Com o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, professora da Universidade de Brasília e diretora-geral do Arquivo Nacional, avalia que a redação do Enem 2024 marca parte de um longo “processo de reparação histórica” e serve como estímulo para articulação de iniciativas que busquem a superação do racismo em sociedade.
Entre os textos motivadores, que guiam a argumentação dos candidatos na redação, o Enem apresentou relatos de professoras sobre os avanços e dificuldades do ensino da história afro-brasileira nas escolas.
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Foi abordado ainda a definição da palavra “herança” no dicionário e o enredo da escola de samba da Mangueira “História para ninar gente grande”. A letra, do Carnaval de 2019, falava de lideranças populares, como Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar.
— Ainda estamos longe de superar os danos causados pela fixação de uma matriz de memória eurocêntrica, mas, com insistência e o acúmulo de aprendizados, temos alcançado mudanças interessantes na valorização da herança africana — afirma Ana Flávia.
Ensino da história afro-brasileira inspira países africanos
A obrigatoriedade do ensino da história afro-brasileira foi estabelecida há 21 anos, por meio da Lei 10.639/2003, mas segue longe de estar presente em todas as salas de aula do país. Uma pesquisa de 2023 feita pelo Instituto Alana e do Geledés Instituto da Mulher Negra identificou que 71% das secretarias municipais de educação realizam pouca ou nenhuma ação para efetivar a lei.
Apesar disso, a historiadora aponta que nos últimos anos o Brasil teve avanços na luta antirracista e passou, inclusive, a ser referência entre países africanos como a Angola.
— Os esforços empreendidos há muitas décadas por intelectuais ativistas, educadores e gestores públicos de todo o país fazem do Brasil uma referência entre países da diáspora africana e até mesmo do próprio continente. Recentemente, estive em Angola, numa conferência de arquivos nacionais, e me surpreendi com o interesse das pessoas pelos resultados alcançados após 20 anos da Lei 10.639.
O pedagogo Giovanni Lima, de 28 anos, se disse satisfeito com o tema da redação, ao sair da prova do Enem em São Paulo. Ele citou do sambista Arlindo Cruz a dupla de rap Tasha e Tracie para exemplificar a presença da herança africana no cotidiano do país.
— Por ser um homem negro e pelas vivências que tenho, me identifiquei. Citei a música O Meu Lugar, do Arlindo, um homem negro que fala sobre religiões africanas. Nessa canção ele fala desse lugar utópico, um espaço em que é possível viver tranquilo — diz Lima.
— Trouxe para a parte de soluções ações para o Ministério da Educação, desde o ensino básico, para criar iniciativas que falem sobre a cultura e as religiões africanas — afirma ele, que deseja cursar uma especialização de Pedagogia na área de Geografia.