Nas últimas semanas, o mercado financeiro global tem sido sacudido por movimentos incomuns na curva de juros dos títulos do Tesouro americano, especialmente nos prazos mais longos.
Segundo Gabriel Fauth, Trader de Futuros, parte dessa volatilidade está ligada ao colapso de posições alavancadas no mercado de swaps de títulos e à política comercial agressiva de Donald Trump, que elevou tarifas contra a China e outros parceiros comerciais.
“A combinação de alta alavancagem e incertezas geopolíticas aumentou a percepção de risco de longo prazo dos EUA”, explica Alcântara.
Isso fez os yields dos títulos de 30 anos retornarem aos níveis registrados durante o pico inflacionário de 2022, quando o Federal Reserve elevou os juros para conter a escalada dos preços.
Comparativo T10 e T30 – Imagem: TradingView
Este cenário levantou especulações nas redes sociais de um possível ‘colapso’ nos títulos americanos, com uma liquidação de papéis americanos pela China, que poderia afetar a credibilidade das bonds e, consequentemente, afetar a liquidez da Tether, que tem o lastro do USDT atrelado em sua maioria a títulos americanos.
Isso, como consequência, poderia criar um problema na liquidez do USDT, maior par de trade de Bitcoin do mundo, poderia levar o preço do Bitcoin para uma queda massiva, muito maior do que o colapso do UST, do antigo ecossistema Terra (LUNA).
Gabriel explica que títulos de dívida com prazos longos são mais sensíveis a choques. Investidores que compram esses papéis apostam na estabilidade econômica e política dos EUA por três décadas — um horizonte repleto de incertezas.
“O horizonte de 30 anos é um convite à volatilidade. Basta uma mudança n1a política monetária, recessão ou crise geopolítica para os preços caírem”, alerta o analista.
Já os títulos de 10 anos, embora não isentos de risco, oferecem maior previsibilidade. O conceito de duration — tempo médio para recuperação via cupons — é essencial para entender a dinâmica dos títulos.
Títulos de 30 anos têm duration de cerca de 16 anos. Os de 10 anos, entre 7 e 8 anos. Isso significa que boa parte do retorno já é capturado antes do vencimento, reduzindo riscos de inadimplência.
“Quem detém papéis longos, como a Tether, ainda não realizou boa parte dos fluxos projetados”, observa Fauth.
Tether realmente está em Risco?
A Tether, emissora do USDT, maior stablecoin do mundo, tornou-se uma das maiores detentoras institucionais de Treasuries, com posição estimada em US$ 90 bilhões. Críticos apontam que, em caso de colapso no mercado de títulos, a empresa poderia ser forçada a vender com deságio, ameaçando o lastro 1:1 e criando uma crise de confiança que derrubaria o Bitcoin para US$ 10 mil.
Fauth, porém, descarta o cenário:
“Seria preciso uma corrida bancária massiva. Mesmo assim, a Tether tem liquidez de curto prazo e os títulos ainda geram fluxo de caixa.”
Segundo o analista, a hipótese de colapso é exagerada. Ele cita dois motivos principais:
- Interesses Estrangeiros — Japão e China detêm quase US$ 2 trilhões em Treasuries. “Esses países não vão queimar reservas por retaliação. Seria um tiro no próprio pé.”
- Capacidade do Fed — Durante a crise do SVB, o Fed injetou US$ 500 bilhões. “O Fed ainda tem US$ 6,7 trilhões em balanço. Há margem para agir.”
Recessão nos EUA: Um Paradoxo a Favor dos Títulos Longos
Se a economia dos EUA desacelerar, o Fed tende a cortar os juros. Nesse caso, títulos comprados a taxas mais altas se valorizam. “A Tether, com Treasuries rendendo 4,5%, pode lucrar no secundário em cenário de recessão”, comenta o analista.
O fluxo global favoreceu o dólar nos últimos anos, mas há sinais de reversão:
- Euro, Iene e Franco Suíço se valorizam com retorno de capitais à Europa e Ásia.
- O índice DXY se aproxima de 100 pontos, indicando enfraquecimento técnico.
“Apesar da correção, o dólar segue como âncora do sistema monetário global”, diz Fauth.
Comparativo moedas – Imagem: TradingView
O analista encerra com um recado direto:
“A ligação entre títulos, Tether e queda do Bitcoin é frágil. O USDT tem lastro, o Tesouro americano é sólido, e o Bitcoin, atualmente, responde mais a ETFs e adoção institucional.”
Enquanto a guerra comercial entre EUA e China segue como pano de fundo, o verdadeiro risco, segundo ele, viria de choques imprevisíveis como guerras ou crises bancárias em cadeia.
“Até lá, falar em Bitcoin a US$ 10 mil é mais um conto de terror do que análise séria.”
Comparativo BTC e Treasury 10A – Imagem: TradingView