- Author, Beatriz Jucá
- Role, De Fortaleza para a BBC News Brasil
Sentada em um café no saguão do Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, Helena (nome fictício) olha o celular com preocupação.
“Estou feliz porque meu filho está chegando são e salvo, mas triste pelo fim do sonho dele”, diz, depois de receber uma rápida chamada de Leonardo (nome fictício) contando que já estava em solo brasileiro e que havia acabado de se alimentar depois de uma longa viagem de 12 horas.
Os brasileiros deportados dos Estados Unidos que chegaram nesta sexta-feira (7/2) ao aeroporto de Fortaleza não tiveram acesso a alimentação durante o voo e alguns foram transportados algemados, informou a secretária de Direitos Humanos do Ceará, Socorro França, em coletiva de imprensa.
A família de Helena, que vive em um bairro de classe média de Fortaleza, está apreensiva desde o dia 2 de janeiro, antes mesmo da posse do presidente americano Donald Trump e do início de sua política de deportação em massa.
Naquela data, Leonardo foi detido em Miami ao estacionar seu carro, com placa da Flórida, em uma via proibida. Ouviu o policial bater no vidro do automóvel e mal teve tempo de calçar os sapatos antes de descer do veículo, com as mãos para trás.
Leonardo havia entrado nos Estados Unidos com o visto regular há três anos, mas extrapolou o tempo permitido para permanecer no país.
Apesar de ter se formado em Tecnologia da Informação no Brasil, ele trabalhava informalmente como “faz tudo” para uma companhia da construção civil e fazia bicos nos Estados Unidos.
Leonardo chegou em Nova Jersey em 2021 e viveu lá dois anos. Não demorou para conseguir comprar um carro com o dinheiro dos trabalhos informais, o que lhe encheu de esperança para construir a vida em solo americano.
Faltava, porém, sentir-se mais integrado ao modo de vida norte-americano.
Por isso, em outubro do ano passado, ele se mudou para a Flórida. Sublocou um quarto em uma casa, onde moravam outras duas pessoas. Estava satisfeito, com a sensação de haver encontrado o seu lugar.
“Ele me disse: aqui é o lugar de se morar. É tudo lindo e maravilhoso”, conta a mãe.
No fim do ano passado, porém, Leonardo decidiu ir para Miami por alguns dias para passar as festas de réveillon e fazer bicos de entregador de sushi. Foi quando acabou detido e depois transferido a um centro de imigração.
Ficou mais de um mês neste centro, em condições que a mãe descreve como razoáveis. O problema é que a audiência judicial que resolveria o destino de Leonardo foi marcada para o sétimo dia do governo de Donald Trump e, embora ele tenha solicitado a deportação voluntária — por meio da qual retornaria ao seu país por seus próprios meios —, o juiz recusou.
“O ambiente político havia mudado completamente”, afirma o irmão dele, que também o aguardava no aeroporto de Fortaleza e pediu para não ser identificado.
Leonardo foi deportado compulsoriamente e desembarcou na capital cearense pouco depois das 16h desta sexta-feira.
A família pagou US$ 600 (cerca de R$ 3,6 mil) a uma pessoa nos Estados Unidos para recolher uma mochila com alguns pertences dele na Flórida e viajar três horas para entregá-la no centro de imigração em Miami antes do embarque. Suas malas ainda não têm data para serem trazidas por algum amigo ao Brasil.
Leonardo chegou junto com outros 110 brasileiros, entre homens, mulheres e várias crianças. Eles foram recebidos por autoridades brasileiras de órgãos ligados aos direitos humanos com comida, kit de higiene e apoio psicológico e jurídico, depois de 12 horas de viagem sem receber comida.
Durante o trajeto, homens tiveram braços e pernas algemados, enquanto as crianças e mulheres foram poupadas, conforme relataram autoridades brasileiras.
As algemas foram retiradas apenas durante o desembarque da aeronave, evitando repetir as cenas da chegada de repatriados em Manaus no último mês de janeiro, que saíram algemados em solo brasileiro.
O uso de algemas, em pés e mãos, para adultos brasileiros durante os voos em aviões fretados para deportação pelos Estados Unidos é prática comum dos agentes do ICE, o serviço de alfândega e imigração dos EUA, que comandam esses voos.
Apesar dos recorrentes protestos da diplomacia brasileira contra o uso indiscriminado de correntes e algemas, as autoridades americanas costumam argumentar que a imobilização dos deportados é necessária para garantir a segurança do voo e da tripulação.
A praxe é que tais dispositivos sejam retirados antes do desembarque, até porque, da perspectiva legal do Brasil, os deportados não cometeram qualquer tipo de crime em solo pátrio.
‘Machucados emocionalmente’
“Estávamos preocupados com o estado deles”, disse a secretária de Direitos Humanos do Ceará, Socorro França, em entrevista coletiva após a chegada dos repatriados na sexta-feira. “As pessoas só comeram quando desembarcaram.”
Ela também afirmou que encontrou os brasileiros repatriados “muito machucados emocionalmente” e ouviu relatos de que sofreram muito por estarem presos, quase sem alimentos.
“Vemos com preocupação a forma como estas pessoas estão sendo conduzidas ao Brasil”, disse o defensor público federal Edilson Santana, que acompanhou a ação, mencionando especialmente o uso de algemas nos braços e pernas dos repatriados durante o deslocamento.
“Eles acham que todo mundo que está sendo deportado é bandido. Não é. Tem muitas famílias”, diz Helena, no saguão do aeroporto.
Ela ainda não havia encontrado o filho, um dos cerca de 16 repatriados que ficariam no Ceará, segundo uma fonte que acompanhava a ação.
Enquanto buscava, aflita, mais informações por onde Leonardo desembarcaria, Helena recebeu uma ligação. Era o filho, dizendo para que ela o aguardasse em casa.
“Você acha que eu não iria vir te esperar aqui?”, ela disse. Diante da ampla movimentação da imprensa no local, acabou convencida a retornar sem ele para casa, depois de uma espera de mais de quatro horas.
Isso porque o fato de ter conversado com o filho por telefone havia lhe tranquilizado. “Fiquei muito preocupada quando vi a chegada dos brasileiros em Manaus. Achei desumano”, diz, referindo-se ao primeiro voo com brasileiros deportados pelo Governo Trump.
A descida de brasileiros algemados gerou denúncias de maus-tratos e levou o Brasil a impedir que aviões sobrevoem o território nacional com imigrantes acorrentados ou com algemas. Foi assim que Fortaleza, uma das cidades mais próximas dos Estados Unidos, foi escolhida para o desembarque dos repatriados, que estava previsto para acontecer diretamente em Minas Gerais.
Quando Helena deixou o saguão do aeroporto da capital cearense na noite de sexta com seu outro filho, a maioria dos brasileiros repatriados já havia seguido para Minas Gerais em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
Durante o primeiro acolhimento em Fortaleza, eles puderam contatar a família e ter apoio para poderem recomeçar suas vidas. Receberam informações sobre como regularizar documentos e acessar direitos por meio de representantes da Defensoria Pública da União.
“Eles estão saindo daqui [Fortaleza], sabendo que estão sendo repatriados e com o governo totalmente disposto a recebê-los da melhor forma”, afirma Mitchelle Meira, titular da Secretaria da Diversidade do Ceará.
A estimativa é de que aproximadamente 30 mil brasileiros ainda aguardam deportação dos Estados Unidos.