Há quatro anos, Donald Trump deixou Washington como um pária político. Para trás, deixou um país exausto e devastado por uma pandemia, a pior crise econômica desde a Grande Depressão, uma violenta onda de protestos contra o racismo devido ao assassinato de George Floyd, dois processos de impeachment e uma tentativa de impedir a transferência de governo para Joe Biden, que culminou com o ataque trumpista ao Congresso em 6 de janeiro de 2021.
- ‘Renascimento político incomparável na História americana’: Donald Trump é escolhido Pessoa do Ano pela revista Time
- Preparativos: Trump já convidou Xi, Bukele, Meloni e Milei para a posse presidencial em janeiro
Trump partiu sozinho, virando as costas a todos, sem reconhecer sua derrota e sem comparecer à posse de Biden, caído em desgraça, com sua popularidade no chão e a maior desaprovação de toda sua Presidência, um marco que, até então, apenas Richard Nixon tinha alcançado, o único presidente da História a renunciar.
Quatro anos depois, Trump prepara seu retorno triunfal a Washington, vindicado por sua retumbante vitória na eleição presidencial contra a vice-presidente Kamala Harris, fortalecido como nunca e sem limites ou amarras para enfrentar com total liberdade seu próximo — e talvez último — ato na Casa Branca.
A vingança de Trump e seu retorno ao poder fecham um capítulo político singular, sem precedentes na História mundial. Após derrotas nas eleições de 2018 e 2020, e um resultado decepcionante para os republicanos em 2021, Trump parecia caminhar para o ocaso político. O Partido Republicano lhe deu as costas e começou a buscar um sucessor. Trump passou a frequentar os tribunais e a perder apoio político. Mas nunca desistiu de sua revanche.
No final, impôs-se a tudo. Trump sobreviveu a dois atentados durante a campanha, superou escândalos nos negócios e todos os seus processos judiciais, incluindo a condenação no caso do pagamento à atriz pornô Stormy Daniels em Nova York. Derrotou, novamente, todos os rivais nas primárias do Partido Republicano e, depois, os dois candidatos presidenciais democratas: primeiro Biden, no debate que encerrou sua candidatura à reeleição, e depois Kamala na eleição geral de 5 de novembro.
Desta vez, diferente de 2016, Trump venceu com autoridade. Ganhou o voto popular – o primeiro republicano a conseguir isso em 20 anos –, venceu nos sete estados-pêndulo, ou “swing states”, que decidiram o colégio eleitoral e a Presidência, ampliou sua coalizão, deslocou o mapa dos Estados Unidos para a direita e deixou o Partido Democrata incrédulo, dividido, em busca de respostas e uma nova identidade.
A revista Time voltou a escolhê-lo como pessoa do ano por “liderar um retorno de proporções históricas” e impulsionar “um realinhamento político único em uma geração”. E, pela primeira vez desde que entrou na política em 2015, Trump tornou-se um político popular: mais americanos agora o veem de maneira favorável do que desfavorável, segundo a média de pesquisas de imagem do RealClearPolitics.
— Uma das grandes diferenças com o primeiro mandato: no primeiro mandato, todo mundo brigava comigo — disse Trump esta semana, em sua primeira coletiva em Mar-a-Lago após vencer a eleição, ao comentar um jantar com o CEO da Apple, Tim Cook. — Neste mandato, todo mundo quer ser meu amigo. Não sei. Minha personalidade mudou ou algo assim.
Os diretores, subdiretores e chefes de seção das redações dos jornais que compõem o Grupo de Diários América (GDA) escolheram Trump como Personagem Mundial GDA 2024. Elon Musk, que terá um papel de destaque na nova administração trumpista, ficou em segundo lugar.
Trump e o trumpismo já conquistaram um lugar de destaque na História dos Estados Unidos. Agora, Trump afirma que tem em suas mãos um “mandato” do povo, uma leitura de sua vitória que alguns consideram exagerada.
Mas, independentemente dessas interpretações, Trump retorna a Washington com amplo poder, mais apoio e mais experiência — um combo que não tinha há oito anos —, decidido a implementar uma mudança profunda, radical e duradoura no rumo dos Estados Unidos e a “desmantelar o Estado Profundo”. A administração “Trump 2.0”, como já é chamada nos Estados Unidos, será muito mais trumpista que a primeira.
Nesse contexto, Trump escolheu, desta vez, um Gabinete com um atributo destacado: a lealdade. Quando assumiu o poder em 2017, sem experiência e sem aliados próprios, Trump teve que preencher seu primeiro Gabinete com figuras do establishment republicano. Reince Priebus, então presidente do partido, foi seu primeiro chefe de Gabinete. Três generais aposentados, John Kelly, H.R. McMaster e Jim Mattis — a quem Trump chamava de “meus generais” — ocuparam cargos-chave na segurança nacional e na defesa. Jeff Sessions, senador republicano por duas décadas no Alabama, foi seu primeiro procurador-geral. Nikki Haley foi embaixadora nas Nações Unidas.
- Entrevistas, indicações e hospedagem em Mar-a-Lago: Musk é o integrante ‘mais influente’ da equipe de transição de Trump
Agora, Trump escolheu cercar-se de leais e multimilionários. Musk teve um papel tão influente na composição do novo governo que ganhou o apelido de “copresidente” e, junto com Vivek Ramaswamy, terá a missão de cortar gastos do governo federal, uma tarefa que Trump comparou ao Projeto Manhattan, que deu origem à bomba atômica.
Trump também quer avançar de maneira implacável sobre o Departamento de Justiça e o FBI, que acusa de serem armas políticas dos democratas. Pam Bondi, sua candidata para liderar os procuradores federais, prometeu que “os procuradores serão processados, os maus” e “os investigadores serão investigados”. Para os críticos e detratores de Trump, as novas figuras de seu Gabinete prenunciam nada menos que uma catástrofe.
— Ninguém sabe quais serão as políticas. Por pior que possamos imaginar, as coisas terminarão ainda piores — advertiu Mark Feierstein, ex-funcionário do Conselho Nacional de Segurança de Barack Obama. — Não podemos ser uma voz em defesa da democracia, dos direitos humanos e do Estado de Direito enquanto temos no Salão Oval um criminoso que tentou anular as eleições.
Trump também prometeu deportar milhões de imigrantes irregulares, eliminar o direito à cidadania por nascimento, aumentar tarifas sobre importações em um esforço para impulsionar a economia — mesmo à custa de mais inflação —, além de desregular e cortar impostos para beneficiar empresas.
O povo o elegeu para recuperar a economia, mas Trump e seu “mandato” podem tentar ir muito além. Trump deu sinais de que indultará seus simpatizantes presos pelo ataque ao Congresso.
- Janaína Figueiredo: Medos e pânicos do Brasil com Trump
A América Latina enfrentará outra etapa de grande tensão com Washington, com diferenças claras entre amigos e inimigos. Javier Milei, o primeiro presidente a visitar Trump em Mar-a-Lago após sua vitória, e Nayib Bukele buscarão uma aliança ideológica. Já Gustavo Petro, Luiz Inácio Lula da Silva, Gabriel Boric e Claudia Sheinbaum terão uma relação muito mais dura e complicada.
Alejo Czerwonko, diretor de investimentos do banco UBS, advertiu que “com a chegada de Donald Trump, a América Latina terá que enfrentar ameaças tarifárias, incerteza no comércio internacional e volatilidade das taxas de juros”. Trump também priorizará a imigração, a segurança e o combate à influência econômica da China.
Barack Obama tropeçou na Primavera Árabe. Trump 1, com a pandemia do coronavírus. Joe Biden, com as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Ninguém sabe o que o mundo reserva para Trump 2 agora. E esse será, talvez, o fator que determinará a agenda da sua segunda Presidência, para além do seu poder e dos seus desejos, e do seu regresso vitorioso a Washington.
* Do Grupo de Diários America, do qual o GLOBO faz parte juntamente com os principais jornais do continente.