9.8 C
Brasília
terça-feira, junho 17, 2025

Crítica | Alfarrábios: Crônicas dos Tempos Coloniais, de José de Alencar – Plano Crítico

- Advertisement -spot_imgspot_img
- Advertisement -spot_imgspot_img

Publicado em 1873, Alfarrábios: Crônicas dos Tempos Coloniais, de José de Alencar, nos apresenta três histórias, veiculadas na época em dois volumes, dedicadas ao esquema do escritor de tornar ficcional, situações históricas que faziam parte de suas constantes leituras cotidianas. Ao longo de O Diário de um Lázaro, encontrado por um estudante em Olinda, o autor nos revela as reflexões profundas de um homem que teve os dias marcados pelo estigma social da lepra e, consequentemente, alijado das dinâmicas que o deixaram no ostracismo. O texto apresenta a luta interna do protagonista entre sua alma capaz de expressar sentimentos e seu corpo deteriorado, além de sua percepção sobre a fama que adquiriu entre os habitantes da cidade. Em termos diletantes, é uma composição literária com as peculiares características dos conflitos românticos que gostamos de contemplar, com muita dramaticidade, apesar de faltar mais empolgação na escrita um tanto monótona. Ele reflete sobre como, apesar de ser rejeitado e evitado, seu nome é amplamente conhecido, em contraste com as figuras históricas frequentemente esquecidas. Essa notoriedade amarga traz certo consolo ao lázaro, que se vê como um poeta anônimo, cuja existência é reconhecida, embora de uma forma vil. À medida que o diário avança, o “lázaro” busca alívio nas pequenas belezas da vida, como o canto de uma inocente menina que, em sua pureza, lhe proporciona um vislumbre de esperança e alegria.

Em O Guaratuja, temos um romance se passa na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro durante o século XVII, especificamente em 1659, em meio a um conflito entre a Igreja e a administração colonial, que culmina na excomunhão do ouvidor, causando grande tumulto. José de Alencar era um amante de temas polêmicos e essa história reflete bastante essa postura social provocativa. O protagonista, Ivo do Val, é um jovem rejeitado, “filho de criação” de Rosalina das Neves, que o encontrou abandonado. Tratado com desdém por algumas pessoas ao seu redor, especialmente por Pôncia, ganha o apelido de Garatuja devido ao seu talento precoce para grafitar as paredes da cidade. Ele se torna aprendiz de um pintor de casas, Belmiro Crespo, e se encanta por Marta, filha do tabelião Sebastião Ferreira Freire, ao vê-la pela primeira vez. A relação de Ivo com Marta se intensifica, especialmente quando sua mãe adotiva, Rosalina, vê a imagem de Cupido que Ivo desenhou, confundindo-a com o Menino Jesus. O enredo se complica com a intervenção de religiosos que perturbam a família do tabelião, levando a uma série de intrigas que culminam em uma devassa ordenada pelo ouvidor. A história culmina com a excomunhão do ouvidor em uma cerimônia pública e solene, acentuando ainda mais o conflito. Não é o autor em um de seus melhores momentos literários, mas vale pela curiosidade em torno da versatilidade de sua escrita diversa, entre romances, ensaios e crônicas.

Com O Ermitão da Glória, José de Alencar nos apresenta uma história de fé, milagres e amor impossível entre o Senhor Aires de Lucena e Maria da Glória, contextualizada em 1608, durante os primeiros anos da cidade do Rio de Janeiro. Após perder sua fortuna em jogos e amores, Aires se torna corsário, resgatando uma órfã francesa, filha de um inimigo que ele matou em combate. A criança, batizada como Maria da Glória em reconhecimento à proteção que recebeu durante sua salvação, cresce sob os cuidados de um casal amigo de Aires. Ao longo dos anos, Aires se vê apaixonado por Maria da Glória, mas hesita em confessar seus sentimentos. Em seu desenvolvimento, acompanhamos o posterior grave estado de saúde de Maria da Glória, com Aires a prometer para Nossa Senhora que se afastará do lar por um ano caso a moça se recupere, e, assim que ela se restabelece, decide adiar a realização de sua promessa. Presenciando a punição de um mercador que não cumpriu sua palavra, Aires opta por cumprir sua promessa e parte abruptamente, o que leva todos a crerem que ele morreu no mar. Maria da Glória, assolada pela saudade e pela perda do amor, passa a definhar, revelando seus profundos sentimentos por Aires enquanto anseia pela sua volta. É uma história que se desenvolve entre tópicos temáticos em torno da devoção, do arrependimento e da busca por redenção dos personagens apresentados, simbolizando a interseção entre amor e espiritualidade, algo já contemplado em outras narrativas do escritor.

Essa é uma das publicações menos conhecidas de José de Alencar, mais esmiuçadas em estudos acadêmicos, mas que pode render momentos diletantes para leitores em geral, além de gerar possíveis propostas pedagógicas em torno da obra do autor romântico que ficou mais evidente na crítica por seu projeto de nacionalidade e pelas críticas aos costumes no bojo do contexto social fluminense. Em suas 212 páginas, Alfarrábios: Crônicas dos Tempos Coloniais nos comprova porque foi um dos mais proeminentes escritores da literatura romântica brasileira do século XIX, desempenhando um papel fundamental na formação da identidade literária nacional. A literatura romântica, que floresceu no Brasil em meio ao contexto da independência e da busca por uma identidade própria, encontrou em Alencar um de seus maiores defensores. Ele se destacou principalmente em três gêneros: o romance, a dramaturgia e a crítica literária. Alencar também foi um dos precursores do regionalismo no Brasil, ao retratar as diversas realidades sociais de diferentes regiões do país. O impacto do escritor na literatura brasileira, mesmo com algumas inevitáveis contradições que abrangem a sua contribuição, é inegável. Sua capacidade de mesclar diferentes estilos e temas, aliada a uma prosa elegante, ajudou a moldar o romantismo e a construir uma literatura que buscava compreender e refletir a realidade brasileira, redimensionada posteriormente, com as interpretações em torno de sua obra.

Alfarrábios: Crônicas dos Tempos Coloniais (Brasil, 1873)
Autor: José de Alencar.
Editora: Nabu Press
Páginas: 212.



[Fonte Original]

- Advertisement -spot_imgspot_img

Destaques

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

- Advertisement -spot_img