço patrimonial das empresas e na formulação de políticas públicas. De acordo com o Economics of Biodiversity: The Dasgupta Review, “nossa economia está embutida na natureza, e não o contrário” (DASGUPTA, 2021). Ou seja: proteger e regenerar a biodiversidade não é apenas uma questão de sustentabilidade ambiental, mas uma questão de viabilidade econômica a longo prazo.

Na COP16, um dos tópicos centrais será como países e empresas podem incorporar a biodiversidade em suas práticas financeiras e contábeis. Atualmente, muitos veem a conservação da natureza como um custo que pesa no balanço de perdas e ganhos (P&L). No entanto, essa visão é contraproducente. A biodiversidade deve ser entendida como um ativo que gera valor econômico, seja por meio de serviços ecossistêmicos diretos ou indiretos, seja como um recurso estratégico para aumentar a resiliência climática de setores dependentes do capital natural, como o agrícola.

Brasil: o potencial de liderança na economia da biodiversidade

Como o país mais biodiverso do planeta, o Brasil possui uma vantagem estratégica significativa na transição para uma economia que valorize a natureza como ativo. A floresta Amazônica, o Cerrado, o Pantanal e outros biomas brasileiros abrigam uma diversidade incomparável de espécies vegetais e animais, desempenhando papéis cruciais para o equilíbrio climático global, o ciclo de carbono e a manutenção da biodiversidade. Além disso, a agricultura regenerativa, que vem ganhando destaque no Brasil, é uma solução que combina produção agrícola e conservação de ecossistemas.

Investir na biodiversidade como ativo poderia gerar uma série de oportunidades econômicas para o Brasil. A Economia Verde, centrada na valorização da biodiversidade, estima que o país poderia se tornar líder mundial em soluções baseadas na natureza (NbS). Essas soluções, que incluem a restauração de ecossistemas e o manejo sustentável de florestas, poderiam atrair investimentos privados e públicos em larga escala. O Relatório Planeta Vivo 2024 menciona que a perda de biodiversidade pode comprometer a capacidade de produção agrícola em muitas regiões, ressaltando a necessidade urgente de abordagens que integrem conservação e produção.

Além disso, o Brasil já demonstrou liderança em iniciativas globais, como o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), considerado o maior programa de conservação de florestas tropicais do mundo, abrangendo mais de 50 milhões de hectares. Expansões desse tipo, aliadas a incentivos fiscais e financeiros para empresas que adotem práticas regenerativas e de conservação, poderiam posicionar o Brasil como um líder global na economia da biodiversidade.

Segurança alimentar e biodiversidade

A segurança alimentar está intimamente ligada à biodiversidade. O declínio de espécies que polinizam, a perda de fertilidade do solo e a falta de diversidade genética nas colheitas são ameaças crescentes à produção de alimentos. Segundo a FAO, cerca de 75% das culturas alimentares dependem da polinização por insetos (FAO, 2016). Sem a proteção desses ecossistemas, a produtividade agrícola diminuirá, resultando em escassez de alimentos e aumento dos preços, com impactos profundos para as populações mais vulneráveis.

Na COP16, uma das discussões centrais será a criação de mecanismos financeiros que remunerem agricultores e comunidades que protegem a biodiversidade enquanto produzem alimentos. A agricultura regenerativa, que promove a saúde do solo, a diversificação de culturas e o manejo holístico de pastagens, será um dos principais temas debatidos. Essa abordagem não apenas melhora a resiliência das lavouras, mas também contribui para a segurança alimentar global ao integrar a conservação da biodiversidade na produção de alimentos.

Financiamento da transição para uma economia regenerativa

Uma das grandes barreiras para a transição para uma economia que valorize a biodiversidade é o financiamento. Os países em desenvolvimento, em particular, enfrentam dificuldades para implementar políticas de conservação em larga escala sem o apoio de capital externo. Na COP16, líderes discutirão mecanismos para aumentar o financiamento destinado à biodiversidade, com especial ênfase na atração de investimentos privados para o setor.

O conceito de “capital natural” tem ganhado força como uma solução viável. Trata-se da incorporação de ativos naturais nos balanços patrimoniais das empresas e na contabilidade, de forma que o valor da biodiversidade seja devidamente reconhecido. Países como o Brasil, que possuem vastos recursos naturais, poderiam se beneficiar enormemente ao atrair investidores interessados em projetos que aliam lucratividade à conservação.

Estima-se que o mercado de soluções baseadas na natureza (NbS) poderá valer cerca de US$ 800 bilhões até 2030 (CLIMATE AND COMMUNITY, 2024). Isso inclui não apenas a restauração de ecossistemas e o reflorestamento, mas também o desenvolvimento de cadeias produtivas regenerativas e tecnologias voltadas para a conservação.

A COP16 representa uma oportunidade crucial para repensar a relação entre biodiversidade, economia e segurança alimentar. A proteção e o investimento na biodiversidade não devem ser vistos como custos, mas como investimentos estratégicos no futuro da economia global. Para países como o Brasil, que detêm uma imensa riqueza natural, o potencial de transformação econômica é vasto. Investir em biodiversidade como um ativo financeiro é não apenas uma necessidade ecológica, mas uma oportunidade única de garantir um futuro regenerativo e próspero para todos.

Referências Bibliográficas

1.WWF. Relatório Planeta Vivo 2024. Disponível em: https://wwflpr.awsassets.panda.org/downloads/relatorio-planeta-vivo-2024_1.pdf.

2.Climate and Community. Exporting Extinction: A report on the role of commodity finance in the global biodiversity crisis. Disponível em: https://climateandcommunity.org/wp-content/uploads/2024/09/Exporting-extinction-English-Final.pdf.

3.Ministério do Meio Ambiente (MMA). Estratégia Nacional e Plano de Ação para a Biodiversidade 2020-2030. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/biodiversidade-e-biomas/biodiversidade1/convencao-sobre-diversidade-biologica/epanb_port.pdf.

4.FAO. (2016). Thematic Assessment of Pollinators, Pollination and Food Production. Rome. Disponível em: http://www.fao.org/3/a-i5527e.pdf.

5.DASGUPTA, Partha. The Economics of Biodiversity: The Dasgupta Review. 2021. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/media/602e92b2e90e07660f807b47/The_Economics_of_Biodiversity_The_Dasgupta_Review_Full_Report.pdf

Felipe Villela é um empreendedor sócio-ambiental e lidera a fin-tech de capital natural alemã Landbanking no Brasil. Ele também atua como membro de conselhos consultivo, inclusive está como Advisor da ONU Meio Ambiente. Reconhecido como Forbes Under 30, palestrante do TEDxAmsterdam, MIT Solver, Rockefeller Big Bets Fellow, TopVoice Agribusiness no LinkedIn e fundador da reNature. Felipe possui mais de 12 anos de experiência em Agricultura Regenerativa, Sistemas Alimentares e Capital Natural.

(*) Disclaimer: Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

[Fonte Original]

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