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Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a segurança do continente europeu esteve fortemente ligada aos Estados Unidos. Os americanos investiram massivamente em suas forças armadas e em seu arsenal — enquanto os europeus mantiveram investimentos mais modestos, sempre contando com o apoio de seus aliados do outro lado do oceano Atlântico.
Diante das declarações recentes do presidente Donald Trump e de seu vice, J. D. Vance, de que a Europa precisa prover pela sua própria segurança — como no caso da guerra da Ucrânia — líderes europeus começaram a anunciar gastos maiores em defesa.
No encontro, os líderes europeus manifestaram apoio à proposta da Comissão Europeia (braço executivo da União Europeia) de criar um fundo para empréstimos de 150 bilhões de euros (US$ 157 bilhões ou R$ 930 bilhões) para que os governos do bloco — que não inclui o Reino Unido — promovam o rearmamento europeu diante da guerra da Rússia na Ucrânia.
A unidade europeia só foi quebrada pelo primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que não endossou a declaração do bloco sobre a Ucrânia. Orbán é visto como um aliado tanto de Putin quanto de Trump.
A partir desta terça-feira (11/03), representantes dos EUA e Ucrânia devem se encontrar na Arábia Saudita para discutir formas de pôr fim ao conflito com a Rússia.
As últimas semanas foram repletas de anúncios de aumento de gastos com defesa e rearmamento da Europa — e também de questionamentos sobre como isso deve ser financiado.
Alemanha: fim do freio da dívida
Um dos líderes europeus a anunciar um aumento em gastos militares foi Friedrich Merz, que deve se tornar o próximo chanceler da Alemanha. Seu partido foi o vencedor da eleição geral realizada no mês passado no país, e está em processo de montar uma coalizão para governar a Alemanha.
Merz anunciou esta semana um acordo político para levantar centenas de bilhões de euros em gastos extras em defesa e infraestrutura.
“Em vista das ameaças à nossa liberdade e paz em nosso continente, a regra para nossa defesa agora tem que ser ‘o que for preciso'”, disse Merz.
Ele falou sobre a necessidade de urgência nos gastos alemães à luz das “decisões recentes do governo americano”.

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Na semana passada, Merz disse que a Alemanha estava contando com os EUA para manter “compromissos mútuos de aliança… mas também sabemos que os recursos para nossa defesa nacional e de aliança devem agora ser significativamente expandidos”.
No centro de suas propostas está um fundo especial de 500 bilhões de euros (US$ 530 bilhões ou R$ 3,4 trilhões) em infraestrutura e para afrouxar as regras orçamentárias rigorosas que proíbem investimentos em defesa na Alemanha.
Na esteira da crise financeira da Europa, a Alemanha impôs um “freio da dívida” ou Schuldenbremse (algo semelhante ao teto de gastos que esteve em vigor no Brasil nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro), limitando o déficit orçamentário a 0,35% da produção econômica nacional (PIB) em tempos normais.
A nova proposta de defesa de Merz recomenda que “gastos de defesa necessários” acima de 1% do PIB sejam isentos de restrições que impõem o limite de dívida, ou seja, sem limitações orçamentárias.
Embora a Alemanha tenha fornecido mais ajuda à Ucrânia do que qualquer outro país europeu, suas forças armadas recebem menos investimentos do que outros países desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
O governo de Olaf Scholz, que foi derrotado na eleição, criou um fundo de 100 bilhões de euros (US$ 107 bilhões ou R$ 620 bilhões) após a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, mas a maior parte disso já foi alocada.
A Alemanha terá que encontrar 30 bilhões de euros extra por ano apenas para atingir a meta atual da Otan de 2% do PIB em defesa, e especialistas em segurança acreditam que ela precisará aumentar sua meta de gastos para mais perto de 3%.
França: proteção nuclear a aliados
Em seguida, foi a vez do presidente francês, Emmanuel Macron, ir à televisão e anunciar o aumento de gastos militares.
“No geral, nossa prosperidade e segurança se tornaram mais incertas. É preciso dizer que estamos entrando em uma nova era”, disse Macron na televisão.
O aumento de gastos militares da França e da Europa é justificado, segundo Macron, pelo temor do aumento do poder bélico da Rússia.
“A Rússia já fez do conflito ucraniano um conflito global. Mobilizou soldados norte-coreanos e equipamentos iranianos em nosso continente, enquanto ajudava esses países a se armarem mais”, disse Macron no pronunciamento.
“A Rússia do presidente Putin viola nossas fronteiras para assassinar oponentes, manipula eleições na Romênia e na Moldávia e organiza ataques cibernéticos em nossos hospitais para bloquear sua operação. A Rússia está tentando manipular nossas opiniões com mentiras espalhadas nas redes sociais. E, no fundo, está testando nossos limites. Ela faz isso no ar, no mar, no espaço e atrás de nossas telas.”
“Quem pode acreditar, neste contexto, que a Rússia vai parar na Ucrânia?”
Macron disse que a França continua comprometida com os EUA e com a Otan, mas que “é preciso fazer mais”.
Ele também disse que a França está disposta a abrir um debate sobre compartilhar sua dissuasão nuclear com os demais países do continente — ou seja, estender a proteção oferecida por seu arsenal nuclear aos demais países da Europa.
O presidente francês disse esta semana ao jornal Le Figaro que os países europeus precisavam aumentar os gastos com defesa para “cerca de 3-3,5%” do seu PIB, bastante acima da meta atual de 2% para os membros da Otan.
A França já vinha aumentando seus gastos militares em 3 bilhões de euros (US$ 3,1 bilhões ou R$ 18 bilhões) em um plano projetado para durar até 2030. Mas o governo francês confirmou que esse plano será reavaliado para aumentar ainda mais os gastos.
A França já vem cumprindo a meta da Otan de 2% de gastos do PIB em defesa, mas, segundo a agência de notícias Reuters, para alcançar 3% o país precisaria de mais 30 bilhões de euros (US$ 31 bilhões ou R$ 180 bilhões) adicionais por ano.
“Temos restrições orçamentárias”, disse o ministro das Finanças da França, Eric Lombard. “Temos 3,3 trilhões de euros em dívidas, o que significa que a cada ano pagamos aos nossos credores mais de 50 bilhões de euros, o que é quase o mesmo que o orçamento de defesa.”
Reino Unido: cortes em gastos humanitários
O Reino Unido foi um dos primeiros países a anunciar aumento nos gastos com defesa.
No final do mês passado, dias antes de um encontro com Trump na Casa Branca, o premiê britânico, Keir Starmer, anunciou planos para aumentar os gastos com defesa em relação à economia nacional até 2027.
O primeiro-ministro disse que cortaria o orçamento de ajuda humanitária externa para financiar o reforço militar — uma medida bem recebida pelo governo Trump, mas classificada de “traição” por instituições de caridade de desenvolvimento.

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Starmer disse que o orçamento de ajuda humanitária do Reino Unido seria reduzido de 0,5% da renda nacional bruta para 0,3% em 2027, “financiando totalmente o investimento em defesa”, que aumentará de 2,3% para 2,6% do PIB.
Isso significa gastar 13,4 bilhões de libras (US$ 17,2 bilhões ou R$ 100 bilhões) a mais em defesa a cada ano a partir de 2027.
O primeiro-ministro disse que os gastos com defesa aumentariam para 2,6% do PIB até 2027, considerando a contribuição dos serviços de inteligência para a defesa.
“Esse é o maior aumento sustentado nos gastos com defesa desde a Guerra Fria, o que nos colocará em posição de garantir a segurança e a defesa do nosso país e da Europa”, disse Starmer em debate no Parlamento britânico.
O Reino Unido e a França têm liderado esforços para estabelecer uma coalizão para impedir a Rússia de invadir ainda mais a Ucrânia, no caso de um acordo de paz.
Autoridades do Reino Unido disseram que cerca de 20 países estavam interessados em se envolver, embora nem todas as nações necessariamente enviariam tropas para a Ucrânia.
De onde tirar dinheiro?
Analistas agora debatem quantos investimentos seriam necessários para a Europa garantir a sua segurança diante da Rússia sem apoio substancial dos EUA — e de onde sairia esse dinheiro.
Uma análise do instituto de pesquisa Bruegel, sediado em Bruxelas, e do think tank alemão Instituto Kiel para a Economia Mundial estima que a Europa terá de investir cerca de 250 bilhões de euros por ano (US$ 270 bilhões ou R$ 1,5 trilhão) para fazer frente à força militar russa.
Segundo um relatório dos dois institutos, a Europa precisaria de mais 300 mil soldados e milhares de blindados e outros equipamentos bélicos.
“Para isso, seriam necessários pelo menos 1,4 mil novos tanques de batalha e 2 mil veículos de combate de infantaria, o que excederia os estoques atuais de todas as forças terrestres alemãs, francesas, italianas e britânicas. Além disso, a Europa teria que produzir cerca de 2 mil drones de longo alcance todos os anos.”
Para Guntram Wolff, coautor da análise e pesquisador do Instituto Kiel, em termos econômicos, custos adicionais equivalem a cerca de 1,5% do produto interno bruto da União Europeia — o que para ele é um custo administrável para os europeus.
“Isso é muito menos do que teve que ser mobilizado para superar a crise durante a pandemia de Covid, por exemplo”, diz Wolff.
O maior desafio dos políticos do Reino Unido, França e Alemanha tem sido reerguer essas economias em crise.
O relatório do Instituto Kiel defende que o aumento do gasto militar da Europa seja financiado com aumento da dívida — e não com cortes orçamentários.
“Um novo conjunto de dados e análise do Instituto Kiel mostra que os acúmulos militares dos últimos 150 anos foram tipicamente financiados por déficits, bem como impostos, mas não por cortes orçamentários”, afirma a entidade.
“A segurança da Europa não deve ser colocada em risco por causa de regras fiscais como o freio da dívida, caso contrário, o grave erro da política britânica de austeridade e apaziguamento da década de 1930 pode ser repetido. A Alemanha e a Europa devem investir rápida e suficientemente em defesa para deter novos ataques russos desde o início.”
A União Europeia já agiu nesta direção com seu pacote de gastos de 150 bilhões de euros em segurança.
“Estamos vivendo no mais importante e perigoso dos tempos”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Estamos em uma era de rearmamento. E a Europa está pronta para aumentar maciçamente seus gastos com defesa.”