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sexta-feira, novembro 22, 2024

Na COP 29, uma conversa franca sobre dinheiro

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Quem acompanha há algum tempo a negociação internacional sobre mudança do clima sabe que financiamento nunca deixou de ser um tema em pauta. Afinal de contas, reduzir emissões de gases de efeito estufa e construir resiliência face à mudança do clima requer investimentos, o que é ainda mais desafiador para países menos desenvolvidos e que já se endividaram para poder resolver problemas básicos de combate à pobreza. O combate à mudança do clima e seus efeitos requer um cofrinho próprio, e embora a Convenção do Clima (UNFCCC) tenha tentado estabelecê-lo ao longo do tempo, esta é uma daquelas conversas difíceis sobre dinheiro que destroem famílias, rompem casamentos e afastam amizades. Mas nesta COP 29 pode ser que as coisas sejam diferentes.

Depois de sessões intensivas de “terapia coletiva”, os países membros do Acordo de Paris estão encarando de frente o desafio de estabelecer uma meta quantificada coletiva de financiamento para apoiar países em desenvolvimento em medidas de mitigação e adaptação climática.

Para lembrar, essa história começa com o próprio texto da Convenção do Clima de 1992, que originalmente trouxe uma obrigação de os países desenvolvidos proverem financiamento climático aos países em desenvolvimento. Esta é uma obrigação que recai sobre as partes da Convenção, que são os países membros, ou seja, presume-se recai sobre o financiamento público de responsabilidade desses países.

Mas com o passar do tempo, foi se percebendo que existe uma participação significativa das fontes privadas na alocação de recursos capazes de ajudar no enfrentamento da crise climática. Em 2007, o Secretariado da UNFCCC publicou um relatório divulgando que mais de 80% dos fluxos financeiros para enfrentar a mudança do clima vem do setor privado. A partir desse momento, passou-se a também discutir como outras formas de financiamento alternativas podem ser reconhecidas dentro do regime da UNFCCC.

Na COP 15 de Copenhague, em 2009, países desenvolvidos apresentaram pela primeira vez a proposta de uma meta de financiamento de US$100 bilhões ao ano até 2020 – considerada a partir de “uma ampla variedade de fontes, públicas e privadas” -, o que só veio a ser confirmado no ano seguinte, na COP de Cancún. Esta não era uma meta de prover recursos, mas sim de “mobilizá-los”, o que sugere a possibilidade de que os recursos venham de outros bolsos, embora sejam facilitados de alguma forma pelos países membros da Convenção.

Até que chegamos à COP de 2015, com a adoção do Acordo de Paris sob a Convenção do Clima, ocasião em que a meta de $100 bilhões anuais foi estendida para até 2025, quando então deverá ser substituída por uma outra meta, a ser adotada em 2024. A nova meta deverá ser quantificada e ter como ponto de partida o patamar de US$100 bilhões anuais.

Ao se estabelecer um processo de negociação cuja entrega final seria o estabelecimento de uma nova meta quantificada coletiva de financiamento climático, foi criado o espaço de “terapia coletiva” necessário para se confrontar todos os usuais fantasmas que tensionam a negociação do clima ao longo dos anos em um só lugar.

Primeiro, temos o desafio de se falar sobre quais são as fontes de recursos que serão admitidas. E aí esbarramos na mãe de todos os fantasmas: não existe uma definição de financiamento climático dentro da UNFCCC. A dificuldade de se falar sobre dinheiro é tamanha que em 32 anos de Convenção nunca sequer foi possível definir o que conta como dinheiro neste contexto.

O segundo desafio é o da alocação da meta: quem paga quanto? O problema aqui é que, como o próprio mandato já diz, esta é uma meta “coletiva”, o que reflete algo que já estava previsto na própria Convenção: todos os países desenvolvidos são obrigados a prover financiamento climático. Se esta fosse uma obrigação individualizada, a Convenção diria que “cada” país desenvolvido tem que pagar sua parte da conta. Como a obrigação é de todo mundo, acaba também sendo de ninguém.

A Convenção tentou resolver esse problema, encorajando os países a definirem um método de rateio dessa obrigação. Agora com a discussão sobre a nova meta de financiamento climático pós-2025, está se buscando resgatar esse mandato e prever que os países desenvolvidos adotem um acordo prevendo o modo de rateio dos custos de cumprimento da meta entre eles. Além disso, um tópico importante da negociação é a transparência sobre a mobilização desses recursos, e há diversas sugestões diferentes sobre procedimentos e formatos de relato para se monitorar e escrutinizar o cumprimento da meta.

A resposta dos países desenvolvidos veio na forma de um pleito para que se admita aumentar a base de doadores e incluir também aqueles países em desenvolvimento que desejarem voluntariamente prover financiamento climático, como parte de uma cooperação Sul-Sul. Essa proposta causa muito desconforto às economias emergentes, como o Brasil, que têm receio das repercussões de se flexibilizar o princípio da diferenciação entre os países desenvolvidos e países em desenvolvimento na Convenção.

E por fim, é claro que um grande elefante na sala é falar do quantum. Diversos relatórios foram produzidos na tentativa de se mensurar o tamanho das necessidades de financiamento climático dos países em desenvolvimento, com números na casa dos trilhões. Mas fechar um valor provavelmente vai depender de um delicado balanço entre todos esses elementos acima: quais são as fontes, a base de doadores admitida, se vai haver uma forma de rateio (e como será feita) e o rigor das obrigações de transparência.

Como costuma ocorrer na UNFCCC, há sempre o risco de terminarmos com uma decisão vaga, ambígua, ilíquida, e que vai gerar discussões e regulamentações por mais anos adiante (inclusive em Belém no ano que vem!).

Mas há esperança quando vemos que as perguntas certas estão sendo feitas e que conversas francas estão finalmente acontecendo, dentro de um processo criado exatamente para isso. Este é o momento e o lugar certo para se falar da única coisa que realmente tem o poder de mudar o jogo na crise climática: dinheiro.

Caroline Prolo é advogada especializada na área de mudanças climáticas e sócia da gestora de investimentos fama re.capital.

(*) Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

[Fonte Original]

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