É de praxe a Marvel e a DC fazerem quadrinhos de acompanhamento para lançamentos cinematográficos ou televisivos, naquele interesse monetário maroto. A bola da vez é a animação Seu Amigão da Vizinhança Homem-Aranha, uma produção charmosa sobre uma versão alternativa do teioso, na linha de What If…?, mas com uma narrativa extensa e, quem sabe, até uma participação futura nos cinemas, ainda mais agora que o UCM tem explorado com afinco o multiverso, incluindo o retorno de intérpretes dos X-Men da Fox no vindouro Vingadores: Doomsday, vulgo “festa de fan-service e referências com elenco inchado e história superficial”. Divago, porém. Aqui não é lugar para comentários ácidos, porque Seu Amigão da Vizinhança Homem-Aranha é uma produção longe de ser cínica, apesar de ser bastante nostálgica e desenhada para ideias mercadológicas, principalmente para quem está começando a conhecer o cânone do miranha desde a apresentação da versão do Tom Holland em Capitão América: Guerra Civil.
Repetindo um pouco do que falei nas críticas dos episódios semanais, a nova animação do Homem-Aranha é basicamente uma reintrodução das origens do herói dos quadrinhos, mais especificamente de Amazing Fantasy #15 e em sua primeira série de O Espetacular Homem-Aranha, com misturas ao longo da narrativa de elementos do UCM e algumas ideias novas, que dão um tom de familiaridade mesclada com novidade. No entanto, a animação só mostra suas melhores características mais para a reta final da temporada de estreia, com o início se assumindo como algo introdutório, padrão e bem genérico para uma trama do teioso. Infelizmente, é nesse recorte inicial que a presente HQ se passa, preenchendo a lacuna do salto temporal entre a picada da aranha em Amazing Fantasy e a aparição do Peter Parker já utilizando o traje juvenil do cabeça-de-teia.
O roteiro de Christos Gage nas cinco edições do prelúdio é bem em linha com a abordagem da animação, apresentando um estilo de história teen, com elementos escolares e encaminhamentos dramáticos de coming-of-age, usando e abusando de clichês de histórias dessa ordem (valentões, diferença de classes, traumas adolescentes e conflitos de amadurecimento), mas, claro, no contexto super-heroico do Homem-Aranha. A arte de Eric Gapstur e as cores de Jim Campbell também seguem a toada da animação, com um estilo visual de traços simples e infantis, bem como uma diagramação que relembra quadros de histórias clássicas, sempre bem objetivos e com foco na ação – o diferencial seria a quantidade de diálogos bem maior do que eram antes. Como estamos nos quadrinhos, a arte é até mais natural do que no desenho, apesar de não trazer nada de especial, carregando a característica ordinária da história.
Considerando que o espaço da narrativa é relativamente curto, Gage não inventa muita coisa, apresentando uma trama que é, em miúdos, uma série de situações que explicam como o Homem-Aranha fez sua teia, como fez seu uniforme, como aprendeu a usar seus poderes, como foi sua primeira luta e assim sucessivamente, num pacotão de situações recicladas para um novo grupo de leitores. Temas sobre responsabilidade e sacrifício estão em cena, como típico de uma história do personagem, incluindo acenos a diversos momentos do cânone do herói, como sua parada em uma luta clandestina, a recusa em usar seus poderes em esportes e o peso da morte do tio Ben. O texto também busca dar estofo para alguns relacionamentos da animação, em especial com Nico Minoru, que tem participação extensa no prelúdio, mas principalmente sobre a adequação do Peter na nova escola, que é o ambiente principal da HQ.
Para não fazer algo completamente sem conflito, Gage insere ali um chefe da máfia e alguns capangas genéricos, apenas para servirem de tutorial. Com exceção de um tom bem-humorado nas peripécias de Peter e Nico, pouco aqui chama a atenção em termos dramáticos ou narrativos, valendo, também, dar um destaque leve para algumas cenas de ação divertidinhas. É difícil não se irritar com o tom convencional e caça-níquel do quadrinho, ainda mais para quem tem uma certa bagagem com a mitologia do teioso, mas Gage consegue trazer o mesmo tipo de simpatia, leveza e descompromisso que vemos na animação, só que sem o tempo e a liberdade para amadurecer a narrativa como acontece na série. De maneira geral, o prelúdio é uma jogada corporativa para ganhar alguns trocados a mais, nos dando um produto que serve para explicar contextos desnecessários e que nada mais é do que um episódio extra descartável da animação.
Seu Amigão da Vizinhança Homem-Aranha (Your Friendly Neighborhood Spider-Man) — EUA, dezembro de 2024 a abril de 2025
Contendo: Seu Amigão da Vizinhança Homem-Aranha (2024) – #1 a 5
Roteiro: Christos Gage
Arte: Eric Gapstur
Cores: Jim Campbell
Letras: Joe Caramagna
Editoria: Jordan D. White, Emerald Bensadoun, C. B. Cebulski
Editora: Marvel Comics
108 páginas