9.8 C
Brasília
terça-feira, junho 17, 2025

‘MP da taxação’ ignora dinâmica do mercado de criptoativos e pode gerar queda na arrecadação de impostos

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

A Medida Provisória 1.303, que altera substancialmente as regras de tributação de criptoativos no Brasil, pode ter efeitos contrários aos desejados pelo governo, incentivando investidores a migrarem para exchanges estrangeiras ou plataformas de finanças descentralizadas (DeFi).

As novas regras unificam e tornam mais rigorosas as obrigações tributárias para investidores e empresas que operam em território nacional, impondo alíquota fixa de 17,5% sobre ganhos de capital com criptoativos, extinguindo a tabela progressiva e acabando com a isenção de transações até o limite de R$ 35 mil mensais para negociações efetuadas em plataformas brasileiras.

O imposto será apurado e pago trimestralmente, e a compensação de perdas passa a ser permitida somente entre ganhos e prejuízos obtidos com criptoativos. Se o investidor tiver prejuízo em um trimestre, poderá compensá-lo em até cinco trimestres seguintes, desde que os lucros também venham de operações com criptoativos. Não será mais possível usar prejuízos com ativos digitais para abater impostos de ganhos com outros investimentos, como ações ou fundos.

As novas regras tendem a “gerar incentivos contrários à transparência e ao controle regulatório, ao estimular a migração de usuários para soluções descentralizadas e corretoras estrangeiras”, afirma Lorena Botelho, advogada especialista em regulação financeira e criptoativos do escritório Urbano Vitalino Advogados, em entrevista ao Cointelegraph Brasil.

“O resultado previsível é uma fuga de capital para fora do ecossistema regulado, com maior opacidade, menos controle e menor arrecadação”, ao contrário dos objetivos do governo, acrescentou a advogada.

Pedro Heitor de Araújo, especialista em criptoativos do escritório Bichara e Motta Advogados, compartilha opinião semelhante:

“Em termos práticos, o novo regime tributário tende a intensificar o fenômeno da descentralização e a busca por maior autonomia patrimonial, ao estimular os investidores brasileiros a recorrerem a aplicações de finanças descentralizadas como forma de elidir a incidência da nova alíquota.”

Criptoativos mantidos em carteiras autocustodiais e transacionados sem a intermediação de plataformas centralizadas reduzem a capacidade do Estado brasileiro de monitorar e identificar operações de compra e venda, diz Botelho.

Além disso, ao eliminar a isenção dos impostos incidentes sobre operações realizadas em plataformas nacionais até o limite de R$ 35.000 mensais, a MP cria oportunidades de arbitragem regulatória que prejudicam as empresas que operam em conformidade com a regulação brasileira.

A retenção na fonte de rendimentos gerados por cessão temporária de criptoativos, como em operações de staking ou empréstimo, reforça essa distorção, ressalta a advogada:

“Na prática, o modelo de retenção proposto só é aplicável quando há uma ‘fonte pagadora’ situada no Brasil — o que exclui a maior parte das transações realizadas via exchanges internacionais ou carteiras de autocustódia. Essa assimetria tributária cria um desincentivo extra à utilização de plataformas nacionais.”

“Se o ambiente jurídico já favorecia empresas estrangeiras, a MP aprofunda tal assimetria, penalizando os agentes nacionais”, afirma Araújo.

A ineficiência das novas regras tributárias sugere que o governo desconhece as especificidades do ecossistema de ativos digitais, segundo os especialistas.

“A regulação de criptoativos precisa levar em conta a natureza global e descentralizada desse ecossistema”, afirma Botelho. “Esse tipo de distorção tributária não apenas compromete a eficácia da arrecadação, mas mina um dos principais objetivos da regulação do setor cripto: aumentar a rastreabilidade e a segurança jurídica das operações com ativos digitais.”

Araújo critica a uniformização da base tributária para ativos que têm casos de uso e funções diversas entre si:

“A MP ignora a natureza multifacetada dos criptoativos, cujas diferentes espécies exercem funções substancialmente distintas entre si. Tributar de forma homogênea o que é instrumentalmente distinto é sintoma de um modelo fiscal cego à inovação.”

Empresas se posicionam pedindo revisão das medidas

Investidores, empresas e entidades do ecossistema brasileiro de criptomoedas foram unânimes em criticar a postura unilateral do governo de estabelecer novas regras tributárias de forma apressada, sem um debate mais amplo.

Em nota compartilhada com o Cointelegraph Brasil, o Mercado Bitcoin (MB), maior exchange de criptoativos do país, lamenta a precipitação do governo em estabelecer novas regras que “penalizam diretamente os investidores, enfraquecem a competitividade e limitam o potencial de desenvolvimento sustentável do país

Ainda segundo o MB, a falta de embasamento técnico das propostas do governo “gera dúvidas quanto à sua legalidade.”

“O MB confia que a medida ainda será debatida com a seriedade necessária no Congresso Nacional e que o governo poderá rever ou até mesmo recuar da decisão, corrigindo distorções e ouvindo os agentes do mercado”, conclui a nota.

A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto) qualificou as medidas propostas pelo governo como um “retrocesso” na regulação dos criptoativos no país. Segundo a associação, a MP afeta negativamente o mercado local, “empurrando investidores para plataformas que não seguem as regras estabelecidas no Brasil e para valores mobiliários isentos desta tributação.”

Em entrevista ao Valor Econômico, o presidente da associação, Bernardo Srur, acrescentou que a MP pode “acabar com o mercado nacional de criptomoedas” e que os maiores prejudicados são os investidores de varejo:

“[A MP] está tirando de quem tem menos dinheiro, que negocia menos de R$ 35 mil, enquanto diminui a alíquota do grande investidor para 17,5%, que antes pagava 22,5%. O tíquete médio do brasileiro em cripto é baixo, está abaixo de R$ 1 mil. São essas pessoas que serão prejudicadas.”

Deputados e empresários do setor produtivo se mobilizam para barrar avanço da MP

A MP precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em no máximo 120 dias para se converter definitivamente em lei. Nesse período, congressistas podem apresentar emendas parlamentares para alterá-la ou até mesmo vetá-la integralmente.

Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, empresários do setor produtivo estão pressionando lideranças da Câmara dos Deputados para frear o avanço da MP.

Em paralelo, os deputados de oposição Carlos Gayer (PL-GO) e Eros Biondini (PL-MG) encaminharam decretos legislativos à Mesa Diretora da Câmara para suspender imediatamente os efeitos da MP.

O deputado federal Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), autor do PL 14.478/2022 que regulamenta os ativos digitais no Brasil, apresentou emenda parlamentar para excluir integralmente o Capítulo V da MP, que trata da tributação dos criptoativos.

[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img