Com o cumprimento da profecia na segunda parte de A Saga do Punho Vermelho, o último arco de Chip Zdarsky à frente das histórias do Demolidor parece mais um epílogo do que um clímax. Temos um curto salto temporal depois dos eventos que levaram à destruição do Punho, com Matt se recuperando fisicamente e mentalmente de tudo que aconteceu. O personagem está quebrado emocionalmente e moralmente, perdido em sua própria melancolia e afogado em culpa. Matt não é estranho às narrativas de mártir, então sua desconstrução dramática é apropriada, com Zdarsky trazendo, mais uma vez, um bom trabalho com o arco do personagem, que se afundou de vez nas consequências de suas escolhas egoístas e arrogantes. Como falei no texto do arco anterior, ficar do lado oposto do Homem-Aranha e/ou do Capitão América nunca dá certo…
O que temos aqui é uma meditação em remorso e fracasso. Mesmo com o histórico de desgraças do Demolidor, Zdarsky tece uma das tramas mais cruéis da trajetória do herói, que perdeu quase todo mundo, que navegou em seu próprio ego deturpado com um culto à sua figura falha, que decepcionou todos à sua volta e que ainda se acha no direito de ter autopiedade (gosto como Cole não foge de cutucar o personagem nesse sentido). Da realização de suicídio, do sacrifício de seus olhos para emboscar os Stromyns e da sua vontade em fazer o certo por quem machucou, temos uma jornada que lembra histórias de samurais, mas sem tanto uma busca por honra e sim por redenção.
Alguns blocos do arco são muito bonitos e agridoces, com destaque para a luta entre o Demolidor e Elektra. Marco Checchetto traduz beleza e tragédia com alguns quadros que entrarão como marcos na mitologia do herói sempre pronto para se sacrificar. De certa forma, até o arco de Elektra, um pouco bagunçado nesse sétimo volume, ganha contornos interessantes para o futuro, com a assassina assumindo de vez o manto e traçando um caminho diferente do que estamos acostumados em vê-la. Dos acertos de contas até a morte ritualística, temos um tratamento trágico que é bom de ler e que faz jus ao drama de um herói que já passou por muitas coisas piores, principalmente quando nos damos conta de que a profecia sempre foi uma manipulação.
Infelizmente, retorno às mesmas críticas de sempre com o texto de Zdarsky. A construção da narrativa é mais uma vez truncada, usando elipses para correr com o ato final místico do volume. A partir do momento que Matt entra no inferno, mais especificamente no reino da Besta, a trama se perde na fantasia mal contextualizada, com encaminhamentos atabalhoados e um final anticlimático na maneira como desfaz o sacrifício do personagem para voltar ao status quo (sei sim que heróis nunca morrem de verdade, mas acho o final pilantra na forma como os eventos não têm consequência, com todo mundo voltando a vida e Matt já próximo de voltar ao manto).
Alguns temas são interessantes: a ideia de um bloco messiânico que se revela uma tramóia da irmã da Besta; o grande sacrifício de Matt até chegar naquele ponto; e a ironia de retornar como padre. A mitologia não é bem construída e a trama soa forçada em suas revelações súbitas, mas é um desfecho razoável, com bons dramas (principalmente no terço inicial), ótima arte (incluindo o belíssimo bloco no reino da Besta, com direito a Demolidor de cavaleiro branco). Zdarsky não termina numa nota tão alta, mas amarra todos os seus temas, ao longo da sua run organizou a lore do personagem e deixou um terreno bem preparado para o próximo autor assumir as novas tragédias do herói.
A Saga do Punho Vermelho – Livro 3 (The Red Fist Saga – Part 3) — EUA, julho de 2023 a outubro de 2023
Contendo: Daredevil – Vol. 7 #11 a 14
No Brasil: Demolidor 3ª Série – n° 11 (Panini, maio de 2024)
Roteiro: Chip Zdarsky
Arte: Marco Checchetto, Rafael de Latorre
Cores: Matthew Wilson
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Devin Lewis, C.B. Cebulski, Tom Groneman
Editora: Marvel Comics
108 páginas