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sexta-feira, maio 16, 2025

Crítica | A Morte Invisível (Júlia Kendall #28) – Plano Crítico

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A narrativa de Morte Invisível captura o leitor com uma premissa de botar medo, principalmente depois de passarmos por uma pandemia: a existência do HN9, um vírus letal forjado num laboratório governamental, que desaparece misteriosamente em Garden City. O incidente coloca a polícia, os cientistas e uma rede de conspiradores num estado de agitação e paranoia, enquanto a cidade, iludida por meias-verdades divulgadas propositalmente na mídia (a fim de não gerar pânico), acredita que o perigo é apenas uma sombra do que realmente é. Escrita por Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero, a trama ganha camadas muito interessantes ao entrelaçar espionagem industrial e uma atmosfera de segredos proibidos, tecendo um mistério ligado à saúde pública e à produção, experimentação e roubo de armas químicas. No centro desse caos, Júlia acaba sendo a esperança de capturar a pessoa que está escondendo o vírus, mas como ela tem pouquíssimo material para traçar um perfil físico dessa pessoa, o texto acaba colocando-a diretamente em campo. Embora o ponto de partida, com a apresentação do perigoso vírus e seu sumiço, possa parecer um tanto forçado, a história consegue encontrar um ótimo ritmo em seu desenvolvimento.

Os autores exploram a urgência da investigação e da perseguição aos transportadores da ampola mortal, numa clássica corrida contra o tempo, marcada por assassinatos brutais e personagens que parecem saídos de aventuras criminais dos anos 1970, um tipo de cenário e abordagem que não me saíram da cabeça enquanto lia a história. A cena na estação de trem, com a confusão de mochilas trocadas e objetos suspeitos passados à frente, é um bom início para construir a tensão do enredo, mostrando o talento dos autores para criar momentos de suspense aparentemente simples, mas cheios de estresse, significado e inteligência. É pena que, perto do final, o ritmo dá uma tropeçada, perdendo um pouco esse fôlego que sustentava muito bem a narrativa até então — nada que estrague a obra, mas deixa aquela sensação de um degrau abaixo do contexto.

Júlia, mais uma vez, não decepciona como a alma do drama, novamente exibindo aquele combo de que a gente tanto gosta: disposição física (o cinzeiro na bolsa sempre vem a calhar!), alta capacidade analítica e verbal. Em relação às suas camadas pessoais (nesta edição, não temos uma sequência de pesadelo, pois tudo se passa num único dia), vemos as lutas contra seus medos e a enorme tensão que ela precisa controlar para não paralisá-la ou fazê-la agir em falso e colocar toda a investigação a perder. Costurando essa emergência social e sanitária, temos a presença de temas como o peso do vício, os desafios de relações entre pessoas de mundos diferentes e a distância entre as vozes da periferia e o jogo institucional, mostrando a dificuldade das pessoas periféricas em falar com os policiais, tônica frequente desse tipo de história.

Em Morte Invisível, os autores entregam uma experiência que diverte, traz ansiedade e provoca reflexões sutis sobre problemas e conspirações laboratoriais (se é verdade, a gente ainda tem que continuar chamando de “conspirações”?) sobre ações do Estado que saem errado e podem colocar a vida de pessoas inocentes em risco. A jornada de Júlia, além de uma corrida contra um vírus perigoso, é uma visita às contradições de um mundo em crise (pessoas precisando de dinheiro e que fazem qualquer coisa para pagar suas dívidas e dar uma vida digna para suas famílias), onde a luta pela sobrevivência ainda parece uma selva. Apesar de tropeços no ritmo das últimas páginas, Morte Invisível é um exemplo de como a ficção pode entreter enquanto cutuca feridas sociais, deixando o leitor com a sensação de que já aprendeu a viver em meio a tantas ameaças e mortes invisíveis.

Júlia Kendall – Vol. 28: A Morte Invisível (La morte invisibile) — Itália, janeiro de 2001
No Brasil:
 Mythos, fevereiro de 2007 e março de 2022
Roteiro: Giancarlo Berardi, Maurizio Mantero
Arte: Enio
Capa: Marco Soldi
132 páginas



[Fonte Original]

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