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quinta-feira, abril 24, 2025

O café está caro — a crise climática bate à nossa mesa

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Foi-se o tempo em que os efeitos das mudanças climáticas eram vistos como previsões de longo prazo, algo distante no tempo e no espaço. A crise climática já se manifesta com força no nosso cotidiano — e talvez em nenhum lugar isso fique tão evidente quanto no preço da comida. O café, produto símbolo do Brasil, já dá sinais claros de que o clima não está mais jogando a nosso favor. A seca histórica que atingiu o país, a pior em sete décadas, devastou lavouras e fez o preço do grão disparar. Mas o que vemos no café é apenas o começo: outros alimentos também vão subir. E isso tem tudo a ver com o aquecimento global.

As condições climáticas extremas — chuvas em excesso, secas prolongadas, calor fora de época — já impactam culturas como arroz, milho, feijão, cacau e banana. Mesmo plantas historicamente adaptadas ao clima tropical estão sofrendo.

Um estudo recente da Embrapa estima que o Brasil pode perder até R$ 7 bilhões por ano em produtividade agrícola até 2030 por fatores ligados à crise climática.

Isso explica, de forma objetiva, por que as mudanças no clima deixaram de ser só uma pauta ambientalista e passaram a ser um problema direto da economia — e do nosso bolso. Além da inflação, a instabilidade climática afeta investimentos, seguros agrícolas e o PIB do agronegócio — que representa mais de 20% do PIB brasileiro.

Os impactos climáticos no campo recentemente também foram agravados pelo fenômeno El Niño, que ocorreu entre 2023 e 2024, intensificando e ampliando a seca em várias regiões brasileiras, o que impactou plantações de café, milho e pastagens. Com o aumento ainda contínuo de gases de efeito estufa, a tendência é que as condições sazonais de aumento da temperatura da atmosfera imposta pelo El Niño se torne o “novo normal”.

Essa realidade não é exclusividade nossa. A Índia, maior exportadora mundial de arroz, suspendeu suas exportações em 2023 após um ciclo de monções mais intenso do que o esperado, medida que causou escassez global e aumento de preços em dezenas de países. Diante das evidências, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e o Banco Mundial estão entre as instituições que já alertaram que as alterações nos padrões climáticos são hoje um dos principais motores da inflação de alimentos no mundo e principalmente em países em desenvolvimento.

Em 2023, por exemplo, a inflação de alimentos superou os 10% em diversos países da América Latina e África. O clima, portanto, é hoje um fator macroeconômico. Ele influencia o preço do alimento, o custo da energia, os índices de inflação e o desempenho do setor agroexportador. Ignorá-lo é um erro estratégico.

No Brasil, os impactos disso tudo são sentidos com ainda mais força pelos mais vulneráveis. Em 2022, mais de 30% da população brasileira vivia em insegurança alimentar moderada ou grave. O aumento do preço dos alimentos básicos impõe uma escolha cruel: ou se come menos, ou se come pior. Isso significa que enfrentar as mudanças climáticas é também enfrentar a fome, e proteger o direito básico à alimentação.

Mas ainda há caminhos possíveis. Tornar a agricultura mais preparada para os extremos do clima, valorizar a produção familiar, cuidar dos ecossistemas que garantem o equilíbrio hídrico e climático e assegurar políticas públicas voltadas aos pequenos produtores são ações urgentes — e que têm efeito direto na comida no prato e no preço final pago por ela. Tratar clima e economia como temas separados é um erro que já não podemos cometer.

A crise climática está fazendo a comida faltar ou encarecer. Ela afeta o poder de compra, o emprego no campo, o planejamento de safras, a arrecadação dos estados e até as decisões de política monetária. Fingir que não há conexão entre a pauta ambiental e a economia é um luxo que já não podemos nos permitir. O café subiu — e não foi só ele. Se a crise climática ainda não parecia urgente, talvez agora, quando ela começa a nos afetar pela ponta do garfo, nos copos e nas xícaras, fique mais difícil negar. E que essa evidência sirva também para cobrar ação firme dos tomadores de decisão — porque garantir comida no prato é, cada vez mais, também uma política climática.

  • André Castro Santos é diretor técnico na Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (LACLIMA). Advogado e geógrafo, ele é membro do Conselho Consultivo Acadêmico da Youth Climate Leaders (YCL). Mestre em Direito Ambiental pela USP e doutorando em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Lisboa e em direito ambiental pela USP.

(*) Disclaimer: Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

[Fonte Original]

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