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- Author, Ángel Bermúdez
- Role, Da BBC News Mundo
“Nos últimos 35 anos, nossa nação tem sido cada vez mais afetada pela imigração ilegal. Esta legislação representa um passo importante para enfrentar esse desafio à nossa soberania. Ao mesmo tempo, preserva e enriquece o legado nacional de imigração legal. Estou satisfeito em sancionar esta lei.”
Com essas palavras, pronunciadas em 6 de novembro de 1986, o presidente Ronald Reagan assinou a Lei de Reforma e Controle da Imigração (IRCA, na sigla em inglês), que tornou possível a última anistia concedida a imigrantes sem documentos aprovada nos Estados Unidos.
A norma abriu caminho para que cerca de 3 milhões de imigrantes indocumentados — cerca de 60% do total estimado na época — fossem plenamente incorporados à vida do país e, inclusive, pudessem eventualmente obter a cidadania norte-americana.
Desde então, nenhuma reforma migratória de grande alcance foi aprovada nos EUA, apesar de várias tentativas.
Graças à sua “revolução conservadora”, que transformou a política e a sociedade do país, Reagan é provavelmente o presidente republicano mais icônico das últimas décadas. Por que, então, decidiu apoiar uma lei que concedia anistia a milhões de pessoas em situação irregular?
Uma anistia e um freio
“Reagan, após ter sido governador da Califórnia, compreendeu que a mão de obra mexicana era um elemento fundamental para a prosperidade econômica dos Estados Unidos e que, a longo prazo, o crescimento da imigração indocumentada não era uma estratégia sustentável”, diz Raúl Hinojosa, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que já nos anos 1980 estava envolvido no debate migratório nos EUA — tema de sua tese de doutorado.
A ideia de regularizar os imigrantes indocumentados fazia parte do discurso de Reagan há anos, tendo sido apresentada inclusive durante as primárias republicanas de 1980.
Uma vez na Casa Branca, Reagan deu início a um processo longo e complexo que culminaria em 1986 com a aprovação da lei com o apoio de republicanos e democratas.

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Para viabilizar a reforma, ela foi promovida internamente como uma medida de repressão: reforçaria o controle na fronteira com o México e estabeleceria sanções a empregadores que contratassem trabalhadores indocumentados, ao mesmo tempo que permitiria a “legalização” — palavra escolhida deliberadamente para evitar o termo “anistia” — de uma grande parte dos migrantes que já estavam no país.
“Em 1981, este governo solicitou ao Congresso a aprovação de um pacote legislativo abrangente que incluía sanções a empregadores, outras medidas para reforçar a aplicação das leis de imigração e a legalização.
A lei estabelece esses três componentes essenciais. O programa de sanções a empregadores é a pedra angular e o elemento principal. Eliminará o incentivo à imigração ilegal ao suprimir as oportunidades de emprego que atraem imigrantes indocumentados”, afirmou Reagan ao promulgar a lei.
Melhorar a vida dos migrantes e integrá-los ao país

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Além de resolver um problema que afetava a soberania e a segurança nacional, Reagan queria garantir um tratamento justo aos migrantes e integrá-los plenamente, honrando o longo histórico dos EUA como nação de acolhida.
“Isso fazia parte da essência de Ronald Reagan, de sua compreensão dos Estados Unidos, como um país fundamentalmente aberto àqueles que desejam se juntar a nós”, comentou Peter Robinson, que foi redator de discursos do ex-presidente, em entrevista à rádio NPR em 2010.
Esse objetivo também ficou claro no discurso de Reagan ao sancionar a lei:
“Temos apoiado constantemente um programa de legalização generoso com os estrangeiros e justo com as milhares de pessoas em todo o mundo que buscam vir legalmente aos Estados Unidos. As disposições de legalização desta lei contribuirão significativamente para melhorar a vida de um grupo de pessoas que hoje vive nas sombras, sem acesso a muitos dos benefícios de uma sociedade livre e aberta. Muito em breve, muitos desses homens e mulheres poderão sair da escuridão e, finalmente, se assim desejarem, poderão se tornar cidadãos norte-americanos.”
A lei criou dois programas de regularização: um para qualquer pessoa que estivesse vivendo no país antes de 1º de janeiro de 1982; e outro específico para trabalhadores rurais, destinado a quem tivesse trabalhado em fazendas nos EUA por pelo menos 90 dias entre 1º de maio de 1985 e 1º de maio de 1986.
Estima-se que 1,7 milhão de pessoas se inscreveram no primeiro programa e 1,3 milhão no segundo.
A regularização teve um impacto direto na vida dos migrantes.
“Foi realizada uma pesquisa importante, tanto com trabalhadores rurais quanto não rurais, e basicamente se constatou que, em um período muito curto — aproximadamente dois anos — os trabalhadores regularizados viram seus salários aumentarem entre 15% e 17%. Antes disso, seus rendimentos haviam permanecido estagnados por dez anos”, afirma Hinojosa à BBC Mundo.
Impacto na economia

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Hinojosa atribui essa melhora a diversos fatores, começando pelo fato de que, uma vez regularizados, os trabalhadores puderam buscar empregos melhores.
Ele explica que muitos passaram a investir em sua própria formação, o que os colocou em melhor posição no mercado de trabalho.
“Houve um aumento enorme no número de pessoas que, uma vez que sabiam que poderiam permanecer nos EUA, começaram a estudar inglês, o que se traduziu em um aumento significativo dos salários”, diz Hinojosa.
Pesquisas realizadas nos anos seguintes demonstraram a melhoria nas condições de vida dos migrantes após a regularização.
Um estudo mostra, por exemplo, que até 1992 o rendimento por hora desses trabalhadores havia aumentado, em média, 15,1%; no caso das mulheres, o aumento foi de 20,5%.
Naquele mesmo ano, 38,8% dos homens mexicanos que adquiriram status legal haviam migrado para empregos com melhores salários, segundo outro levantamento baseado nos mesmos dados.
Um estudo publicado em 2009 pelo American Immigration Council, um centro de estudos com sede em Washington, apontava diversos indicadores que demonstravam o progresso dos migrantes legalizados pela IRCA.
“Entre 1990 e 2006, o nível educacional dos imigrantes da IRCA aumentou consideravelmente, suas taxas de pobreza caíram drasticamente e os índices de propriedade de imóveis melhoraram notavelmente. Além disso, seus salários reais aumentaram, muitos deles ascenderam a cargos de chefia e a grande maioria não dependia de auxílios públicos”, diz o estudo.
Hinojosa afirma que, embora houvesse quem acreditasse que a legalização prejudicaria a economia norte-americana, o efeito foi o oposto.
“O impacto foi muito positivo na economia, graças ao aumento do consumo derivado da elevação da renda desses trabalhadores. Acompanhamos esses efeitos e, uma década depois da legalização, houve um crescimento na quantidade de pequenos negócios, na compra de imóveis, no envio de filhos à universidade… tudo isso teve um impacto extremamente positivo”, diz.
Hinojosa lembra que alguns especialistas temiam que a legalização prejudicasse especialmente os trabalhadores norte-americanos que competiam por empregos menos qualificados, sobretudo os afro-americanos.
“Não foi o que aconteceu. Na verdade, a legalização criou um boom econômico nas comunidades — pobres, urbanas e rurais — que gerou uma maior demanda por trabalhadores. Com isso, os afro-americanos também acabaram se beneficiando nas regiões onde os migrantes regularizados estavam presentes”, afirma.
Em um artigo publicado em 2014 pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, Hinojosa explicou como a dinâmica da legalização favorece a economia.
“Obter uma autorização de trabalho legal proporciona às pessoas indocumentadas mobilidade laboral, permitindo-lhes encontrar empregos mais compatíveis com suas habilidades e desenvolvê-las, o que mais tarde se traduz em maior poder de compra. Além disso, ao poder mudar de emprego, os trabalhadores podem maximizar sua produtividade e seus rendimentos, o que aumenta seu valor agregado à economia (PIB) e aos impostos pagos”, escreveu.
“O aumento do PIB, da renda e da arrecadação fiscal se traduz na criação de empregos tanto no setor público quanto no privado. Esses resultados econômicos positivos crescem proporcionalmente ao número de pessoas que recebem autorização legal para trabalhar — e quanto mais completa for sua inclusão legal, social e econômica, melhores os resultados”, apontou.
Em que a reforma migratória de Reagan fracassou

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Paradoxalmente, embora a IRCA tenha sido apresentada como uma medida para conter a imigração ilegal, esse objetivo não foi plenamente alcançado.
Apesar de previsões de que a legalização atrairia mais imigrantes indocumentados ao país, isso não se confirmou.
“Foram necessários quase 15 anos, até o fim da década de 1990, para que os EUA voltassem a ter os mesmos níveis de imigrantes indocumentados que havia antes da IRCA”, diz Hinojosa.
E, em 2022, estimava-se que os migrantes indocumentados presentes nos Estados Unidos somavam cerca de 12 milhões — mais que o dobro dos 5 milhões que se acreditava haver em 1986.
Um dos fatores apontados por especialistas como responsável pelo novo aumento no número de indocumentados tem a ver com o fato de que a IRCA focou completamente em fechar as portas para quem não tinha documentos, sem se preocupar em abrir caminhos legais para a migração de que os EUA necessitam.
“A IRCA não previu nem antecipou a contínua e crescente demanda por trabalhadores nos Estados Unidos, especialmente no mercado de trabalho de baixa qualificação. Sem um plano para gerir a imigração legal futura e as necessidades do mercado, a solução de três frentes [sanções a empregadores, reforço da vigilância na fronteira e legalização de indocumentados] para a imigração ilegal desmoronou sob o peso de forças econômicas e demográficas”, explicam os pesquisadores Muzaffar Chishti e Charles Kamasaki em um artigo publicado em 2014 pelo Migration Policy Institute.
Outro elemento que não funcionou foi a aplicação de multas a empregadores que “conscientemente” contratassem trabalhadores sem documentos.
Já em 1990, um relatório do Urban Institute e da Corporação Rand alertava que os baixos níveis de fiscalização das sanções a empregadores, somados à limitada cooperação entre agências governamentais, tornavam essas punições ineficazes. O relatório advertia ainda que os reduzidos esforços para garantir que os empregadores cumprissem a IRCA tornavam possível que eles simplesmente descartassem a possibilidade de serem descobertos e punidos, o que enfraqueceria a lei.
Essa tendência se manteve e, de fato, em 1994, o Escritório de Prestação de Contas do Governo — um órgão do Congresso encarregado de investigar, avaliar e auditar o Executivo — revelou que os recursos financeiros, o pessoal e o número de investigações relacionadas a sanções contra empregadores que violassem a IRCA haviam diminuído desde 1989.
O que crescia, por outro lado, era o volume de recursos destinados ao controle da fronteira e à perseguição de indocumentados.
Mas por que se perseguia os indocumentados e não se sancionavam os empregadores?
“As sanções aos empregadores nunca se concretizaram porque eles são um grupo muito poderoso tanto no Partido Democrata quanto no Republicano”, explica Hinojosa.
Assim, era mais fácil concentrar as ações punitivas nos indocumentados — que não tinham nenhum poder político — do que nos empregadores.
Quase quatro décadas depois, não parece que essa situação tenha mudado.