Israel e o Hamas acusaram-se mutuamente, neste sábado, de bloquear as tentativas de chegar a um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, após quase uma semana de negociações indiretas entre as duas partes em Doha, no Catar, para pôr fim a 21 meses de combates violentos no território palestino.
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Uma fonte palestina com conhecimento das discussões no Catar disse à AFP que as propostas de Israel de manter suas tropas no território devastado pela guerra estavam impedindo um acordo para uma pausa de 60 dias. Mas, do lado israelense, um alto funcionário político, também falando sob condição de anonimato devido à delicadeza das negociações, acusou o grupo palestino de ser inflexível e tentar deliberadamente sabotar os esforços para um acordo.
No terreno, a agência de Defesa Civil de Gaza disse que mais de 20 pessoas foram mortas em todo o território neste sábado, incluindo em um ataque aéreo durante a noite em um campo de desabrigados.
— Enquanto dormíamos, houve uma explosão… onde dois meninos, uma menina e sua mãe estavam hospedados — contou Bassam Hamdan à AFP após o ataque em uma área da cidade de Gaza. — Nós os encontramos despedaçados, seus restos mortais espalhados.
No sul de Gaza, corpos cobertos com lençóis plásticos brancos foram levados para o hospital Nasser, em Khan Yunis, enquanto feridos em Rafah foram levados para tratamento em carroças puxadas por burros, em macas ou carregados.
Tanto o Hamas quanto Israel afirmaram que 10 reféns mantidos em cativeiro desde o ataque do grupo armado palestino em 7 de outubro de 2023, que desencadeou a guerra, seriam libertados — se um acordo fosse alcançado.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que estava preparado para entrar em negociações para um fim mais permanente das hostilidades. Mas uma fonte palestina comentou que a recusa de Israel em aceitar a exigência do Hamas de uma retirada completa das tropas de Gaza estava impedindo o progresso nas negociações.
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Uma segunda fonte afirmou que os mediadores pediram a ambas as partes que adiassem as discussões até que o enviado especial do presidente dos EUA, Donald Trump, Steve Witkoff, chegasse à capital do Catar.
— As negociações em Doha estão enfrentando um revés e dificuldades complexas devido à insistência de Israel, até sexta-feira, em apresentar um mapa de retirada, que na verdade é um mapa de redistribuição e reposicionamento do exército israelense, em vez de uma retirada genuína — declarou a primeira fonte.
As fontes acrescentaram ainda que Israel estava propondo manter forças militares em mais de 40% do território palestino, forçando centenas de milhares de palestinos deslocados a uma pequena área perto da cidade de Rafah, na fronteira com o Egito.
— A delegação do Hamas não aceitará os mapas israelenses… pois eles essencialmente legitimam a reocupação de aproximadamente metade da Faixa de Gaza e transformam Gaza em zonas isoladas, sem passagens ou liberdade de movimento — explicaram.
Um alto funcionário político israelense rebateu mais tarde que foi o Hamas que rejeitou o que estava em discussão, acusando o grupo de “criar obstáculos” e “recusar-se a fazer concessões” com o objetivo de “sabotar as negociações”.
“Israel demonstrou disposição para mostrar flexibilidade nas negociações, enquanto o Hamas permanece intransigente, agarrando-se a posições que impedem os mediadores de avançar com um acordo”, acrescentou o funcionário em comunicado enviado à AFP.
Os ataques do Hamas a Israel em 2023 resultaram na morte de pelo menos 1.219 pessoas, a maioria civis, de acordo com um levantamento da AFP baseado em números israelenses. Dos 251 reféns sequestrados, 49 ainda estão detidos, incluindo 27 que, segundo o exército israelense, estão mortos. Pelo menos 57.882 palestinos, também em sua maioria civis, foram mortos desde o início da guerra, de acordo com o Ministério da Saúde em Gaza, controlada pelo Hamas.
O Exército israelense disse neste sábado que havia atacado “aproximadamente 250 alvos terroristas em toda a Faixa de Gaza” nas últimas 48 horas. Os alvos incluíam “terroristas, estruturas com armadilhas explosivas, instalações de armazenamento de armas, postos de lançamento de mísseis antitanque, postos de atiradores, túneis e outras infraestruturas terroristas”, acrescentou.
Dois cessar-fogos anteriores — uma trégua de uma semana que começou no final de novembro de 2023 e outra de dois meses a partir de meados de janeiro deste ano — levaram à libertação de 105 reféns em troca de centenas de prisioneiros palestinos.
De acordo com a segunda fonte palestina disse, “algum progresso” foi feito nas últimas negociações sobre os planos para libertar prisioneiros palestinos detidos por Israel e obter mais ajuda para Gaza.
Netanyahu, que está sob pressão interna e internacional para acabar com a guerra, declarou esta semana que neutralizar o Hamas como ameaça à segurança era um pré-requisito para qualquer negociação de cessar-fogo de longo prazo. Isso incluía o desarmamento do grupo, afirmou, alertando que, caso contrário, Israel teria que fazê-lo à força.