Depois de quatro minisséries – Duke, Cobra Commander, Scarlett e Destro – G.I. Joe, o título principal do lado humano do Universo Energon começou a ser lançado, com o primeiro arco terminando depois que nada menos do que dois arcos do título inédito da franquia e três arcos do título principal do lado robótico foram completados. No entanto, percebe-se que houve um claro planejamento para que a convergência das histórias introdutórias das minisséries citadas e a mitologia dos Transformers servissem de sementes para que a formação inicial dos Joes germinasse imediatamente, sem perder tempo, sem envolver-se em mais explicações do que as estritamente necessárias para fazer tudo funcionar a contento nesse reinício, que conta com o retorno da equipe criativa completa responsável pela primeira minissérie, com o roteirista, Joshua Williamson, também tendo escrito a segunda.
Apesar de, lá no fundo, eu preferir que Transformers e G.I. Joe fossem títulos completamente separados, em universos independentes, o projeto de Robert Kirkman para as duas propriedades da Hasbro sempre foi o de uni-las, pelo que desde o começo eu sabia muito bem em que estava me metendo ao mergulhar nessas histórias e confesso que, até agora, tenho ficado surpreso pela qualidade geral apresentada. Void Rivals, de Kirkman, pode não ter me encantado, mas Transformers, comandado por Daniel Warren Johnson, tem sido um deleite, algo que é de certa forma replicado no arco inaugural de G.I. Joe, com Williamson imprimindo um ritmo forte, mas segurando-se no uso de Joes e mantendo a primeira equipe ainda consideravelmente diminuta, apenas com o corajoso Rock ‘N’ Roll, o experiente Stalker, a prática Cover Girl, o safo Clutch e a surpreendente Baronesa sob comando do raivoso Duke, todos debaixo da supervisão do General Hawk.
O roteiro constrói em cima do que foi visto na minissérie focada em Duke, com o personagem não só liderando a equipe, mas também mantendo-se firme em sua missão de vingança contra o robõ gigante que matou seu amigo piloto e trabalhando muito bem a oposição representada pela criação da organização Cobra, pelo Cobra Commander com a ajuda bélica da M.A.R.S. Industries de Destro, conforme também abordado nas respectivas minisséries. No entanto, nesse início, não há o uso de material da minissérie protagonizada por Scarlett, até porque a missão de infiltração dela sob supervisão de Stalker não só é distante, como consideravelmente isolado, pelo momento, do conflito central. E esse conflito começa com a primeira missão dos Joes, ainda não formando uma equipe coesa e fluida, que é a de proteger um fragmento recolhido do pedaço de Cybetron que ficou na Terra, pedaço esse cobiçado pelo Cobra Commander que imediatamente tenta obtê-lo, gerando uma pancadaria pesada, com resultado trágico para os Joes.
Esse primeiro combate leva à narrativa maior que se segue e que revela a existência da organização Cobra para os Joes de maneira mais aberta, definindo, ainda que não de maneira totalmente clara, todas as peças do tabuleiro. A forma como Williamson rege essa orquestra é exemplar, usando texto expositivo de maneira esperta, sem cansar o leitor e não só apresentando em novo contexto diversos vilões vistos anteriormente nas minisséries – os gêmeos Tomax e Xamot, Mercer (originalmente um Joe, mas que, aqui, é subserviente a Destro e servindo quase que como espelho para a Baronesa que, claro, é uma Joe na nova série), Camaleoa e Ripper, dos Dreadnoks, além, claro, de todos os grupos de soldados inimigos, incluindo os Crimson Guards e as Valquírias, como introduzindo dois elementos completamente novos, um personagem e uma linha narrativa.
O personagem é Risk, um agente recrutado por Hawk para integrar a equipe dos Joes sem ele sequer se dignar a avisar Duke. Risk é apresentado como um almofadinha rico que é um analista de riscos que trabalha em campo e cujo uniforme é um terno completo, com uma atitude que combina com sua postura e figurino, ou seja, pura empáfia, logo estabelecendo conflito com Duke, lógico. Não é um personagem que ganha desenvolvimento nesse primeiro arco e ele só existe mesmo para criar essa tensão na liderança da equipe, de certa forma paralelizando a tensão que existe entre Cobra Commander e Destro do outro lado, mas a grande verdade é que ele promete mistérios, servindo como uma maneira de trabalhar elementos inéditos na mitologia dos Joes sem afetar fãs de longa data que vão se ouriçar caso haja alterações profundas em personagens já conhecidos.
A linha narrativa nova, por outro lado, refere-se a um cientista e sua criação, uma cadeira que pode mexer com a mente das pessoas, apagando-as ou controlando-as, que, por razões misteriosas, mas que obviamente se conectam com o que o Cobra Commander sabe dos Transformers, especialmente de Megatron. Impedir que Cobra sequestre o cientista e roube a cadeira é a segunda missão dos Joes e é ela que toma a maior parte do arco, sem deixar a ação esmorecer por um segundo sequer. Há até espaço para o leitor ser (re)lembrado da misteriosa origem do Cobra Commander lá em Cobra-La (viram o que fiz aqui?) e todo o seu jogo duplo e triplo que mantém até mesmo Destro no escuro.
A conexão dos Transformers com os Joes é bem maior do que a dos Joes com os Transformers nesse ano e pouco do início do Universo Energon. Enquanto os robôs existem apesar dos Joes, os Joes (e Cobra) só existem em função dos robôs, o que em um primeiro momento parece criar um desequilíbrio narrativo. Mas, apesar de minhas reticências sobre essa junção de universos (não é a primeira vez que acontece, eu sei, mas, aqui, a proposta é mais ampla do que já feito anteriormente), confesso que não me incomodei muito com isso nesse primeiro arco de G.I. Joe, apreciando até mesmo o uso do quase onipresente Energon como uma forma de criar “armas laser” para a organização Cobra que, não muito de soslaio, referencia o uso delas na animação original de G.I. Joe, algo que mesmo quando criança nunca entendi a razão, só descobrindo depois de adulto que foi por uma questão de censura em uma obra feita para crianças. A diferença é que Williamson faz questão absoluta de mostrar de maneira bastante gráfica até que esses lasers realmente são mortais, o que ajuda a espanar aquela impressão ruim da animação.
Falando nisso, a arte de Tom Reilly, com as cores de Jordie Bellaire, faz algo muito interessante, mas que demorei a me acostumar: um leve efeito estereoscópico que, por incrível que pareça, se assemelha ao do logotipo aqui do site. Mas não me interpretem mal, pois eu gostei do resultado, já que ele oferece algo de diferente e refrescante na abordagem, com direito a uso de páginas duplas e um espertíssimo trabalho de manipulação dos quadros para manter o leitor constantemente engajado na progressão narrativa. As sequências de ação são repletas de energia, com Reilly trabalhando com muito zelo nas expressões faciais, especialmente as de Duke e de Stalker, dois personagens com personalidades e modos de agir bastante diferentes.
O primeiro arco de G.I. Joe faz ótimo uso de toda a construção narrativa do Universo Energon até agora para apresentar a primeira formação de uma equipe ainda tentando encontrar unicidade. Se Williamson continuar nesse ritmo, sem se afobar com a quase irresistível vontade de adicionar mais personagens a cada edição, ele construirá bases sólidas para que essa nova versão da mitologia dos Joes seja tão longeva quanto a original. É, sem dúvida, uma tarefa árdua, mas Cobra Ataca! definitivamente começou da maneira certa.
G.I. Joe – Vol. 1: Cobra Ataca! (G.I. Joe – Vol. 1: The Cobra Strikes! – EUA, 2024/25)
Contendo: G.I. Joe (2024) #1 a 6
Roteiro: Joshua Williamson
Arte: Tom Reilly
Cores: Jordie Bellaire
Letras: Rus Wooton
Editoria: Ben Abernathy
Editora: Skybound (Image Comics)
Datas originais de publicação: 13 de novembro e 18 de dezembro de 2024; 15 de janeiro, 19 de fevereiro, 19 de março e 23 de abril de 2025
Páginas: 160