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- Author, Guillermo D. Olmo
- Role, BBC News Mundo
As vastas planícies desérticas da região de Ica, no Peru, deram lugar, nas últimas décadas, a extensas plantações de mirtilos e outras frutas.
Mas foi exatamente isso que aconteceu não só ali, mas na maior parte do litoral desértico peruano, onde cresceram grandes plantações de frutas não tradicionais da região, como manga, mirtilos e abacates.
A enorme faixa que atravessa o país paralela às ondas do Pacífico e às elevações andinas converteu-se em um imenso pomar e no epicentro de uma pujante indústria agroexportadora.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Irrigação do Peru, as exportações agrícolas peruanas cresceram, entre 2010 e 2024, a uma média anual de 11%, alcançando em 2024 o recorde de US$ 9,185 milhões.
O Peru se transformou, nesses anos, no maior exportador mundial de uvas e de mirtilos — uma fruta que quase não era produzida no país antes de 2008.
E sua capacidade para produzir em grande escala durante as estações em que isso é mais difícil no hemisfério norte, fez com que o país se consolidasse como uma das grandes potências agroexportadoras, e um dos principais fornecedores dos Estados Unidos, Europa, China e outros mercados.
Mas quais são as consequências disso? Quem se beneficia? E esse boom de exportação agrícola peruano é sustentável?
Como tudo começou
O processo que levaria o desenvolvimento da indústria agroexportadora peruana começou na década de 1990, quando o governo do então presidente Alberto Fujimori promoveu profundas reformas para reanimar um país — atingido por anos de crise econômica e hiperinflação.

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“O trabalho de base foi realizado para reduzir as barreiras tarifárias, promover o investimento estrangeiro no Peru e reduzir os custos administrativos para as empresas. Buscava-se impulsionar os setores que tivessem potencial exportador”, disse à BBC Mundo — serviço em espanhol da BBC — César Huaroto, economista da Universidade Peruana de Ciências Aplicadas.
“No início, o foco era o setor de mineração, mas, no fim do século já surge uma elite empresarial que vê o potencial do setor de exportação agrícola.”
Mas não bastavam apenas leis mais favoráveis e nem boas intenções.
A agricultura em grande escala no Peru enfrentava tradicionalmente obstáculos como a baixa fertilidade dos solos da selva amazônica e a acidentada geografia da serra andina.
Ana Sabogal, especialista em ecologia vegetal e em mudanças antrópicas nos ecossistemas da Pontífica Universidade Católoca do Peru, explicou que “o investimento privado de grandes agricultores, que são menos avessos ao risco do que os pequenos, facilitou inovações técnicas como a irrigação por gotejamento e o desenvolvimento de projetos de irrigação”.
A solução para o problema da escassez de água no deserto permitiu que se começasse a cultivar em uma área onde tradicionalmente não se achava possível fazer agricultura, e a explorar suas condições climáticas únicas, que especialistas descrevem como uma “estufa natural”.
“A região não tinha água, mas com água tornou-se uma terra muito fértil”, afirma Huaroto.
Tudo isso, somado a inovações genéticas, como a que permitiu o cultivo local do mirtilo, possibilitou que o Peru incorporasse grandes extensões de seu deserto costeiro à superfície cultivável, que se expandiram em cerca de 30%, segundo estima Sabogal.
“Foi um aumento surpreendente e enorme da agroindústria”, diz a especialista.
Hoje, regiões como Ica e Piura, no norte do país, tornaram-se importantes centros de produção agrícola, e a agroexportação é um dos motores da economia peruana.

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Quais foram as consequências?
Segundo a Associação de Exportadores (ADEX), as exportações agrícolas representaram 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) peruano em 2024, em comparação com apenas 1,3% em 2020.
O impacto econômico e ambiental tem sido significativo e ambivalente.
Seus defensores destacam os benefícios econômicos, mas os críticos apontam para os custos ambientais, como alto consumo de água em áreas onde ela é escassa e o abastecimento não é garantido.
O economista César Huaroto conduziu um estudo para avaliar o boom agroexportador na costa do Peru.
“Uma das coisas que descobrimos é que a indústria agroexportadora atuou como motor da economia local, aumentando o nível de empregos qualificados em grandes áreas, onde antes predominava a informalidade, e se registrou um aumento na renda média dos trabalhadores”, disse.
No entanto, isso não beneficia a todos de forma igual.
“Os pequenos agricultores independentes têm mais dificuldade de encontrar trabalhadores porque os salários são mais altos e também enfrentam mais dificuldades para acessar a água que precisam para suas plantações.”
De fato, a agroexportação parece estar substituindo as formas tradicionais de se trabalhar no campo e mudando a estrutura social e de propriedade em grandes áreas do Peru.
“Muitos pequenos proprietários percebem que suas terras já não são rentáveis e, por isso, estão vendendo para grandes empresas”, indica Huaroto.
Contudo, segundo o economista, “até mesmo pequenos agricultores se mostram satisfeitos porque a agroindústria tem dado trabalho para membros de sua família”.
O problema da água
Nos últimos anos, os benefícios do negócio de exportação agrícola para o país têm sido cada vez mais questionados.
Mas o principal alvo de críticas é a água.
“Em um contexto de escassez hídrica, em que uma parcela significativa da população do Peru não tem água encanada em casa, o debate em torno da indústria de exportação agrícola está cada vez mais intenso”, assinala Huaroto.
A ativista local Rosario Huayanca disse à BBC que “em Ica está acontecendo uma disputa por água, porque não há para todos.”

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Em uma região árida como essa, a questão da água é polêmica faz tempo.
Como em Ica praticamente não chove, grande parte da água se obtém do subsolo.
Enquanto muitos assentamentos humanos precisam se contentar com a água que chega em caminhões-pipa, e armazená-la para suprir suas necessidades, grandes áreas de cultivo destinadas à exportação têm garantido o abastecimento por meio de poços em suas propriedades e acesso prioritário à água de irrigação, que é transposta da região vizinha de Huancavelica.
“Em tese, é proibido escavar poços novos, mas quando os funcionários da Autoridade Nacional de Água (ANA) chegam para inspecionar as grandes exportadoras, eles negam acesso, alegando que trata-se de uma propriedade privada”, afirma Huayanca.
A ANA estabeleceu em 2011 o que descreveu como “um processo rigoroso de vigilância e fiscalização” do uso do aquífero subterrâneo que abastece grande parte da água de Ica, diante do “iminente problema de superexploração de águas subterrâneas, que está provocando a queda contínua dos níveis do lençol freático da região”.
Mas, aparentemente, o problema persiste e os pequenos agricultores locais se deparam com indícios de que o aquífero está se esgotando.
“Antes, bastava cavar cinco metros, mas agora é preciso chegar até 100 metros de profundidade para que a água apareça”, afirma Huayanca.
“Os pequenos agricultores se queixam que são obrigados a pagar caro pela água, enquanto as grandes propriedades contam com reservatórios e grandes tanques, cuja água é otimizada com sistemas de irrigação tecnologicamente avançados”, explica.
A BBC Mundo procurou a ANA e o Ministério de Desenvolvimento Agrário e Irrigação do Peru para comentar a situação, mas não teve retorno.

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Nessa região, se cultivam as uvas com as quais se produz o famoso pisco, aguardente cuja fama se tornou motivo de orgulho nacional para os peruanos, mas até isso está sendo questionado.
“Alguns criticam que as uvas são basicamente água com açúcar e, se exporta a uva e seus derivados, está exportando água”, destaca Sabogal.
Em Ica, o desafio é tornar próspero o agronegócio sustentável, atendendo também às necessidades da população.
“A cada eleição, se fala sobre isso, mas as soluções nunca chegam. Precisamos descobrir como tornar a economia de Ica sustentável a longo prazo, porque sem água, a economia vai entrar em colapso”, diz Huayanca.
O desafio, na verdade, é para todo o Peru agroexportador.
“A situação atual não é sustentável a longo prazo. É ótimo que exista uma indústria agrícola de exportação, porque isso gera renda, mas somente enquanto se destinar a quantidade de água necessária para a população e ecossistemas”, afirma Sabogal.