Quase uma década atrás, uma selfie de um refugiado sírio com a então chanceler alemã Angela Merkel se tornou viral. Hoje, Anas Modamani tem um emprego, um passaporte alemão e uma noiva, e nenhum plano de retornar ao seu país devastado pela guerra.
Enquanto os políticos de direita e da extrema direita na Europa foram rápidos em exigir que os sírios “voltassem para casa” após a queda do presidente Bashar al-Assad, a história de Modamani é típica de quantos criaram raízes em seus países anfitriões.
— Eu sou um berlinense, tenho minha vida aqui — disse o cinegrafista de 27 anos que chegou à capital alemã em 2015, aos 18 anos, e agora faz parte da maior comunidade de refugiados sírios da Europa.
Tendo financiado seus estudos em comunicação com um emprego de meio período em um supermercado, Modamani agora está trabalhando como jornalista freelancer de vídeo para a emissora pública Deutsche Welle.
Ele mora com sua noiva ucraniana, uma engenheira mecânica que chegou à Alemanha alguns meses antes da Rússia lançar sua invasão em larga escala ao seu país, em fevereiro de 2022.
— Tenho um apartamento maravilhoso e uma mulher muito bonita. Tenho tudo o que preciso aqui — disse Modamani à AFP.
Ele disse que originalmente fugiu da Síria porque “não queria prestar serviço militar” para o regime de Assad, e que agora não quer retornar, pois “passou por coisas terríveis lá”.
— Perdi amigos — lembrou ele. — Membros da minha família morreram por causa do regime.
‘Preocupado’ com pais e amigos
Menos de três meses antes das eleições antecipadas esperadas na Alemanha, em 23 de fevereiro, políticos de extrema direita e conservadores fizeram da repatriação de sírios uma questão de campanha.
A ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, do Partido Verde, criticou na quarta-feira tais apelos, que, segundo ela, revelavam “uma falta de realismo sobre a situação no Oriente Médio”.
Modamani disse que quanto a seus “amigos que, diferentemente de mim, não têm passaporte alemão, estou preocupado”.
— A guerra acabou, mas a situação é incerta. Temos que ver como ela se desenvolve — afirmou.
Embora ele tenha “mais amigos em Berlim do que na Síria”, seus pais e irmãos ainda vivem na Síria, a cerca de meia hora de carro de Damasco. Ele disse que também se preocupa com os ataques aéreos que Israel realizou desde que Assad foi derrubado.
— Isso pode afetar qualquer um — disse Modamani, observando que, quando ligou para a mãe recentemente, “ela estava escondida no porão”.
Selfie com Merkel gerou boatos sobre terrorismo
Modamani está bem estabelecido, mas o destino de outros está em jogo depois que as autoridades alemãs decidiram congelar a emissão de decisões sobre pedidos de asilo pendentes de cidadãos sírios esta semana.
Desde sua famosa selfie com Merkel, Modamani se tornou uma espécie de celebridade na comunidade do seu país e diz que quer usar sua plataforma de mais de 50.000 seguidores no TikTok para ser uma “voz para as pessoas que vêm da Síria”.
A selfie na época se tornou um símbolo da recepção de Berlim a quase um milhão de pessoas que escapavam do país devastado pela guerra. Mas também atraiu alguma atenção negativa, pois foi usada em desinformação que o vinculava a ataques terroristas.
Em 2017, ele levou o Facebook ao tribunal em um esforço para fazer o gigante da mídia social remover essas fotos, mas perdeu o caso.
Embora Modamani e Merkel não tenham se cruzado novamente, a ex-chanceler ainda se lembra do incidente.
Em suas memórias publicadas no mês passado, Merkel admitiu que ficou surpresa com a comoção que a foto causou, quando apoiadores e críticos a usaram como um símbolo da política de imigração da Alemanha.
“Mesmo agora, não consigo entender como alguém pode supor que um rosto amigável em uma foto poderia encorajar as pessoas a fugir de sua terra natal em massa”, ela escreveu.