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quinta-feira, novembro 21, 2024

Antonio Candido: Retrato filmado – Revista Cult

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“Cordial e por isso muito afetuoso”. Assim se define Antonio Candido, o autor de Formação da literatura brasileira, sentado em sua sala de estar, em tom descontraído e confessional, aos 91 anos. Ele conversa com sua neta, Maria Clara Vergueiro, e as cenas dos tradicionais almoços entre avô e neta compõem o filme O avô na sala de estar, a prosa leve de Antonio Candido, dirigido por Marcelo Machado e Fabiana Werneck.

Ele continua: “mas eu sou morno, nem quente nem frio. Não tenho ódio às pessoas, não quero mal às pessoas, mas também não quero muito bem. Isso é muito bom porque eu posso viver sem a necessidade das pessoas. Eu moro sozinho, há cinco anos, desde que sua avó morreu.” Os relatos gravados em 2009 e transformados em documentário neste ano pretendem revelar ao público “o intelectual sendo apenas ele, uma pessoa, um filho, um marido, um pai, um sonhador, um estudante”, conta Maria Clara.

Entre histórias sobre família, infância e juventude, ela destaca a forma como a sua avó, a filósofa e ensaísta Gilda de Melo Sousa, surge através da fala do autor. Com amor. Não com paixão, pois, segundo Antonio Candido, esta não dura no tempo: “Quando eu ouço ele falar dela eu sinto como o amor pode ser bonito. Não só do ponto de vista afetivo, mas também da afinidade intelectual.”

Maria Clara conta que, na infância, via o avô como seu contador de histórias favorito, e, na falta de adjetivos, admirava-o como um “sábio”. Foi só ao ingressar no curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP que pôde associar à imagem do avô a do intelectual. “Tivemos uma grande greve na USP logo que eu entrei em ciências sociais. Ele fez uma fala no anfiteatro da universidade, lotado de pessoas de todas as idades. Desde gente muito nova, estudantes, até professores. Todos o reverenciavam. Eu não tinha ideia do tamanho dele”, relembra.

O filme conduzido por Maria Clara Vergueiro soma-se a outro documentário que se dedicou a desvendar a intimidade dos anos finais do intelectual: dirigido por Eduardo Escorel, Antonio Candido, anotações finais parte dos dois últimos cadernos escritos por ele – entre novembro de 2015 e abril de 2017 – para refletir sobre uma variedade de temas, entre política, amor e a iminência da morte.

Escorel conta que o ponto de partida do filme foi O Pranto dos Livros, breve texto escrito por Candido em janeiro de 1997, quando estava prestes a fazer 79 anos, no qual ele imagina o narrador morto, no caixão, esperando para ser cremado, enquanto seus livros “choram lágrimas invisíveis de papel e de tinta… Será o pranto mudo dos livros pelo amigo pulverizado que os amou desde menino, que passou a vida tratando deles, escolhendo para eles o lugar certo, removendo-os, defendendo-os dos bichos e até os lendo.”

Mas, assim como Maria Clara, Escorel já conhecia bem o intelectual antes de se aventurar por seus arquivos. Ele conta que, em 1962, quando tinha 17 anos, morava em São Paulo e estava se preparando para o vestibular. Nessa época, costumava se refugiar aos fins de semana na casa de Gilda e Antonio Candido, que lhe falavam de Mário de Andrade, de filmes e de tantas outras coisas. “Havia conhecido Antonio Candido dois ou três anos antes, por volta de 1960, quando eu morava no Rio. Ele foi visitar meus pais, de quem era amigo desde moço, mas chegou na nossa casa antes deles. Coube a mim recebê-lo e ficamos conversando, creio que sobre cinema – ele tinha o dom de tratar de igual para igual um adolescente inculto como eu.”

O filme ressoa para Escorel também como uma lembrança da inevitabilidade de sua própria morte, e dos amigos com os quais se iniciou no cinema e que morreram ainda jovens: “Mantenho à minha frente na escrivaninha, logo abaixo da tela do monitor, uma ficha pautada 6×9 onde anotei o que Antonio Candido escreveu entre parênteses em 19 de maio de 2016: ‘O lento e incessante despovoamento do mundo a que pertencemos começa de repente a se acelerar’ – aceleração que começou cedo demais para mim, com a morte de Glauber Rocha, em 1981, e ganhou velocidade com as de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade na mesma década. A partir de 2017, dediquei sete anos, em grande parte, à realização de Antonio Candido, anotações finais, inclusive durante a pandemia, quando Laís Lifschitz e eu montamos o documentário à distância. Passei, a partir de então, a me preocupar cada vez mais com minha própria morte.”

Em O avô na sala de estar, Maria Clara também vê algo de universal, que vai além do retrato do intelectual para “falar dessa relação preciosa que se dá entre avós e netos, um vínculo que costuma ser feito do mais puro amor, sem neuroses, sem remorsos, sem culpas, nem cobranças, enquanto também promove uma troca ‘intramundos’, onde os avós apresentam uma infinidade de referências fascinantes do passado e os netos respondem com as expressões vivas do mundo presente.”

O avô na sala de estar, a prosa leve de Antonio Candido está disponível gratuitamente na plataforma Sesc Digital, como parte da programação Cinema em Casa. Antonio Candido, anotações finais está em cartaz no Espaço Cinema Augusta, em São Paulo.



[Fonte Original]

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