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Em Testemunha de Acusação, 27ª aventura de Júlia Kendall, vemos a protagonista em seu ambiente de trabalho (a Universidade de Garden City) entrar em mais um labirinto psicológico, desta vez, envolvendo pessoas que ela conhece. O assassinato de um professor, de certa forma testemunhado por Júlia (bem, ela testemunha o “pós-assassinato”, o suspeito com a arma em punho saindo pelo corredor), aponta inicialmente para um crime passional, com um aluno como principal suspeito. No entanto, a investigação conduzida por Júlia e pela recorrente equipe policial da série, revela nuances e camadas ocultas que rejeitam uma explicação simplista. A trama, inicialmente muito ágil, coloca a protagonista na cena do crime, por um capricho de sua procrastinação. A imersão intensa do leitor, nesse primeiro bloco narrativo, é contrastada com a lentidão posterior da investigação policial, da qual a criminóloga também faz parte; e que se arrasta com poucas surpresas pelas páginas da HQ. É nesse meio do caminho que a narrativa explora o trabalho se entrelaçando com a vida pessoal de Júlia, mostrando como ela leva seus casos para casa e refletindo sobre eles em seus momentos de solidão, algo pouco saudável, como ela mesma se dá conta.
A temática do crime passional, explorada em diferentes aspectos pelo roteiro, levanta questões sobre as complexas relações entre professores e alunos, abordando temas como abuso de poder e jogos de sedução, um dos motivos do crime, aliás. O conflito interno de Júlia, dividida entre suas suspeitas pessoais e as evidências apresentadas por Webb, adiciona uma camada extra de suspense, coroada pelas pequenas brigas entre eles, equilibrando a comédia nervosa da contenda com o denso assunto em discussão. O processo ressalta mais uma vez a intuição aguçada da protagonista e sua capacidade de enxergar além das aparências, sem se curvar às provas materiais de maneira cega, a ponto de deixar aspectos decisivos (mas aparentemente ocultos) de lado.
Um dos pontos altos do enredo é a construção da atmosfera de suspense psicológico, tanto no meio dos jovens quanto no cotidiano de Júlia. A sequência do pesadelo desta edição é uma das minhas favoritas de toda série, e destaca-se pela habilidade em evocar o terror psicológico à la Dylan Dog, iniciando-se de maneira tão orgânica que confunde a percepção do leitor quanto o andamento do caso até ali. De certo modo, essa atmosfera de paranoia e incertezas permeia a investigação, levando o público a questionar cada pista e a duvidar até mesmo das conclusões mais óbvias, afinal, nunca se sabe quem tem coisas a esconder.
Apesar da resolução do caso ser satisfatória, a sensação de desfecho abrupto e a ausência de algo mais marcante no último bloco da trama, deixam o leitor com uma leve sensação de anticlímax. A narrativa tem força, traz boas cenas com atmosfera densa e cheia de possibilidades (gosto muito das entrevistas com o estudante, depois de capturado) e mais uma jornada introspectiva para Júlia. Não é um enredo com a fluidez notável de outras edições, mas se compensa com uma investigação psicológica instigante e uma atmosfera que brinca com conflitos geracionais e ações impensadas de um jovem apaixonado e rejeitado. A abordagem de temas éticos — como as relações românticas no ambiente acadêmico –, e o lado humano, repetitivo e pouco glamouroso de uma investigação, conferem maturidade ao texto, criando um cenário universitário de segredos, mentiras, vontade de ser aceito pelos outros e jogos de poder, onde a verdade se revela depois de um ato de violência movido por um erro evitável.
Júlia Kendall – Vol. 27: Testemunha de Acusação (Io l’ho visto) — Itália, dezembro de 2000
No Brasil: Mythos, fevereiro de 2007 e março de 2022
Roteiro: Giancarlo Berardi, Giuseppe De Nardo, Maurizio Mantero
Arte: Federico Antinori
Capa: Marco Soldi
132 páginas