Depois de três dias de eventos cheios de fãs em São Paulo, o quadrinista japonês Nagabe despediu-se do Brasil com uma última sessão de autógrafos na cidade antes de voltar para casa. Na Livraria da Vila de Pinheiros, ele assinou os livros de sua série “A menina do outro lado”, publicada em 11 volumes pela editora Darkside no Brasil.
Espécie de fábula sobre a amizade entre uma menina e uma criatura antropomorfizada que são obrigadas a viverem isoladas numa floresta devido a uma estranha maldição, “A menina do outro lado” apresenta um tema dark com arte impressionante em preto e branco. Além da presença de Nagabe, com apoio da Fundação Japão em São Paulo, os fãs do mangaká ainda puderam conferir a versão em anime do quadrinho. Entre um autógrafo e outro, ele conseguiu parar e responder a algumas perguntas do GLOBO.
‘A menina do outro lado’ explora temas profundos como solidão, amizade e identidade. Como você decidiu abordar essas questões em uma narrativa de fantasia sombria?
O que me levou a desenhar essa história foi o meu interesse em saber como dois seres com aparência e identidade diferentes se comunicariam ao se conhecer, ou se conseguiriam interagir de forma verdadeira, sem qualquer preconceito que pudessem ter.
Quais foram suas principais referências no processo de criação dos visuais tão únicos dos personagens e da ambientação?
Eu me inspirei em Tove Jansson [autora finlandesa, do quadrinho “Moomin”] e Edward Gorey [escritor e ilustrador americano de estilo macabro] para criar esta obra. Além de os dois serem a base do meu estilo de vida, eu também queria expressar o visual em preto e branco e a ambientação um tanto assustadora, que acho incríveis.
Li em uma entrevista que você sentiu dificuldades para desenhar cenários ao começar a publicar mangás profissionalmente. Como os cenários, em muitos mangás — inclusive em “A menina do outro lado” —, costumam ser complexos, detalhistas, esta costuma ser a maior dificuldade na produção de mangás, devido ao prazo apertado de produção?
Os mangás japoneses são, sem dúvida, focados no drama dos personagens. Então, é claro que a ênfase está voltada a eles. Eu estava tão acostumado a desenhar personagens que acabava negligenciando a arte do cenário. Então, tive que treinar a arte do cenário repensando a existência deles, sobre onde e o que os personagens estavam fazendo, e que eles estavam ali, firmes, existindo nesse mundo. Isso não significa que você deva desenhar sempre o cenário, mas deve tomar cuidado para não separá-lo dos personagens ao desenhar o seu mundo.
O relacionamento entre a menina Shiva e a criatura Sensei é complexo e repleto de nuances. Quais foram os principais desafios de representar um vínculo tão especial?
Tentei retratar o relacionamento com muito cuidado, pois o tema era o carinho, como a compaixão das pessoas e o amor familiar. Fui cauteloso para desenhar de forma cuidadosa e com muita atenção, mas também com muito amor.
De onde vem seu interesse por animais antropomorfizados, como em ‘A menina do outro lado’ e nos inéditos no Brasil ‘izdoms’, ”Buchou wa Onee’ e ‘Monotone blue’?
Sempre gostei de animais, e o principal motivo é o fato de terem “uma aparência peculiar”. São peculiares a ponto de ser possível identificá-los só pela silhueta. Acho que fui influenciado por Digimon e Pokémon, mas meu interesse cresceu gradualmente, conforme eu via diversas obras.
Seu quadrinho virou anime recentemente. Como foi a sensação de assistir seus desenhos ganharem movimento, na tela grande?
Francamente, pensei: “Estão se mexendo…!”. Embora estivesse na posição de autor, não tive envolvimento algum na produção da obra, então assisti ao vídeo sem saber nada sobre ele. Fiquei impressionado com o alto nível de capacidade dos dois diretores para interpretar a minha obra, que mal pude explicar, e incorporá-la com perfeição na produção. Sinto que “A menina do outro lado” tem ainda mais profundidade com o acréscimo de som, movimento e cor.