Filmes e séries de ficção que abordam os bastidores do processo de produção audiovisual têm muito a oferecer em termos de narrativa casada com elementos educativos do público justamente sobre como é a complexa e por vezes profundamente injusta máquina de se fazer filmes e séries. Com abordagens completamente diferentes, filmes como Crepúsculo dos Deuses, Cantando na Chuva, O Jogador, Trovão Tropical e séries como Entourage, Extras e as recentes A Oferta e Fiasco transformam elementos da realidade em dramas e comédias ficcionais que, no agregado, revelam muito mais até do que muitos documentários de bastidores. E a produção da HBO A Franquia vem se juntar a esse subgênero, se é que podemos chamá-lo assim, mirando suas câmeras para um fictício universo compartilhado de filmes de super-heróis que a criação de Jon Brown não faz esforço algum – e nem deveria mesmo – para disfarçar que é o Universo Cinematográfico Marvel, ainda que eu tenha certeza do gosto acridoce que isso tem para a Warner, do mesmo grupo econômico da HBO, em razão do fracasso da agora finada primeira versão do Universo Cinematográfico DC.
Com produção tanto de Brown quanto de Sam Mendes, que dirigiu o primeiro episódio, e Armando Iannucci, a série foca na produção do longa-metragem Tecto: Eye of the Storm, uma obra menor dentro do tal gigantesco universo compartilhado, a partir do ponto de vista do sobrecarregado, estafado e em muitos aspectos submisso primeiro assistente de direção Daniel Kumar (Himesh Patel), que, ao lado da inexperiente, mas esperta segunda assistente de direção Dagmara “Dag” Nwaeze (Lolly Adefope), precisa fazer toda sorte de malabarismos para manter satisfeitos a recém promovida a produtora Anita (Aya Cash), que fora sua ex-namorada, o diretor de pegada artística claramente deslocado em uma produção dessas Eric Bouchard (Daniel Brühl), o inseguro ator principal Adam Randolph (Billy Magnussen), o veterano e desdenhoso ator que faz o vilão Peter Fairchild (Richard E. Grant), e, finalmente, o agressivo e desbocado executivo de estúdio que toda hora muda a direção do filme – e que usa boné… – Pat Shannon (Darren Goldstein). Entre caprichos de atores e diretor com coisas tão pequenas quanto o que eles querem comer e ordens superiores que exigem absurdas (e hilárias) inserções publicitárias de tratores chineses, caos é a palavra de ordem e desespero é o que Kumar sente a cada segundo em que nada dá certo e seu filme muda a cada instante, sempre ao bel-prazer de uma produção simultânea muito maior – Centurios 2 -, além de cronologicamente anterior a Tecto e que também muda o tempo todo, causando efeito cascata.
Vê-se claramente o esforço dos roteiros em se manterem correntes em relação à realidade, já que praticamente de tudo um pouco que qualquer um minimamente antenado com o UCM principalmente pós-Vingadores: Ultimato reconhecerá instantaneamente não como ficção, mas puro fato. Aliás, talvez o maior problema de A Franquia seja justamente esse, ou seja, a realidade, nesse caso em particular, consegue ser mais estranha que a ficção e isso rouba da série muitos bons momentos já que falta à obra de Jon Brown, talvez, uma pegada mais incisiva e fora da caixinha, como os franceses recentemente fizeram com Fiasco. Ao tentar não explorar e ampliar os absurdos que a realidade de uma produção cinematográfica como essa oferece de bandeja, mas sim repeti-los, A Franquia se sabota e se doma, deixando de extrair a essência dos acontecimentos do cotidiano extravagante cujas notícias não param de sair pelas mais variadas fontes e usando-a para criar extrapolações realmente ousadas e cômicas.
Claro que há diversos momentos hilários, mas eles são ancorados demais na realidade para funcionarem para além da extração de uma breve risada ou sorriso fácil pelo espectador. Além disso, há muita repetição nos roteiros, com os personagens basicamente vivendo exatamente as mesmas situações diversas vezes, mas de forma apenas levemente diferente, sem que haja tentativas efetivas de “torcer a faca” depois de enfiá-la. Mesmo com essas limitações de texto, o elenco merece destaque, especialmente Patel e seu eterno semblante entristecido, ciente dos absurdos que o cercam, mas tendo que abaixar a cabeça para quase todos eles, Brühl vestindo a faceta do “diretor alternativo” tentando desesperadamente inserir algum elemento autoral em uma obra completamente pasteurizada e, claro, a constante oposição entre os personagens de Magnussen e Grant que representa o conflito de extremos igualmente insuportáveis do espectro dramático. Mas o elenco inevitavelmente cai na estrutura de porta giratória dos roteiros em que o humor entra de um jeito e sai de outro, somente para entrar novamente com um “disfarce” e assim por diante.
A Franquia, porém, acaba divertindo pela sátira específica que é ao UCM, mas, curiosamente, acaba tendo muitos dos mesmos problemas atuais da mega franquia, ou seja, pouca ousadia, humor massificado e uma estrutura que é composta de, essencialmente, mais do mesmo toda hora. Quando a temporada acaba, fica uma grande ponta solta para um segundo ano, mas, muito sinceramente, acho difícil, se ele ocorrer, que esses grilhões criativos sejam quebrados.
A Franquia – 1ª Temporada (The Franchise – EUA/Reino Unido, 06 de outubro a 24 de novembro de 2024)
Criação: Jon Brown
Direção: Sam Mendes, Liza Johnson, Tom George, Kevin Bray
Roteiro: Jon Brown, Tony Roche, Rachel Axler, Dillon Mapletoft, Keith Akushie, Marina Hyde, Juli Weiner
Elenco: Himesh Patel, Aya Cash, Lolly Adefope, Jessica Hynes, Billy Magnussen, Darren Goldstein, Isaac Powell, Richard E. Grant, Daniel Brühl, Justin Edwards, Ruaridh Mollica, George Fouracres
Duração: 228 min. (oito episódios)