A indústria cinematográfica sempre flertou com a ideia de futuros alternativos, mas poucos filmes ousaram apresentar um passado que nunca existiu. “The Electric State”, dirigido pelos irmãos Anthony e Joe Russo, transforma os anos 1990 em um retrato distorcido do que poderia ter sido: um mundo onde robôs convivem com humanos, até que uma rebelião os coloca à margem da sociedade, banidos para uma gigantesca zona de exclusão. A trama, baseada na graphic novel de Simon Stålenhag, acompanha uma adolescente órfã, Michelle (Millie Bobby Brown), que atravessa um país em colapso ao lado de seu robô-companheiro, em busca do irmão desaparecido. Mas, mais do que uma simples história de resgate, o filme se lança na interseção entre nostalgia, inteligência artificial e os impactos das big techs, transformando uma distopia contemplativa em uma aventura de ação grandiosa e repleta de efeitos visuais de tirar o fôlego.
Se há algo que distingue “The Electric State”, é sua estética. Diferente da abordagem contemplativa de “Tales from the Loop”, outra adaptação de Stålenhag, os irmãos Russo optam por uma narrativa visualmente exuberante, inspirada no cinema de aventura dos anos 1990. O resultado é um paradoxo curioso: um filme que quer parecer antigo, mas que só poderia ter sido feito hoje. Os efeitos visuais recriam com fidelidade as paisagens decadentes do livro, com outdoors abandonados, estradas sem fim e robôs monumentais reduzidos a meros resíduos do progresso. Mas, enquanto o visual transmite essa sensação de melancolia e grandiosidade, a estrutura narrativa segue um ritmo acelerado, recheado de cenas de ação frenéticas e diálogos ágeis, muitas vezes beirando o tom de uma comédia de blockbuster moderno.
O elenco reflete essa mistura entre referências nostálgicas e uma tentativa de reinvenção do gênero. Chris Pratt, no papel do contrabandista Keats, assume um arquétipo clássico do cinema de aventura, ecoando personagens como Han Solo e Indiana Jones, mas sem a mesma profundidade. Seu carisma funciona, mas não há nada de novo em sua interpretação. Stanley Tucci, por outro lado, entrega um vilão magnético, um bilionário da tecnologia que parece um híbrido entre Jeff Bezos e Ed Harris em “O Show de Truman”, funcionando como o retrato da face sombria da inovação. Enquanto isso, Millie Bobby Brown segura a trama com uma atuação convincente, embora sua química com Pratt seja menos cativante do que suas interações com os personagens digitais.
Mas o grande debate que emerge de “The Electric State” está em sua exploração do impacto da inteligência artificial. O filme sugere um futuro em que máquinas não apenas coexistem com humanos, mas começam a reivindicar seus direitos. Essa premissa, apesar de servir como pano de fundo para a ação, reflete discussões reais sobre o avanço da IA e seus desafios éticos. O que acontece quando os robôs deixam de ser meras ferramentas e passam a se tornar agentes políticos? Essa questão poderia ter sido explorada com maior profundidade, mas acaba sendo secundária diante do espetáculo visual e das sequências de perseguição eletrizantes.
A trilha sonora de Alan Silvestri complementa essa mistura de passado e futuro, culminando em uma versão de “Wonderwall”, do Oasis, tocada em harpa e piano — um detalhe que encapsula perfeitamente a intenção do filme de criar uma realidade que nunca existiu, mas que parece estranhamente familiar. Essa tentativa de recriar uma era que nunca foi vivida é um dos aspectos mais intrigantes do longa: ele brinca com a memória cultural de um período que, no fundo, só existe na imaginação coletiva.
Se “The Electric State” tenta resgatar a grandiosidade do cinema de aventura, ele também expõe as contradições do cinema contemporâneo. Ele quer ser um tributo ao passado, mas não escapa das fórmulas que os próprios irmãos Russo ajudaram a consolidar na última década. O excesso de ação e a busca incessante por dinamismo acabam diluindo momentos que poderiam ser mais reflexivos, tornando o filme mais um espetáculo visual do que uma exploração profunda do seu próprio universo.
Ainda assim, há algo fascinante na forma como o filme se desenrola. Diferente de tantas produções previsíveis, ele consegue manter o espectador envolvido, justamente porque não entrega um caminho óbvio. Em uma indústria onde a maior parte das narrativas é moldada por algoritmos e testes de audiência, um filme que se arrisca a criar um mundo próprio — mesmo que imperfeito — já representa um respiro de originalidade.
E talvez esse seja o verdadeiro legado de “The Electric State”: uma lembrança de que o cinema ainda pode brincar com suas próprias regras, subvertendo expectativas e reinventando seu próprio passado. O futuro da ficção científica pode não estar em prever o que está por vir, mas em reimaginar o que poderia ter sido.
Filme:
The Electric State
Diretor:
Anthony e Joe Russo
Ano:
2025
Gênero:
Aventura/Ficção Científica
Avaliação:
9/10
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Marcelo Costa
★★★★★★★★★★