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segunda-feira, julho 7, 2025

Cúpula dos Oceanos da ONU tem saldo positivo, mas deixa ‘dever de casa’ para a COP30 no Brasil, avaliam especialistas

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A terceira Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC3) encerrou-se nesta sexta-feira, em Nice, na França, com avanços significativos para a futura entrada em vigor do Tratado do Alto-Mar, embora também tenha frustrado alguns ambientalistas por não fazer progressos decisivos em temas centrais, como a mineração em águas profundas, combustíveis fósseis e o financiamento para a proteção da biodiversidade marinha. Para especialistas, o saldo no geral foi positivo, mas com uma tarefa deixada para a Conferência das Partes da ONU sobre Mudança do Clima (COP30), que ocorrerá em novembro, em Belém, no Pará.

Assinado em 2023, o tratado fornece estrutura legal para a criação de Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) em águas internacionais, sendo essencial para alcançar o objetivo global de proteger 30% dos oceanos até 2030 (30×30). Para ser promulgado e se tornar uma lei internacional vinculativa, ele precisa ser ratificado por pelo menos 60 países assinantes, uma meta expressamente desejada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, na abertura da cúpula.

Embora o número não tenha sido alcançado, a distância diminuiu bastante: 19 novos países depositaram suas ratificações, elevando o total para 50, apenas dez a menos do que o necessário. Além disso, mais 20 países assinaram o tratado no decorrer dos cinco dias da conferência, fazendo o total de signatários chegar a 136.

Segundo o enviado especial da França para a UNOC3, o embaixador Olivier Poivre d’Arvor, há promessas de que novas ratificações sejam depositadas nas próximas semanas — incluindo a do Brasil, como assegurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira, durante sua agenda em Nice. Uma vez alcançada a meta, uma cerimônia formal de ratificação deve anteceder a Assembleia da ONU em Nova York, em setembro, com o tratado entrando em vigor em janeiro de 2026.

Apesar do avanço muito celebrado sobre a iminente entrada em vigor do tratado, a UNOC3 frustrou expectativas em pontos importantes, sobretudo em relação à mineração em águas profundas.

Na abertura da conferência, na segunda-feira, líderes globais, incluindo Macron e o secretário-geral da ONU, António Guterres, fizeram duras críticas ao assunto, pontuando que o fundo do mar “não pode se tornar o Velho Oeste” e que as “águas profundas não estão à venda”. As falas foram referências claras ao anúncio pelo presidente americano, Donald Trump, há um mês, de liberar unilateralmente a mineração em águas internacionais no Pacífico.

A postura incisiva sobre o assunto pairou sobre a conferência ao longo dos cinco dias, com promessas de combater a mineração em águas profundas. No entanto, na prática, apenas cinco novos países aderiram à proposta de moratória para a atividade, elevando o total para 37 dos 169 membros da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA).

Na avaliação da vice-presidente-adjunta da ONG Oceana, Vera Coelho, a UNOC3 foi positiva, no geral, e resultou numa atenção reforçada para a necessidade de proteger o oceano, mas destacou que ainda “resta muito trabalho a fazer”:

— Muitos países estão ainda longe de proteger pelo menos 30% do seu mar, e outros, sobretudo europeus, dizem que têm áreas “protegidas”, mas permitem atividades extrativas e destruidoras nessas áreas, incluindo o arrasto de fundo — disse ao GLOBO. — Outros continuam a querer avançar com a mineração em mar profundo, mesmo na ausência de dados científicos e de uma regulação suficiente, quando sabemos que a grande parte do fundo do mar nunca foi explorado, e que de cada vez que novas áreas são investigadas, encontramos novas espécies.

Além da questão da mineração, a ausência de referências explícitas aos combustíveis fósseis na declaração final da conferência também gerou críticas de ambientalistas. O texto chega a reconhecer os efeitos das mudanças climáticas sobre os oceanos, mas não propõe ações concretas de transição energética.

— Ouvimos muitas palavras bonitas aqui em Nice, mas elas precisam se transformar em ações concretas — disse a jornalistas a chefe da delegação do Greenpeace, Megan Randles.

Para o oceanógrafo e coordenador executivo do Instituto Linha D’Água, Henrique Kefalás, os impasses sem um desfecho positivo na UNOC3 agora recairão sobre a COP30, que ocorrerá na capital brasileira de Belém, em novembro. Segundo ele, a “expectativa é que a agenda ganhe corpo, especialmente para que se assuma compromissos ambiciosos que incorporem o oceano como eixo transversal”.

Apesar dos pontos pendentes, o ambientalista destaca que a cúpula veio para provar que a saúde dos oceanos “precisa estar no centro da agenda climática e da justiça social global”.

— Os avanços ainda dependem de maior compromisso político das grandes potências, financiamento continuado e principalmente de uma governança mais inclusiva e equitativa, que enfrente a desigualdade no acesso aos espaços e aos recursos marinhos — disse ao GLOBO.

Entre os pontos elogiados pelos ambientalistas, está a declaração de apoio ao tratado global sobre plásticos, assinada por 95 países, que busca reduzir a produção e o descarte do material em todo o ciclo de vida. O Brasil, contudo, não assinou o texto, chamado “Apelo de Nice”, apesar de o presidente Lula ter citado a gravidade do assunto em seu discurso durante a cúpula, na segunda-feira.

No saldo positivo, vários países também anunciaram novas AMPs ou o fortalecimento das já existentes, entre outros pactos importantes e anúncios de investimentos, como lembrou a professora da Universidade de Brasília, Ana Flávia Barros-Platiau, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo).

— A França marcou um gol “bonitaço” com muitos compromissos. A festa foi linda. O problema agora é saber o que acontece quando a festa acaba. Na perspectiva brasileira, Nice marcou uma etapa, e agora fica para o Brasil o dever de casa do que a gente fará com isso [em Belém] — disse a professora ao GLOBO.

*A repórter viajou para Nice com a FGS Global, em parceria com a Iniciativa Oceânica da Bloomberg.

[Fonte Original]

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