“Sawasdee ka” e “khob khun ka” são “olá” e “obrigado” em tailandês — e quem assistiu, nas últimas semanas, à terceira temporada de “The White Lotus”, reconhece esses sons. Uma das séries de maior sucesso da HBO e Max escolheu a Tailândia para instalar a filial de sua rede fictícia de hotéis e não só usou o cenário paradisíaco do país do Sudeste da Ásia como escalou para o elenco sua mais famosa cidadã. Ela é Lalisa Manobal, a Lisa da banda Blackpink, que, inclusive, se apresentou como cantora solo no festival Coachella, na Califórnia, no último dia 11. Em 3 de julho, o país volta ser cenário de uma grande produção americana, desta vez no cinema. “Jurassic World: Recomeço”, com Scarlett Johansson, também foi filmado por lá.
O interesse de Hollywood pela Tailândia faz parte de um esforço de soft power do país, ou seja, de ser internacionalmente um grande influenciador cultural. Mas a ideia não é só dar facilidades fiscais para estrangeiros (o criador de “The White Lotus”, Mike White, queria filmar no Japão, mas foi convencido pelo país por causa de custos), e sim também expandir a produção local. Um dos exemplos é o sucesso de crítica “Como ganhar milhões antes que a avó morra”, que acaba de entrar na Netflix Brasil.
O valor do ‘soft power’
O filme apareceu na lista dos 15 pré-selecionados pela Academia ao Oscar 2025 de melhor filme internacional, feito inédito para a Tailândia. O país — único da região a permitir o casamento de pessoas do mesmo sexo, desde janeiro deste ano — também é um dos principais produtores de séries com temática LGBTQIAP+ no mundo, as chamadas Boys Love (BL) e Girls Love (GL).
Segundo a plataforma de streaming Viki, que tem mais de 150 títulos BL disponíveis para o Brasil, houve um crescimento de 37% no consumo desse tipo de título no Brasil em 2023 em relação ao ano anterior. Em escala global, o crescimento foi de 26% no mesmo período.
—Os principais produtos no contexto de soft power da Tailândia estão no audiovisual e na música, no turismo e na gastronomia — diz Anderson Lopes, doutor em comunicação pela USP e professor na Faculdade de Artes da Universidade Chulalongkorn em Bangcoc, Tailândia. — Um dos setores que mais recebem investimentos é o do audiovisual, com os BL e GL. Essas obras têm atraído muita atenção num contexto global porque, nos últimos anos, talvez tenha sido a primeira vez que o Estado compreendeu que essas narrativas podem causar uma boa imagem do país.
Por isso, tem pipocado cada vez mais por essas bandas eventos de encontros de fãs com os atores das séries. Aqui no Brasil, em fevereiro, houve uma enorme reunião promovida pelo Ministério das Relações Exteriores da Tailândia em São Paulo, chamada “Olá BL&GL Thailand in Brazil”, que trouxe astros das séries “4 Minutes” e “Buy my boss”. No dia 18 de maio, está programada a vinda de mais atores a São Paulo: Yin Anan e War Wanara, do BL “Jack & Joker”. Os preços dos ingressos vão de R$ 200 a R$ 700.
— Esse momento de expansão vem na esteira de outras produções asiáticas que já eram consumidas por pessoas da América Latina, como é o caso das séries sul-coreanas ou dos animes japoneses —diz Anderson.
Foi exatamente o que aconteceu com o estudante de Boa Vista (RR) Mateus Tavares, de 20 anos, que era fã de k-dramas e hoje dedica a maior parte do tempo aos BLs tailandeses. É, inclusive, administrador do perfil no X @BocArtistsBR, com mais de 30 mil seguidores, sobre as novidades da produtora “Be on cloud”, criadora de “Kinnporsche The Series”. Exibido em 2022, esse BL é um dos mais bem-sucedidos no mercado internacional e hoje pode ser visto no Brasil na plataforma de streaming iQIYI.
— Antigamente, a conta era só Kinnporsche Brasil, mas, depois que a série terminou, decidi focar em todas as outras que a produtora faz — diz o jovem.
Mateus não consegue acompanhar muito a cena musical da Tailândia, outro produto forte de exportação. Jeff Satur é um dos nomes mais relevantes na América Latina, inclusive vem a São Paulo no dia 6 de julho, com show da turnê mundial Red Giant, que passa também pelo México e Chile. Ele é um dos grandes expoentes do chamado T-pop, em clara alusão ao K-pop da Coreia do Sul, já que ambos utilizam estrelas (os chamados idols) altamente treinadas em canto e dança, com figurinos e performances elaboradas.
Mas especialistas rechaçam comparações entre a Hallyu ou K-wave (a chamada onda coreana) ao que se passa na Tailândia. Eles denominam o que acontece agora de T-wind, ou brisa tailandesa, porque ainda é muito cedo para medir os efeitos do que acontece por lá. No Index Global de Soft Power 2025, elaborado pela consultoria Brand Finance com 193 países, a Tailândia aparece na 39º posição. Só para comparar, a Coreia do Sul está em 12º, e o Brasil, em 31ª. Lideram Estados Unidos, país seguido de China e Inglaterra.
—A Tailândia está se movendo lentamente na direção da Coreia do Sul, e esse ritmo é ditado principalmente pelos danos autoimpostos à sua reputação nacional — explica Mark S. Cogan, professor de Estudos de Paz e Conflito na Universidade Kansai Gaidai, em Osaka, no Japão, ao GLOBO.

Apesar de o governo do país, sob o comando da primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra, ter estabelecido um comitê de incentivo aos chamados 5Fs (food, film, festival, fight and fashion; ou seja, comida, audiovisual, festivais, luta, como o muay thai, e moda, principalmente por causa da seda), Petra Alderman, pesquisadora da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, lista a instabilidade política como um dos principais desafios enfrentados pelo país para firmar sua imagem internacional.
—Desde o início deste milênio, ele passou por dois golpes militares e vários ciclos de grandes protestos de rua — diz Alderman, ao GLOBO. — Além disso, a Tailândia também enfrenta sérios problemas relacionados à liberdade de expressão e a um histórico controverso de direitos humanos.
Segundo a ONG Freedom House, que monitora o grau de liberdade política e civil em 208 países do mundo, este representante do Sudeste Asiático é hoje “não livre”.
—Oficialmente, estamos de volta ao processo democrático, mas a instabilidade política faz parte da história da Tailândia, seja pela tomada de poder pelos militares, ou pela forma como os três poderes nem sempre dialogam de forma harmoniosa — reflete Anderson. — Mas todas essas obras reforçam um lado utópico, bonito, como é parte de qualquer estratégia de soft power. O desafio é: como a Tailândia vai continuar produzindo cultura sem necessariamente mencionar seu passado e recente presente?