Quando a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) visitou o Cairo em novembro, ela se viu fixando o olhar no mural de um enorme mapa do Egito feito em tecido, cujo meticuloso entremeado dos fios poderia servir de metáfora para a delicada tarefa que ela tem a cumprir no mundo árabe.
A repentina e atípica missão diplomática de Kristalina Georgieva colocou em evidência o senso de urgência da instituição com sede em Washington para preservar a estabilidade no Oriente Médio, muito antes de os eventos desta semana terem mostrado ainda mais o grau de fragilidade dos governos na região.
Com Damasco agora sob controle dos rebeldes, os governantes de economias cujos padrões de vida viram apenas poucos e preciosos avanços desde a erupção da Primavera Árabe, há 15 anos, observam com inquietação o desenrolar de mais uma crise incendiária em uma região que já sofria com os impactos dos conflitos na Faixa de Gaza e das agitações no Mar Vermelho.
“Mesmo antes da Síria, os riscos políticos eram grandes no Oriente Médio”, escreveu Ziad Daoud, economista-chefe para mercados emergentes na Bloomberg Economics, em relatório nesta semana. “A queda de Assad apenas intensificou as ameaças.”
A sensação de estar sendo deixado para trás em relação aos avanços nos países mais ricos do mundo, combinada aos impactos econômicos dos problemas regionais, à contínua repressão e à indignação generalizada nas ruas com a situação dos palestinos, alimentam um sentimento persistente de angústia que paira sobre capitais de cidades da região, do Cairo a Amã.
Embora as esperanças que motivaram os protestos em massa em cidades do Oriente Médio tenham se dissipado há tempos, as promessas não concretizadas das revoltas não foram esquecidas, e as condições que impulsionaram os distúrbios iniciados no fim de 2010 ainda predominam por todos os cantos.
“Não se pode escapar disso, porque já vimos o que aconteceu da última vez”, disse Shantayanan Devarajan, ex-economista-chefe do Banco Mundial para a região do Oriente Médio e Norte da África, em entrevista, em novembro. “Já vimos esse filme antes.”
País mais populoso da região, o Egito teve papel central durante a Primavera Árabe. Hoje, após duas crises cambiais, continua nos holofotes, com o governo do presidente Abdel-Fattah El-Sisi sendo o maior receptor atual de empréstimos da instituição atrás da Argentina.
Outros países, como Tunísia e Jordânia, também sofrem com diversas combinações de estagnação econômica e frustrações.
Os custos dos alimentos, uma das queixas que provocaram revolta inicial da Primavera Árabe, na Tunísia, continuam sendo um ponto central de pressão sobre alguns países do Oriente Médio. O Egito é o mais afetado. Em 2023, a inflação chegou a um pico de 38%, e ainda não há sinais de arrefecimento significativo.
Os problemas inflacionários ainda reverberam pelo país. Egípcias como Umm Youssef, que antes trabalhava com serviços de refeição no Cairo e ganhava um salário mensal estável de 10 mil libras egípcias (US$ 200 dólares), estão entre os mais afetados pela situação. Agora, ela sobrevive com trabalhos informais como manobrista.
“Com o aumento dos preços, comemos carne apenas a cada um ou dois meses”, lamentou ela, em entrevista no norte do Cairo.
Os surtos passados de inflação não se refletiram em aumentos salariais. A renda média per capita na região do Oriente Médio e Norte da África aumentou apenas 62% nos últimos 50 anos, segundo o Banco Mundial.
Em comparação, nas economias emergentes e em desenvolvimento, a renda quadruplicou e nas avançadas, dobrou.
Basel, de 45 anos, morador de Amã, capital da Jordânia, conhece bem o impacto de tudo isso. Casado e com quatro filhos, recentemente largou o emprego como engenheiro agrícola porque o salário não acompanhava o ritmo da inflação. Agora, ganha a vida como motorista de Uber.
O aperto na renda não é reflexo apenas a inflação, mas também da longa estagnação de uma região que encontra dificuldade para gerar qualquer prosperidade significativa.
As economias da região do Oriente Médio e Norte da África precisariam crescer, em média, 3,8% ao ano nos próximos 30 anos para alcançar metade do nível atual do Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos atuais mercados de fronteira — países menos avançados do mundo em desenvolvimento —, segundo estimativas do Banco Mundial.
A região sofre de “baixo crescimento crônico”, segundo Roberta Gatti, economista-chefe especializada na região no Banco Mundial, em entrevista.
A pesquisadora sênior do Centro de Política Energética Global, da Universidade Columbia, Karen Young, observou que muitos países enfrentam “ventos contrários tremendos no front econômico”.
“Esses problemas não são novos, mas estão se tornando mais arraigados em termos de peso das dívidas, de falta de produtividade e de captura de setores pelo Estado”, disse. “É um buraco profundo.”
Os jovens da região são os que mais sofrem com a falta de prosperidade, alimentando o descontentamento de uma faixa etária que, no passado, esteve à frente dos protestos da Primavera Árabe. O desemprego entre os jovens é muito mais alto do que no resto do mundo, e muitos dependem de empregos informais.
Mesmo no Marrocos — uma das economias mais fortes da região — quatro em cada dez jovens estão sem trabalho. Na faixa dos 15 aos 24 anos, há 1,5 milhão de jovens desempregados, que não estudam nem têm treinamento vocacional.
A frustração na região é agravada ainda mais pela corrupção generalizada e pelas restrições aos direitos civis.
O Egito, por exemplo, está apenas algumas posições acima do Afeganistão e da Venezuela em um índice da organização sem fins lucrativos World Justice Project, de Washington, que avalia países com base nesses critérios.
É difícil dizer se há uma outra Primavera Árabe em gestação nesses lugares, até porque a anterior eclodiu do nada.
“Mais do que um levante popular, vejo um curto prazo de pessoas mais amarradas a conflitos e dívidas, sem que os governos consigam apoiar e atender suas necessidades básicas”, disse Young.
A euforia com a queda do governo de Bashar Al-Assad ainda poderia ser um gatilho para populações em outros lugares. Por outro lado, o Oriente Médio mudou desde 2011, quando as revoltas se disseminaram.
Os estados falidos do Iêmen e da Líbia são exemplos de como as coisas podem correr mal, enquanto Egito e Tunísia mantêm a dissidência sob controle rígido. Os vizinhos mais ricos do Golfo Pérsico também poderiam intervir para sustentar seus vizinhos menos solventes — como fizeram após o então chefe do Exército egípcio El-Sisi liderar a derrubada de um presidente islâmico em 2013.
Por sua vez, pelo menos, Gatti, do Banco Mundial, está esperançosa de que as reformas incentivadas por instituições multilaterais de crédito, um aumento significativo no emprego, em particular entre as mulheres, e um impulso na produtividade possam mudar o jogo na região, em especial, no Egito.
Essa foi a mensagem que Georgieva fez questão de transmitir a repórteres no Cairo.
“Gostaria de reconhecer os esforços do governo e do povo egípcio”, disse Georgieva. “Vocês verão os benefícios dessas reformas numa economia egípcia mais dinâmica e próspera.” (Tradução de Sabino Ahumada)