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domingo, dezembro 22, 2024

Crítica | Pantheon – 1ª Temporada – Plano Crítico

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Pantheon, primeira série animada com episódios “de uma hora” da AMC, chegou ao Brasil via Netflix muito tardiamente e já cancelada, algo que ocorreu ainda em 2022, depois do lançamento da primeira temporada, com o Prime Video nos EUA distribuindo a segunda temporada, que já estava em produção, no ano seguinte. Mas, como diz o ditado, antes tarde do que nunca, pois a série baseada em seis contos do escritor sino americano Ken Liu é imperdível pela maneira surpreendentemente realista e bem concatenada com que lida com a alta tecnologia ainda teórica, mais precisamente o que é chamado na obra de Inteligência Transferida (I.T.) – versão em português de Uploaded Intelligence – em que todos os dados do cérebro humano são escaneados e transferidos para redes de computadores, algo que não é novidade no audiovisual, evidentemente, pois temos desde O Passageiro do Futuro até a recente série Upload como exemplos, mas que é sempre interessante e, claro, assustador.

E, na série, o processo é particularmente assustador, já que esse escaneamento cerebral só pode acontecer com a pessoa viva, com o processo vagarosamente vaporizando o cérebro, o que de um lado torna sua aplicação menos abrangente e, por outro, abre oportunidades para sequências dignas de filme de horror. Mas estou me adiantando, já que a história começa de forma mais prosaica e até simples, com Madison “Maddie” Kim (voz original de Katie Chang), uma adolescente de 14 anos, recebendo mensagens eletrônicas de remetente desconhecido na forma de emojis, o que a leva a achar que pode ser seu pai David Kim (Daniel Dae Kim), gênio da computação que trabalhava na Logorhythms (a Apple desse universo) falecido há dois anos. Essa desconfiança é o estopim narrativo para a confirmação da suspeita da jovem, com a versão eletrônica de seu pai vivendo na rede, o que permite o mergulho em uma história repleta de traições que revela a existência de outras I.T.s, uma anterior e outra posterior a David e toda uma acirrada concorrência entre empresas de tecnologia, com direito até mesmo ao destaque a um jovem de 17 anos, Caspian Keyes (Paul Dano) que vem sendo cuidadosamente criado para se tornar o novo Stephen Holstrom (William Hurt), o falecido e reverenciado dono da Logorhythms que é um desnecessário facsímile de Steve Jobs e que conta com toda uma narrativa paralela só para ele e sua “origem”.

O ponto mais relevante da série, para mim, é o quanto ela funciona perfeitamente para demonstrar que o problema da Humanidade repousa conosco, os humanos e não com as máquinas e as inteligências artificiais que são tão abertamente demonizadas na literatura e no audiovisual. Se uma I.A. é criada pelo Homem e, em tese, aprende e se desenvolve sozinha – quase que inevitavelmente destruindo o mundo – a I.T. é o próprio Homem transformado em divindade por ser desgarrado completamente de sua forma física e das limitações impostas por ela, com acesso a toda a informação disponível em nanosegundos e capaz de praticamente qualquer coisa. Culpar a I.A. é fácil, pois ela é autônoma. A I.T., por outro lado, somos nós diretamente “upados” para a rede, pelo que desaparece toda a desculpa do “foi a máquina que fez isso”. E a visão de Craig Silverstein, que desenvolveu a série, é extremamente pessimista, pois o que Pantheon faz é afirmar que o humanus ex machina não é nem um pouco diferente de quando ele está fora dela. Ao contrário até, é muito mais perigoso e faz a I.A. parecer brincadeira de criança.

A temporada faz um valoroso esforço para manter seus pés no chão o tanto quanto possível, desenvolvendo as linhas narrativas com calma até o momento em que a tecnologia chega às mãos dos governos do mundo, acontecendo, então, uma aceleração quase desgovernada da história que leva a elipses e saltos temporais um tanto quanto frustrantes justamente porque tudo o que veio antes caminhava em seu próprio passo, sem afobação. Não sei se isso foi resultado das dúvidas da AMC sobre a série já se manifestando durante a produção, mas é quase como se houvesse duas séries diferentes, uma cuidadosa e fascinante, mas que segura seus exageros e outra desleixada, ainda que também fascinante, que chuta o proverbial pau da barraca em termos dos fogos de artifício hollywoodianos. Mas pelo menos a temporada inaugural fecha todos os arcos específicos e também o macro, apontando para um segundo ano consideravelmente diferente, com apostas mais altas.

Outro aspecto que me decepcionou um pouco – mas só um pouco – foi a animação. Não a qualidade da técnica escolhida, pois ela é alta, detalhada o suficiente e muito dinâmica, mas sim a falta de ousadia especificamente no mundo virtual em que tudo o que vemos são ou repetições de ambientes físicos ou a inserção de personagens em ambiente de videogame, sem que haja o aproveitamento efetivo das possibilidades que uma consciência upada pode ter não estando mais presa à sua forma física. Entendo que David conscientemente se prenda ao que estava acostumado, mas quando a existência de Laurie Lowell (Heather Lind), a primeira pessoa a ser transferida para a rede, é revelada e ela finalmente surge, tudo o que temos é a mesma coisa, mesmo quando ela mesma diz para David que o que ele faz no mundo virtual não faz o menor sentido e que ele precisa ir além.

Não sei se a segunda temporada da série um dia aportará por aqui dada a bagunça que foi a produção, mas Pantheon nos deixa pensativos sobre a condição e moralidade humanas e sobre as possibilidades aterradoras da tecnologia nos transformar em pós-humanos, em nos elevar – ou seria reduzir? – a uma versão de nós mesmos só que livre das amarras impostas pelo corpo físico, inclusive e especialmente a amarra da expiração, da data de validade. Será que chegaremos lá um dia e, se chegarmos, seremos diferente do que somos hoje? Pantheon nos ajuda a vislumbras possibilidades e o que a série mostra não é bonito.

Pantheon – 1ª Temporada (EUA, de 1º de setembro a 13 de outubro de 2022)
Data de exibição no Brasil: 22 de novembro de 2024
Desenvolvimento: Craig Silverstein (baseado em contos de Ken Liu)
Direção: Dwooman, Mel Zwyer, Ed Tadem, Micah Gunnell, Juno Lee
Roteiro: Craig Silverstein, Albert Kim, Taii K. Austin, Andy Parker, Julia Cooperman, Scott Gunnison Miller, Michael Taylor
Elenco: Katie Chang, Paul Dano, Aaron Eckhart, Rosemarie DeWitt, Chris Diamantopoulos, Raza Jaffrey, Daniel Dae Kim, Ron Livingston as Dr. Peter Waxman, Taylor Schilling, William Hurt, Heather Lind, Scoot McNairy
Duração: 329 min. (oito episódios)



[Fonte Original]

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