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segunda-feira, maio 5, 2025

Crítica | Demolidor: Cumprindo a Pena (2021) – Plano Crítico

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Como o título do arco não deixa enganar, Cumprindo a Pena tem como trama central as experiências do Demolidor na cadeia. Certamente o texto mais expositivo da run do Chip Zdarsky até aqui, principalmente em termos de externalizar os sentimentos e preocupações do protagonista, temos um mergulho profundo na psique complicada e cheia de contradições de Matt, que parece confuso e hesitante em várias de suas convicções. Ele está bancando o mártir ou a vítima com seu desejo de ser preso? Sua fidelidade cega à lei é determinação ou apenas ingenuidade de não entender a corrupção do sistema? Entre a fé, o egoísmo e a culpa, o Demolidor se encontra num momento de diversos questionamentos e monólogos internos, algo que o próprio Zdarsky brinca ao ironizar que o personagem está se tornando um poeta ruim.

Seguindo esse encaminhamento dramático, boa parte das interações do arco são de confrontamento com os ideais do protagonista. Claro que Kirsten e Foggy estão ali para gritarem e apontarem dedos, mas é na participação de pessoas que fazem parte do sistema (muitos deles negros, em um toque perspicaz do autor) que o roteiro realça algumas discussões, dando um caráter de sessão de terapia para Cumprindo a Pena, que não apenas dá palco para o senso de justiça de Matt, como também pega ele em alguns pensamentos equivocados com um belo choque de realidade (sua vontade de ser tratado igualmente em um sistema desigual, do qual ele tem privilégios por ser herói, é o melhor soco no ego julgador do personagem). Mesmo o texto pesado em diálogos cansando em determinados momentos, principalmente pela forma como Matt se torna insuportável – mas nunca descaracterizado – em algumas discussões, é uma abordagem apropriada para o ambiente e estado que ele se encontra.

Interessante como Zdarsky consegue filtrar os tie-ins de Rei das Trevas aqui, utilizando a megasaga cósmica dos simbiontes para injetar ação no arco e para fazer uma alegoria dos conflitos internos de Matt quando uma das criaturas toma posse de seu corpo. É perceptível que a invasão da saga atrapalha o andamento da trama e tenho certeza que o autor tinha outras ideias em mente para o arco, mas tudo acaba sendo bastante orgânico e, de certa forma, agrega para a visualização do drama do Demolidor, que deixa de ser tão verbal para ganhar contornos simbólicos e, até certo ponto, com metáforas diabólicas sobre tentação que enfatizam tanto as hipocrisias de Matt quanto sua determinação. O restante do arco dele na prisão tem mais alguns perigos, com tentativas de assassinato (mais do que esperados), terminando numa nota ao mesmo tempo melancólica e esperançosa quando o Homem Sem Medo admite não estar bem. Que a terapia continue no meio da penitência.

De maneira paralela ao núcleo da prisão, Zdarsky dá seguimento às diversas linhas narrativas da série, algumas melhores desenvolvidas do que outras. O bloco de Elektra traz muitos dos elementos que eu esperava após a revelação de que ela assumiria, temporariamente, o manto do diabo de Hell’s Kitchen: o conflito entre agir independentemente e seguir as regras do Demolidor; o constante julgamento de Matt pairando sobre suas ações; e o olhar mais frio e calculista da assassina sendo descontruído com a fragilidade e necessidade de indivíduos que precisam de proteção. Não acho que tivemos um trabalho tão profundo com a Elektra quanto com Matt, mas ainda assim é um bom desenvolvimento para a assassina, apesar de não gostar da introdução de Alice, uma nova protegida que é uma adição desnecessária para uma narrativa já estofada de muita coisa acontecendo – inclusive, sua evolução rápida é estranha, com ela treinando e logo depois sendo jogada em campo.

Essa grande quantidade de núcleos de Zdarsky sofre nesse arco, com alguns desdobramentos menos interessantes do que o autor tinha estabelecido antes. Por exemplo, não vemos os bilionários e a trama sobre conflitos de poder que vinha sendo sugerida com o Rei do Crime, sendo que seu arco secundário aqui é resumido ao seu relacionamento cansado com Mary, além de um estranho experimento com o Mercenário (fiquei bem decepcionado com esse lado narrativo). Do lado da guerra de gangues, temos um roteiro mais a contento, com Butch, o filho ilegítimo de Fisk, se mostrando um bom antagonista e um perigo para a família Libris, além do mesmo personificar certos temas sobre exploração social que acho pertinentes dentro das discussões sobre o sistema no arco de Matt. Só não gosto da participação do Mike, que soa deslocado dentro da trama.

Cumprindo a Pena é um arco problemático, talvez mostrando que Zdarsky adicionou mais tramas e personagens do que consegue lidar, aparentemente abandonando alguns caminhos narrativos e apresentando outros não tão interessantes nesse momento (o relacionamento de Mary e Fisk; a apresentação de Alice; a participação de Mike; e o Mercenário lunático a solta), sem falar que pouco tivemos de desenvolvimento sobre A Mão. Felizmente, mesmo entre percalços, o autor segue com um arco pessoal maduro e com substância em torno do Demolidor, que aqui ganha os holofotes no ótimo núcleo da prisão, valendo destacar o arco subsidiário de Elektra e a implosão de Hell’s Kitchen. Todo o restante é bem menos trabalhado, mas veremos o que o último arco dessa fase inicial do Zdarsky promete.

Demolidor: Cumprindo a Pena (Daredevil: Doing Time) — EUA, fevereiro de 2021 a junho de 2021
Contendo: Daredevil – Vol.6 #26 a 30
No Brasil: Demolidor 3ª Série – n°6 (Panini, abril de 2022)
Roteiro: Chip Zdarsky
Arte: Marco Checchetto, Adriano di Benedetto, Mike Hawthorne
Cores: Marcio Menyz
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Devin Lewis, Nick Lowe, C.B. Cebulski, Danny Khazem
Editora: Marvel Comics
124 páginas



[Fonte Original]

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