Aluno do 8º ano do ensino fundamental, Bernardo Rizzo, de 14 anos, precisou passar por um processo difícil: se afastar das telas. No começo, em setembro, quando ele corria o risco de ser reprovado em cinco disciplinas, sentiu medo. Uma semana depois vieram os primeiros sinais de melhoras na escola. Foi preciso muito diálogo para que o menino trocasse as tardes diante do celular e videogame pelos estudos, um processo que vem sendo encarado por cada vez mais famílias. A trava na intensa interação digital de crianças e jovens é um desafio que também deve ser imposto a escolas públicas e particulares. Nesta quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados pode votar um projeto de lei que proíbe a utilização de smartphones nos ambientes escolares mesmo nos intervalos das aulas.
Barbara Ferreira, mãe de Bernardo, conta que, quando tirou o acesso do filho a celular e videogame, ele disse que estava sendo privado da única coisa que o fazia sair da realidade:
— Mas em uma semana, ele virou outro menino e passou a olhar mais para fora. Passamos a conversar mais e fazer atividades ao ar livre. Foi importante dar esse passo e perceber que ele reconhece a importância disso para a vida dele.
Mudanças de hábitos costumam ser desafiadoras. Para especialistas, o uso de tecnologias pode viciar tanto quanto o álcool e outras drogas. E, mesmo que não chegue ao ponto do vício, estudos confirmam que celulares roubam a atenção e atrapalham o desenvolvimento cerebral de crianças e adolescentes.
Na terça-feira, a CCJ já incluiu na pauta o projeto que bane os celulares das escolas, mas o texto não chegou a ser analisado, o que deve acontecer nesta quarta-feira. O projeto, relatado pelo deputado federal Renan Ferreirinha (PSD-RJ), libera que estudantes de todas as escolas levem os aparelhos para os colégios, mas impede o uso. Professores continuarão podendo utilizar os dispositivos para atividades pedagógicas, assim como alunos com alguma deficiência e também em casos de “força maior”, como em momentos de alertas de chuvas fortes, por exemplo.
— Quando a criança está fazendo uso excessivo de tela a ponto de impactar outras áreas da vida, os pais precisam ter conscientização da responsabilidade. É preciso diálogo com o filho, para mostrar que as novas regras são para protegê-los — afirma a educadora Priscilla Montes.
Dez sugestões de especialistas sobre o que fazer
1- Ao dar um celular para uma criança ou um jovem
Esse é o momento mais fácil de estabelecer as regras para o uso. Alguns especialistas indicam que isso deva acontecer por volta dos 16 anos — antes disso, recomendam apenas telefones mais simples. Mas pesquisas apontam que a maior parte já tem recebido seu primeiro smartphone aos xx anos. De acordo com Luisa Sabino Cunha, psicóloga especialista em Dependências Digitais, a vida digital da criança e do adolescnete é de responsabilidade dos pais. Por isso, eles precisam definir o tempo de uso permitido para cada aplicativo e deixar claro que acompanharão os conteúdos acessados pelos filhos no celular.
— É necessário saber o que uma criança e adolescente faz no mundo digital. Isso não pode ser negociável. Não é questão de privacidade, é de segurança. E isso deve ser passado para os filhos na entrada da criança e adolescente no mundo digital — diz a especialista que é co-fundadora da Nona Hub, um centro de desenvolvimento do uso consciente de tecnologias com formação de especialistas em dependência digital.
2- Para limitar o tempo de uso
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças com menos de 2 anos não tenham tempo de tela. De 2 a 5 que tenham até 1 hora de conteúdo educacional e na presença de adultos. A partir do 6, até 2 horas. Depois dos 10 até os 18, até três horas. Isso inclui videogame e celular somados e sempre com regras pré-estabelecidas.
— Os pais precisam ensinar para seus filhos que o celular parece inocente, mas ele é feito para capturar e monetizar a atenção humana. E para isso os próprios responsáveis precisam de educação digital. Entender os riscos para conversar com seus filhos sobre limites — diz Sabino.
3- Nas refeições em casa
Limitar o tempo de uso de tecnologia de crianças e adolescentes tem que ser um esforço coletivo da família e esse é um momento importante. Na hora das refeições, os adultos precisam largar os próprios aparelhos de celular já que são as referências de comportamento para crianças e adolescentes.
— A estratégia é fazer um entre todos para que os telefones não sejam usados e, além disso, tentar reunir todos na mesa ou num mesmo espaço para esse momento — diz Luisa Sabino.
A psicóloga e psicoterapeuta Júlia Tavares aponta que os pais devem pensar que a estrutura do passeio precisa ser estabelecida e planejada. O restaurante deve ter um ambiente acolhedor e a duração da ida ao local precisa ser diferente comparada a permanência de um grupo só de adultos. Cabe ao responsável oferecer a oportunidade de desenhar, levar brinquedos ou objetos que são importantes e, principalmente, incentivar o diálogo com a criança que está na mesa.
— Os pais devem estabelecer o horário da refeição, optando por momentos em que o restaurante esteja mais vazio. Além de observar o que a criança precisa naquele momento, pois muitas vezes elas pedem por telas para apaziguar algum desconforto em função do tempo de espera ou de estímulos inadequados, como excessos de barulho ou espaço apertado — aponta Júlia Tavares.
É importante que o adulto envolva a criança com diálogo ou narrativas que possam interagir com percurso (quantas estações faltam, olhar juntos o mapa, quais outros meios de transportes reconhecem em volta, quais são as cores dos carros), ouvir e cantar músicas juntos, ajudar a criança a entender localização de tempo e espaço, se ele está gostando ou se está desconfortável.
— A criança deve entender que, nos momentos de deslocamento, os pais às vezes não podem dar atenção o tempo todo. É preciso que ela consiga se ocupar sem o auxílio de tela — pontua Júlia Tavares.
Os adultos devem mostrar às crianças que, naquele momento, o uso das telas pelos pais não é uma opção de diversão ou lazer, mas sim o formato de trabalho. É preciso avaliar o nível de disponibilidade do adulto para introduzir alguma atividade que a criança possa desenvolver com autonomia enquanto o responsável estiver ocupado.
— A família deve criar estratégias de manejo do tempo, como sinalizar o tempo que ficará ausente para que a criança possa se apropriar do formato da atividade e quando será o retorno do adulto, além de estabelecer combinados para que criança possa no reencontro com adulto apresentar e compartilhar o que foi feito — diz Júlia Tavares.
O momento de dormir é delicado e exige desacelerar, diminuindo a intensidade dos estímulos, portanto o uso de telas é inapropriado nessa etapa do dia, podendo agitar e despertar a criança quando a necessidade é ao contrário. Uma estratégia bastante eficiente é deixar o celular fora do quarto da criança e do adolescente durante a noite para evitar que as notificações atraiam a atenção deles.
— São bem-vindos a diminuição da intensidade da luz, leitura em família de livros ou gibis, narrativas de histórias pelos adultos, ambiente com poucos ruídos e a presença dos cuidadores como uma referência afetuosa — ressalta Júlia Tavares.
As atividades escolares podem ser apresentadas com uso da tecnologia, através de plataformas digitais e com isso faz-se necessário o uso de telas. Nesse contexto, é importante estabelecer acordos com as crianças e quais serão os limites apresentados. Estimular que ela possa buscar outras fontes de informação, como, livros, próprias anotações e revistas, ao invés de entender apenas a tela como um recurso, pois simplifica e restringe o desenvolvimento da própria construção e conclusão.
— Quanto menos a criança fizer o uso intenso de plataformas digitais com respostas prontas, mais ela terá oportunidade de construir associações pertinentes e contribuir com suas próprias vivências — pontua Júlia Tavares.
9- Para estimular atividades presenciais
Crianças e adolescentes precisam se envolver em atividades presenciais. Psicólogos sociais apontam que as relações virtuais possuem “baixo custo de saída”. Ou seja, é mais fácil sair de um grupo de Whatsapp durante uma situação desconfortável do que lidar com esses momentos cara a cara, o que traz um enorme amadurecimento, além de aprendizados essenciais para a vida adulta.
— Adolescentes gostam de se diferenciar dos seus pais. É preciso, então, estimular que eles possam se encontrar sem adultos e sem tecnologia. Um teatro, um cinema, uma tarde na casa de alguém. Algo do interesse deles. E tentar fazer isso em conjunto com os outros pais — defende a psicóloga Luisa Sabino.
10- Se a criança se recusar a ficar longe do celular
É preciso ter paciência na hora de colocar limites depois que o hábito de acessar o aparelho estiver consolidado. Esse processo envolve muito diálogo, paciência e atenção. Algumas crianças e adolescentes, no entanto, já apresentam níveis de dependência elevados e podem apresentar sinais de agressividade. Em casos mais graves, podem aparecer sintomas de abstinência da mesma forma que pessoas viciadas em álcool e outras drogas.
— Nesses casos em que a criança e o adolescente apresentam sinais de agressividade é preciso a avaliação de um profissional de saúde mental. Normalmente, também se revelam nessas pessoas algum transtorno psíquico de base, como ansiedade social, por exemplo, que precisa ser tratada — diz Sabino.