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domingo, dezembro 22, 2024

Luiz Melodia: “O retrato do artista quando coisa” – Revista Cult

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“O negro desce do morro, tem que ser sambista. Eu devo ter incomodado.” Assim, o compositor carioca Luiz Melodia sintetiza a inquietação da indústria fonográfica dos anos 1970 em relação ao tipo de música que ele fazia. A fala é parte do documentário Luiz Melodia – No coração do Brasil, dirigido pela cineasta Alessandra Dorgan, que estreia no cinema em 16 de janeiro de 2025. O roteiro é de Alessandra Dorgan, Patricia Palumbo e Joaquim Castro. O filme é um panorama em primeira pessoa do percurso musical do showman nascido no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, berço da primeira escola de samba do Brasil, a Deixa Falar, fundada em 1928.

Segundo a diretora, essa é uma tentativa de “fazer justiça a Luiz Melodia”, um artista que dizia “não ter fronteiras em relação a seus gostos musicais”, mas que foi taxado de “marginal” e “maldito” pela mídia da época. Patricia Palumbo, diretora musical do filme, completa: “A imprensa adora esses títulos porque chamam a atenção do leitor, mas eu sempre achei ruim essa ‘maldição’. Para o artista, é um peso desnecessário. Marginais no sentido de “à margem do mercado”, isso sim. Ainda que na década de 1970 houvesse aquela máxima ‘seja marginal, seja herói’, isso acabou ficando por décadas impresso e incomodava muito Luiz”.

Alessandra conta que para isso foi essencial deixar a narrativa ser contada pelo próprio Melodia, morto em 2017. O relato que conduz o filme do início ao fim é fruto de uma entrevista realizada em 2002 por Patricia Palumbo, de quem partiu a ideia do documentário. Ela conta: “A entrevista que ele me deu pro livro Vozes do Brasil, de 2002, foi a primeira que entrou na pesquisa. Gravei em sua casa, no Rio, num terraço com vista para a floresta da Tijuca.”

Segundo Patricia, nessa ocasião, Melodia performou à capela “O retrato do artista quando coisa”, música feita a partir do poema de mesmo nome de Manoel de Barros. A aproximação do músico com a poesia não é, no entanto, ocasional. Luiz Melodia, conhecido como “o poeta do Estácio”, atribuiu seu “descobrimento” no Morro de São Carlos aos poetas tropicalistas Torquato Neto e Waly Salomão.

Segundo Alessandra, “O primeiro a descobrir Luiz Melodia foi Torquato, com a coluna Geléia Geral, que ele assinava no jornal Última Hora sobre música. Foi ali que começou essa intersecção dos poetas com o morro, quando eles começaram a subir o morro e algumas das pessoas do morro começaram a descer. Rolou uma química entre esse pessoal. Eu acredito que muito da Tropicália vem dessa mistura e dessa contribuição de artistas como Luiz, que rejeitava o rótulo de tropicalista”.

Com o intermédio de Waly, Melodia começou a ficar conhecido na Zona Sul na voz de Gal Costa, que interpretou “Pérola Negra”, uma homenagem a uma travesti, amiga de Melodia do Morro de São Carlos. A gravação aparece no disco Fa-Tal – Gal a Todo Vapor, da cantora baiana, um registro da série de concertos que ela realizou no Teatro Tereza Raquel sob a direção musical de Waly, lançado em 1971, dois anos antes do disco de estreia de Melodia, de 1973.

Desafiando a pressão de um mercado fonográfico conservador, Luiz “se considerava um rebelde, especialmente quando jovem. Acreditava que era uma reação natural ao mercado, àquela pressão para ser sambista. Compor músicas autorais com levada caribenha, soul, blues e também samba, ou seja fazer só o que ele queria, era sua maneira de se opor ao regime”, diz Patricia.

Alessandra, que identifica na obra de Luiz “pitadas de poesia concreta” diz reconhecer no músico uma personalidade “difícil por ser íntegro”: “Eu acho que se ‘ser difícil’ é não se enquadrar e ser muito íntegro com aquilo que você quer, com o seu norte artístico, com a sua produção artística, então eu acho que ele era difícil mesmo. Ele mesmo questiona: ‘o que eu fiz de tão diferente que outros artistas da minha época não tenham feito?’ Eu acho que o preconceito de ‘marginal’ também vem daí. Vem desse grande racismo estrutural que a gente sempre viveu e continua vivendo. Acho que ele era um cara difícil porque ele era um cara íntegro.”

 

Luiz Melodia – No coração do Brasil

85 min;
Direção: Alessandra Dorgan;
Roteiro: Alessandra Dorgan, Patricia Palumbo, Joaquim Castro;
Direção musical: Patricia Palumbo;
estreia: 16 de janeiro de 2025.



[Fonte Original]

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