O agronegócio do Rio Grande do Sul enfrenta uma das crises mais severas de sua história recente, consequência de eventos climáticos extremos e sucessivos prejuízos econômicos. Os agricultores reivindicam ações rápidas do governo dederal para evitar o colapso financeiro. Se não obtiverem uma resposta satisfatória, produtores gaúchos prometem paralisar atividades, com mobilizações em Porto Alegre a partir do próximo dia 13, por tempo indeterminado.
Desde 2018, o estado gaúcho enfrentou cinco grandes secas e duas enchentes, sendo a de 2024 uma das mais devastadoras. Os agricultores e produtores rurais perderam ou deixaram de colher cerca de 40 milhões de toneladas de grãos nos últimos quatro anos. Com as quebras de safra recorrentes, o prejuízo financeiro acumulado do agro gaúcho passou de R$ 106,6 bilhões. Para o setor como um todo, ao se considerar a agroindústria, as perdas foram de R$ 319 bilhões no período.
Agora, o estado enfrenta uma nova estiagem, com 201 municípios com reconhecimento federal de situação de emergência pela seca. Outras 61 cidades estão em análise, conforme dados do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), que aprovou R$ 7,9 milhões de ajuda humanitária para os produtores. No entanto, a colheita ainda em curso de 2025 deve registrar perdas de 10 milhões de toneladas em relação à estimativa inicial.
“É uma situação terrível. Estamos condenados à miséria. A recuperação judicial no campo já aumentou em 1.000%. Os produtores estão sofrendo arrestos, cobranças com busca e apreensão, está um caos. Estamos desesperados, sem enxergar luz no fim do túnel”, afirma Graziele de Camargo, representante do movimento SOS Agro RS.
A preocupação é que muitos produtores não tenham condições de continuar produzindo nas próximas safras. “Os eventos climáticos têm impactado na produção de grãos, especificamente na safra da soja e do milho. Também há reflexo nas pastagens, reduzindo a produtividade do leite. Nunca é bom ter reincidência de frustração de safra, porque aumenta o endividamento do produtor. As últimas reservas já se esgotaram e então é necessário buscar a viabilidade da não inadimplência, para continuar tendo acesso ao crédito e, assim, continuar produzindo”, explica Tarcísio Minetto, gerente de Relações Institucionais e Sindicais da Organização das Cooperativas do estado do Rio Grande do Sul (Ocergs).
Agro gaúcho apresenta propostas ao governo Lula
A Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) apresentou duas propostas para o governo federal. A primeira delas trata do uso de recursos do Fundo Social do Pré-sal, com a destinação de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões para reestruturar as dívidas em até 20 anos.
A segunda medida sugere a transformação das dívidas em títulos públicos, garantidos pelo Tesouro Nacional, com prazos de até 20 anos e juros entre 1% e 3% ao ano. Essa alternativa permitiria aos produtores regularizarem sua situação financeira e retomarem investimentos, como em irrigação e recuperação de solo, defende a categoria.
As propostas foram apresentadas na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados e ao Senado,além de reuniões com o Banco Central e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Porém, os produtores ainda não receberam uma resposta que resolva a situação. Segundo os produtores, o prazo de 20 anos é visto como muito longo pelo ministro Haddad e o governo não teria o valor necessário para concretizar o repasse.

O presidente da Farsul, Gideão Pereira, diz esperar que, nos próximos dias, o governo Lula (PT) apresente novas medidas, ainda que parciais. “Estamos trabalhando nas renegociações do endividamento grave na agricultura do Rio Grande do Sul para podermos enfrentar as mudanças climáticas que realmente atingem nosso estado, ainda que com muita dificuldade frente ao governo federal”.
A postura do governo petista é criticada pelo presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetag), Carlos Joel da Silva. “Até agora é insatisfatório o que o governo está apresentando e nós precisamos parar de ter reunião para marcar outra reunião. É preciso respeito com os produtores rurais, apresentando uma solução definitiva. Nenhum estado teve o problema que tivemos, com as frustrações de safra”, protesta.
Bancos não têm recursos para prorrogação ao agro gaúcho
A prorrogação das dívidas dos produtores rurais cria um novo problema: a falta de recursos nos bancos para atender a todos os pedidos. Embora os bancos sejam obrigados a oferecer crédito rural, muitos apenas repassam o dinheiro sem risco e ainda garantem lucro. Já os bancos que efetivamente fazem empréstimo ao produtor enfrentam prejuízo, pois os custos são altos e o retorno é baixo ou até negativo.
Como consequência, esses bancos ficam mais exigentes e evitam emprestar para produtores com maior risco, mesmo que estejam dentro das regras. Além disso, alguns bancos não têm recursos para fazer a prorrogação ou só fazem com juros altos, enquanto outros têm dinheiro sobrando, mas preferem emprestar a quem paga mais.
O economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz, alerta que não adianta anunciar a prorrogação se os bancos não tiverem dinheiro para isso. Ele também explica que os bancos podem perder dinheiro ao prorrogar dívidas com os juros atuais e pagar no futuro com juros maiores. Isso pode reduzir ainda mais a oferta de crédito, prejudicando especialmente pequenos e médios produtores em todo o país.
Produtores renegociam com credores
Muitos agricultores estão recorrendo a pedidos de renegociação das dívidas para tentar sobreviver, já com uma previsão de redução na área plantada, especialmente de trigo. Também já é prevista uma margem de lucro menor na produção de soja, pressionada pelo aumento dos custos de produção e pela queda nos preços agrícolas.
Ministério da Agricultura estima em R$ 28 bilhões o crédito rural a produtores gaúchos com vencimento em 2025.
A Farsul orienta os produtores a procurarem os credores, independente das medidas a serem tomadas pelo governo federal. “O produtor deve ir ao agente financeiro e solicitar a prorrogação do prazo para pagamento das dívidas. Deve levar o laudo técnico mostrando as perdas e, portanto indicar, a sua incapacidade de pagamento e protocolar o pedido de prorrogação para pagamento desta safra”, indica Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul.
O Ministério da Agricultura estima em R$ 28 bilhões o montante de parcelas de crédito rural de produtores gaúchos com vencimento em 2025. A pasta solicitou a prorrogação das prestações por seis meses, porém o pedido ainda não foi atendido. Na semana passada, o Ministério da Fazenda sinalizou que não fará um adiamento generalizado.
Dificuldades do agro podem afetar a mesa do brasileiro
O Rio Grande do Sul é uma das potências do agro brasileiro, mesmo com as dificuldades enfrentadas nos últimos anos devido às interferências de eventos climáticos. O estado representa 12,6% do PIB da agricultura nacional e 6,5% do PIB agropecuário. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o estado foi responsável por 23,3% das exportações brasileiras de soja em grão em 2023.
Segundo dados do governo do Rio Grande do Sul, apesar de mais de 206 mil propriedades rurais do estado terem sido afetadas pelas chuvas extremas, a agropecuária fechou o ano de 2024 com crescimento de 35%, recuperando-se da estiagem ocorrida em 2023.
Além disso, é o maior exportador de arroz do país, com mais de 2 milhões de toneladas enviadas ao exterior no ano passado. Em território, o Rio Grande do Sul ocupa a 9ª posição entre os estados brasileiros, com 280 mil km². Já em produção agrícola, porém, sempre ficou atrás apenas do Mato Grosso.
Se os produtores rurais do Rio Grande do Sul paralisarem as atividades, e o período for longo, o Brasil todo pode sofrer prejuízos. “Podemos enfrentar sérios problemas, incluindo aumento na inflação, desabastecimento de alguns produtos e impactos nas exportações”, explica o economista Flavio Santos, do Instituto Agronômico do Paraná.
Raio-x do agro gaúcho
- Maior produtor de arroz do Brasil, responsável por cerca de 70% da produção nacional, com média de 8 milhões de toneladas por safra.
- 3º maior produtor de soja do Brasil, com produção média estimada em 20 milhões de toneladas por safra.
- Liderou a produção de trigo por muitos anos, com recorde histórico de 5,7 milhões de toneladas em 2022. Nos anos seguintes, perdeu a posição para o Paraná.
- Produz 15% da soja, 44% da aveia branca, 70% da uva, 4% do milho de todo o Brasil.
- Responsável por 15% da produção de proteína bovina, 40% da produção de frangos e 30% da produção de suínos.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)