Entidades empresárias estão resistindo às regras que mudam o trabalho nos feriados, determinada pela portaria 3.665/2023, que exige convenção coletiva com sindicatos para que estabelecimentos possam funcionar nessas datas comemorativas.
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Editada no fim de 2023, a portaria diz que supermercados, farmácias, lojas de departamento e outros estabelecimentos só poderão abrir em feriados com autorização expressa em convenção coletiva. O trabalho aos domingos não seria afetado.
Hoje, o trabalho em feriado é acordado diretamente entre empregado e empregador. As entidades empresariais argumentam que a regra traz burocracia, custo e insegurança jurídica.
— Somos radicalmente contra. Essa portaria fere a Lei de Liberdade Econômica. Estão tentando mudar uma lei aprovada pelo Congresso por meio de um decreto — queixa-se Alfredo Cotait, presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), que ameaça ir ao Supremo.
A Fecomércio-RJ também teme impactos negativos, mas vê oportunidade de fortalecer a negociação com equilíbrio e clareza nas exceções.
— O Rio de Janeiro tem longa tradição na negociação de convenções coletivas relacionadas ao trabalho em feriados — diz Carlos Américo Freitas Pinho, consultor jurídico da Fecomércio-RJ, destacando a necessidade de rever contratos de trabalho, maior pressão por negociações com sindicatos, alta dos custos operacionais e insegurança jurídica, o que pode inibir investimentos.
— É fundamental que essas questões sejam vistas de forma cuidadosa, visando a preservação dos direitos dos trabalhadores e a sustentabilidade das empresas envolvidas.
A portaria não deve mais entrar em vigor em 1º de julho, como previsto. Enquanto não houver consenso entre empresários e trabalhadores, o governo deve adiar a adoção das regras.
— Estou aberto ao diálogo, que sempre é o melhor caminho. Vamos respeitar o que as entidades acordarem — disse o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, na última reunião que teve com a Frente Parlamentar de Comércio e Serviços (FPCS) e a União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs).
‘Valoriza comerciário’
Para representantes de trabalhadores, a portaria apenas reafirma a legislação e garante que o trabalho em feriados seja negociado e compensado.
— Não está sendo criado nenhum impeditivo para o funcionamento do comércio (em feriados). A verdade é que os patrões querem impor o trabalho nestes dias sem pagar os devidos benefícios já previstos na convenção coletiva, impondo um serviço exaustivo, com jornadas intermináveis e sem quaisquer direitos — afirma Márcio Ayer, presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio, afirmando que o direito à negociação coletiva é previsto na Constituição.
O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, vê avanço:
— A portaria é importante porque valoriza o comerciário.
O advogado Marcel Zangiácomo, especialista em direito trabalhista, concorda com a interpretação de que a portaria somente reafirma o que já está previsto na CLT e em convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
— Historicamente, a autorização para trabalho aos domingos e feriados exigia previsão em convenção coletiva ou autorização do MTE. A flexibilização para acordo individual foi ampliada na Reforma Trabalhista de 2017 e reforçada por normas recentes. A portaria 3.665/2023 revoga essa flexibilização — afirma. — Não é uma ruptura, mas a reafirmação de um modelo anterior, que confere maior protagonismo aos sindicatos.
Segundo o advogado, se a regra entrar em vigor, os estabelecimentos que descumprirem estarão sujeitos a multas, ações na Justiça trabalhista e até interdição se reincidir.
Na Câmara, o tema também divide opiniões. A deputada Bia Kicis (PL-DF) tem um projeto para derrubar a portaria:
— Vai na contramão de tudo o que a Frente pelo Livre Mercado defende: autonomia das partes, simplificação regulatória e respeito à capacidade dos agentes econômicos de estabelecerem as melhores condições para seus negócios. Não podemos aceitar que o governo queira substituir a livre negociação por decretos autoritários que ignoram a realidade do setor produtivo.
Apesar de correligionário de Kicis na oposição, o deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), que também preside a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio (CNTC), concorda com o governo. Ele afirma que a exigência de convenção coletiva foi definida por consenso entre trabalhadores e empregadores em 2007 e reafirmada durante mesa tripartite com o Ministério do Trabalho da qual a CNTC participou.
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O deputado Luiz Gastão (PSD-CE) diz que a FPCS, da qual participa, tenta convencer Marinho a recuar. Ele argumenta que muitos municípios não têm sindicatos organizados ou atuantes e que, em cidades turísticas, é essencial para a economia local que o comércio abra nos feriados:
— Conversamos com o ministro e estamos defendendo que devemos valorizar as negociações coletivas, reestruturar o sindicalismo, mas não podemos, através de negociação, determinar se você vai poder abrir ou não o comércio.
O deputado Zé Neto (PT-BA), prega diálogo, considerando a diversidade regional:
— Cada cidade tem uma realidade diferente.