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sexta-feira, julho 11, 2025

Chave privada pode enterrar seus Bitcoins com você: especialista alerta que sem testamento, seus BTCs podem desaparecer

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A popularização das criptomoedas e a digitalização da vida cotidiana trouxeram um novo desafio ao Direito Sucessório: a herança digital. Entre senhas, carteiras digitais, obras em nuvem e contas monetizadas, cresce o número de brasileiros que acumulam patrimônio significativo em ambientes digitais — sem, no entanto, garantir que esses bens sejam transmitidos legalmente aos herdeiros após sua morte.

Em meio à lacuna legislativa brasileira sobre o tema, iniciativas começam a surgir para dar segurança jurídica e operabilidade técnica à sucessão de bens digitais. Uma delas é a da startup brasileira Absense, que anunciou o lançamento de uma plataforma de testamento digital baseada em blockchain.

De acordo com Vinicius Chagas, sócio da Absense, o objetivo é transformar o processo sucessório em uma experiência fluida, acessível e segura.

“Desenvolvemos uma plataforma intuitiva que permite ao usuário criar, editar ou excluir informações em tempo real, sem burocracia, com respaldo da tecnologia blockchain”, afirmou.

De acordo com Chagas, o funcionamento do sistema se baseia no testamento particular previsto no Código Civil, com todas as formalidades exigidas pela lei e reconhecidas pelos tribunais brasileiros.

Segundo o advogado Leonardo Cotta Pereira, sócio da empresa, “o produto respeita os critérios legais e incorpora ferramentas digitais que asseguram a autenticidade e integridade do testamento”.

Testamento digital

A movimentação do setor privado dialoga com os avanços do e-Notariado, plataforma oficial do Colégio Notarial do Brasil (CNB), que já realizou mais de 1,7 milhão de atos online, incluindo testamentos e inventários. Neste ano, o sistema registrou mais de 8 mil Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs), também chamadas de Testamento Vital, todas com registro em blockchain (Hyperledger Fabric).

Para Giselle Oliveira de Barros, presidente do CNB/CF, o aumento da procura revela uma mudança cultural.

“O Testamento Vital permite que o cidadão exerça seu direito de decidir sobre o próprio corpo e tratamento, mesmo quando não puder mais expressar sua vontade”, afirma.

Paralelamente, exchanges como a Binance também começaram a implementar recursos de herança digital em seus sistemas, diante da crescente demanda e dos riscos associados à morte inesperada de usuários.

Desde sua atualização em junho de 2025, a Binance passou a oferecer a função de contatos de emergência e herança automatizada, permitindo que familiares solicitem a liberação de ativos em caso de falecimento do titular da conta.

O recurso surge como resposta a uma realidade preocupante. Segundo o analista Cryptobrave, mais de US$ 1 bilhão em criptoativos ficam retidos por exchanges todos os anos após a morte de usuários.

Na Binance, a estimativa é que até 200 mil usuários morram acidentalmente por ano, o que deixaria ao menos US$ 128 milhões em ativos inativos anualmente, considerando um valor médio de US$ 640 por conta.

A cofundadora da Binance, Yi He, reconheceu o problema e confirmou que a empresa já enfrentou casos de sucessão conturbada por falta de testamentos, envolvendo disputas familiares complexas. Para lidar com isso, a exchange passou a exigir certidões de óbito e provas legais, mas reforçou a necessidade de medidas preventivas.

Changpeng Zhao (CZ), fundador da Binance, foi além e propôs que todas as exchanges adotem funções de “vontade digital”, com mecanismos automáticos para distribuição de ativos conforme designações prévias.

Ele defendeu que “toda plataforma deve ter uma função de testamento para que, quando alguém não estiver mais por perto, seus ativos sejam repassados às contas designadas”.

Isso garante a herança dos meus BTCs?

Essa discussão da herança digital não envolve apenas tecnologia, mas um equilíbrio delicado entre segurança, acessibilidade e legitimidade jurídica. Os sistemas precisam garantir que somente herdeiros legítimos acessem os ativos, evitando fraudes e mantendo a integridade das vontades do falecido.

Segundo Andrey Guimarães Duarte, vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP), essa nova realidade exige planejamento sucessório formal e juridicamente válido, sob pena de perdas irreparáveis.

“Estamos falando de ativos que muitas vezes não deixam rastros bancários, não estão atrelados a registros públicos e dependem exclusivamente de senhas ou chaves privadas. Se o titular não deixar instruções claras, esses bens podem desaparecer”, afirma.

Apesar da crescente de plataformas digitais, o especialista adverte: essas nomeações não têm força jurídica no Brasil.

“A designação de herdeiros feita dentro de uma plataforma pode até produzir efeitos internos, mas não substitui o testamento nem prevalece sobre os herdeiros legais em caso de disputa”, explica Duarte.

A legislação brasileira exige que a transmissão de bens, inclusive digitais, ocorra conforme os trâmites do inventário ou por testamento válido. Caso contrário, qualquer repasse pode ser contestado judicialmente, principalmente se ferir o direito dos chamados herdeiros necessários — como filhos, cônjuges e pais.

“A Binance pode até transferir os ativos ao indicado, mas essa transferência poderá ser anulada caso haja conflito de interesses ou lesão à legítima”, ressalta o vice-presidente do CNB/SP.

Nada ainda substitui o cartório

Diante disso, Duarte defende o uso do testamento público ou cerrado lavrado em cartório como a forma mais segura de incluir criptoativos e bens digitais no planejamento sucessório.

“Esse documento é mais do que uma formalidade. Ele funciona como um verdadeiro mapa jurídico do patrimônio digital. Nele, o testador pode deixar registrado quem recebe o quê e como os herdeiros devem acessar esses ativos, especialmente no caso das criptomoedas, onde a perda da chave privada significa a perda definitiva do bem”, observa.

Além da questão patrimonial, a herança digital envolve aspectos afetivos e identitários. Contas em redes sociais, acervos de fotos, textos, músicas e até perfis com valor simbólico para a família precisam de direcionamento claro.

“Estamos falando também de memória e dignidade. O testamento permite que o titular da conta defina, por exemplo, se deseja que determinado perfil seja encerrado, memorializado ou transferido”, comenta Duarte.

Falta de regulamentação prejudica o setor

Outro ponto central da discussão é a ausência de uma regulamentação específica sobre herança digital no Brasil. Enquanto o Congresso ainda debate projetos de lei sobre o tema, os cartórios assumem um papel essencial de preencher essa lacuna com segurança jurídica.

“O notariado brasileiro tem capacidade técnica e legal para dar forma jurídica à vontade digital das pessoas. O cartório transforma algo informal e disperso em uma declaração formal e protegida por lei”, afirma.

Os riscos de ignorar esse planejamento são concretos. Herdeiros podem enfrentar disputas judiciais complexas, principalmente quando apenas um deles tem acesso à carteira digital ou quando não há qualquer documento que comprove a existência dos ativos.

“Já vimos casos em que os bens simplesmente se perderam porque ninguém sabia como acessá-los. E outros em que houve conflito entre os herdeiros por falta de transparência ou suspeitas de ocultação de patrimônio”, relata Duarte.

Para ele, o testamento não deve ser visto como um instrumento apenas para pessoas idosas ou com muitos bens.

“Qualquer pessoa que tenha patrimônio digital deve considerar o testamento como parte da sua vida financeira. Seja um investidor em criptomoedas, um criador de conteúdo com renda em plataformas ou alguém com acervos digitais relevantes”, conclui.

Para trazer mais clareza ao setor, atualmente, na Câmara dos Deputados, tramita o PL 5820/2019, de autoria do Deputado Federal Elias Vaz (PSB/GO) que pede mudanças na legislação brasileira para que itens virtuais possam ser incluídos em testamentos e termos de herança e, com isso, até mesmo avatares de plataformas de metaverso poderão herdados.

“Uma parte do patrimônio da maioria das pessoas encontra-se nos espaços virtuais, onde é possível guardar músicas, fotos, livros, sendo denominados na sucessão de herança digital, constituindo tais elementos verdadeiras expressões da personalidade. O Direito da personalidade, como é sabido, é vitalício. Todavia, com a morte do seu titular, atualmente, a maioria desse acervo virtual se perde em decorrência da ausência de um meio eficaz e simples para dispor sobre o mesmo”, destaca o deputado.

[Fonte Original]

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