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quarta-feira, junho 18, 2025

Para quem Trump governa?

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“Cui bono” Trump? Ele serve ao interesse de quem? Como destacado por Ivan Krastev, ele serve a seus próprios interesses, de uma forma grotesca. Mas e as outras pessoas? Pela maneira brutal como Trump acabou com a Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAid), dos Estados Unidos, sabemos que ele não liga nem um pouco para os pobres no exterior. No entanto, será que ele mostra preocupação pelos americanos comuns que votaram nele? O “Grande e Belo Projeto de Lei” do orçamento americano (OBBBA, como ficou conhecido em inglês) que tramita pelo Congresso, mostra que a resposta é “não”. Trata-se de um poderoso exemplo de “pluto-populismo”, como o chamei pela primeira vez em 2006. Os ricos recebem a maioria dos doces; os pobres se tornam ainda mais pobres; e o déficit fiscal permanece enorme.

Tarifas alfandegárias são, na prática, um imposto sobre as vendas de bens importados, que tendem a elevar também os preços dos produtos nacionais substitutos. Em termos gerais, os mais pobres gastam uma fatia maior de sua renda com bens do que os mais ricos, que gastam uma proporção maior com serviços ou poupam uma grande parte. Portanto, as tarifas são regressivas, como argumentam Kimberly Clausing e Mary Lovely, do centro de estudos Peterson Institute for International Economics. Esse pode ser um dos motivos pelos quais Trump as adora. Por sua vez, seus cortes de impostos chegam, na maioria, para os mais ricos.

O Yale Budget Lab estimou o impacto das tarifas impostas até 1 de junho de 2025 e do OBBBA, em sua forma aprovada pela Câmara dos Deputados. O projeto de lei, é claro, ainda deve sofrer alterações, mas o fato de ter sido aprovado pela Câmara já é desconcertante. Em resumo, a combinação do OBBBA e dos aumentos das tarifas “reduziria a renda disponível média, após impostos e transferências, da faixa de 80% das famílias na parte de baixo [da pirâmide]”. “A faixa dos 10% de baixo teria uma redução média superior a 6,5% na renda, enquanto a de 10% na parte de cima veria um aumento de quase 1,5%”.

Além disso, segundo o Yale Budget Lab, “calculado de forma convencional, o OBBBA custaria US$ 2,4 trilhões como está redigido (US$ 4 trilhões, se as cláusulas temporárias se tornarem permanentes)”. “As tarifas implementadas até 1 de junho gerariam US$ 2,4 trilhões”. Caso essa previsão acabe se revelando otimista demais (suspeito que as tarifas não arrecadarão tanto), a conclusão de Clausing e Lovely de que “enquanto política fiscal, a agenda de Trump equivale a cortes de impostos regressivos, apenas parcialmente financiados por aumentos de impostos [também] regressivos” estaria correta.

O ‘Grande e Belo Projeto de Lei’ do orçamento, aprovado na Câmara, além de cruel é altamente cínico. Ele mostra que no governo do presidente Donald Trump os ricos recebem a maioria dos doces; os pobres se tornam ainda mais pobres e o déficit fiscal permanece enorme

Em sua página na plataforma Substack, Paul Krugman conclui que ele tem “uma visão bastante desconfiada a respeito das intenções [republicanas]”. “Mas este projeto é tão cruelmente regressivo que chocou até a mim”. Além de cruel, também é, penso eu, altamente cínico.

Segundo uma carta do apartidário Gabinete de Orçamento do Congresso (CBO), o número de pessoas sem seguro-saúde pode aumentar em 16 milhões até 2034, como resultado das mudanças propostas no OBBBA e em outros projetos. Também haverá cortes no programa de vales-alimentação. Não é incorreto afirmar que muitas pessoas vão morrer para que se arque com grandes cortes de impostos para bilionários.

Trump — Foto: Alex Brandon/AP

Se presumirmos que a Trumponomics terá pouco ou nenhum efeito sobre o crescimento econômico dos EUA, o efeito líquido das tarifas somado ao do OBBBA parece destinado a ser uma continuação das tendências fiscais anteriores. Portanto, os déficits fiscais continuarão grandes e a dívida aumentará em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). No relatório “O Panorama Orçamentário de Longo-Prazo 2025-55”, o CBO projetou que a relação entre dívida federal pública e PIB subiria de 100% em 2025 para 118% em 2035.

Em seu livro “How Countries Go Broke: The Big Cycle”, Ray Dalio, da gestora de investimentos Bridgewater, argumenta que a redução do déficit precisa ser de 3% a 4% do PIB para estabilizar a relação entre dívida e PIB. Se tal ajuste é essencial neste momento? A resposta honesta é que ninguém sabe. Os EUA são a maior economia do mundo e, de forma consistente, também a mais dinâmica, além de emitirem a moeda de reserva mundial. Isso lhes dá uma margem de manobra imensa. No entanto, nada dura para sempre. Se o mundo perder a confiança nos EUA, o país poderia ser forçado a rolar sua dívida em condições cada vez mais desfavoráveis. Em algum momento, grande parte da dívida poderia se tornar de curto prazo, sujeita aos juros definidos pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA).

O Fed, então, ficaria sob pressão para manter os juros baixos. O impacto de tal monetização da dívida, somado à repressão financeira, poderia ser altamente desestabilizador. Como disse certa vez Rudiger Dornbusch, do MIT: “Na economia, as coisas demoram mais para acontecer do que você pensa que vão demorar e, então, acontecem mais rápido do que você imaginava que poderiam”. Assim, a escolha sensata é mudar de rumo antes que seja tarde demais. Isso faz ainda mais sentido se você decidiu travar uma amarga guerra comercial contra quase todos os seus credores: a dura experiência da Presidência Trump certamente vai transformar a percepção do mundo a respeito dos EUA.

Em geral, o populismo deve ser definido como uma forma de política que opõe “o povo” às “elites”. Populistas podem ser de esquerda ou de direita. O populismo de Trump é evidentemente de direita, uma vez que enfatiza aspectos culturais, de etnia e de nacionalidade. Isso proporciona uma boa cobertura para camuflar políticas que beneficiam a elite plutocrática à custa de quase todos os demais.

No entanto, em um excelente estudo de 2023, “Populist Leaders and the Economy”, Manuel Funke, Moritz Schularick e Christoph Trebesch chegam a duas conclusões que valem tanto para os populistas de direita quanto para os de esquerda: primeira, ambos tendem a causar danos duradouros à própria democracia; segunda, sua imprudência, nacionalismo e ataques às instituições tendem a impor grandes custos econômicos.

Nos Estados Unidos, ambos os partidos, na prática, agora não veem importância na prudência fiscal. Sem dúvida, os democratas hoje veem poucas vantagens em defendê-la, já que ela frequentemente tem preparado o caminho para cortes de impostos regressivos. Uma boa suposição, então, é que o endividamento americano continuará em alta. Os alertas de Dalio são, portanto, premonitórios. Como certa vez disse o falecido Herbert Stein: “Se algo não pode continuar para sempre, vai parar”. A dúvida apenas é quando e quanto sofrimento isso vai causar. (Tradução de Sabino Ahumada)

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do “Financial Times”.

[Fonte Original]

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