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domingo, julho 13, 2025

Crítica | Superman (2025) – Com Spoilers – Plano Crítico

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  • Leiam, aqui, a crítica sem spoilers.

Superman (2025) chega aos cinemas não como um mero reboot, mas como a bandeira que marca o início audacioso do novo Universo Cinematográfico DC comandado por James Gunn e Peter Safran. Apesar de ser um reinício para o azulão nas telonas, a produção não reconta as origens do último filho de Krypton em flashbacks prolongados, simplificando a origem clássica do herói em um letreiro econômico que rapidamente estabelece a presença do alienígena na Terra e a existência de meta-humanos nesse novo universo. Isso dá a tônica do restante do filme, com um roteiro que mastiga contexto e que evita o máximo possível de explicações mitológicas, simplesmente nos colocando dentro da história. É uma abordagem inteligente por parte de Gunn, que entende que a audiência já está acostumada com o gênero e calejada de saber como o Superman veio parar em Kansas.

É nesse sentido que o filme exume naturalidade. Descartando o que não importa, correndo de exposições bobas e pontilhando referências aqui e ali para o futuro do projeto – como o cameo do Pacificador, as pistas de The Authority (o bloco da equipe militar de Luthor) e a chegada de Supergirl no epílogo (mais disso à frente) -, Gunn faz o que sempre soube fazer em Guardiões da Galáxia: expande o universo sem perder sua veia autocontida. Não precisamos saber como Guy Gardner (Nathan Fillion, divertidíssimo no papel) é um protetor da Terra; não há necessidade de trazer à tona Thanagar para explicar a existência da Mulher-Gavião (Isabela Merced); tampouco precisamos entender porque existe um cachorro com super-poderes. É um texto que puxa HQs clássicas em sua essência: personagens coloridos, histórias simples, tramas tingidas de morais básicas e cafonas. O Superman tem um cuecão, ele quer paz, se comove facilmente e representa o oposto da complexidade à sua volta.

Assim, começamos com Clark Kent (David Corenswet) como o Homem de Aço consolidado, três anos após assumir sua missão heroica, já estabelecido, porém à beira de uma crise existencial. Logo nas primeiras cenas, somos surpreendidos. Superman é derrotado pelo enigmático “Martelo da Borávia”, uma figura brutal que o confronta durante uma intervenção internacional. É uma queda pública que põe em xeque não só suas habilidades, mas as motivações por trás de seu heroísmo. A sequência não apenas serve como catalisador para o arco narrativo, mas sinaliza que este Superman é falível, humano e sua aura de invencibilidade será testada. Também se agarrando às características jornalísticas da mitologia do personagem, esse início traz um pouco de sensibilidade política, algo que permearia o restante da trama, em especial no arco de Lois Lane (Rachel Brosnahan), Jimmy Olsen (Skyler Gisondo) e Bunk Perry White (Wendell Pierce) como o trio de coadjuvantes imbatível de Clark.

A aparente derrota do herói não é apenas física; é simbólica. Ele cai junto com a expectativa pública (dá até para traçarmos um paralelo com a imediatista cultura de cancelamento, muitas das vezes hipócrita, com a cena dos macacos digitando palavras de ódio online sendo bem divertida). Em poucos minutos, Gunn estabelece o que a queda do protagonista reverbera: questiona o fanatismo e deixa claro que vivemos no mundo da dúvida e da manipulação midiática. E isso é o que Superman promete explorar, o herói que pode ser vencido, que erra, que sangra, que reflete sobre seus atos e que muitas das vezes perde as guerras que não são lutadas com punhos. Num mundo cínico, é difícil acreditar no que ele representa: esperança voando pelos céus. Corenswet assume muito bem o papel, com uma interpretação de Clark menos arrogante. Ele ergue o cenho quando precisa, mas também hesita, vacila, chora e pergunta (só gostaria de ter visto um pouco mais dele no Planeta Diário).

A presença de Lex Luthor (Nicholas Hoult), a versão oposta do protagonista, é, portanto, perfeita como o vilão real por trás do golpe, representado aqui como o clássico invejoso maquiavélico, mas que também é remodelado como um bilionário tecnocrata manipulador à la Elon Musk. Entre uma caricatura megalomaníaca e um empresário-político articulado, Luthor tem um verniz de respeitabilidade que esconde uma ideologia que flerta perigosamente com os discursos fascistas do mundo real. A crítica política é clara — e até um tanto didática — mas bem-vinda, especialmente quando Gunn não se furta de mostrar como a imagem de um “imigrante” superpoderoso gera medo em quem se beneficia do status quo. Há paralelos evidentes com discursos de xenofobia e nacionalismo tóxico, mas tudo isso é costurado com habilidade suficiente para não parecer panfletário e também não tão denso para evitar que o filme perca seu lado mais pueril (até gostaria que a obra se aprofundasse um pouco mais no conflito de Borávia e Jarhanpur).

Para questionar o Superman, o roteiro tem duas reviravoltas que mexem com a identidade do protagonista. A primeira (e mais audaciosa) está nas suas origens kryptonianas, em que Jor-El (Bradley Cooper) e Lara (Angela Sarafyan) revelam que sua missão não era salvar, era conquistar. Gostaria que isso tivesse sido desenvolvido um pouco melhor, mas essa inversão de expectativas é interessante, pois desmonta a base moral do herói, impregnado agora de poder colonizador, com a narrativa se bifurcando: Clark em conflito com o destino que lhe foi dado por seus pais biológicos e o que aprendeu nos campos do Kansas. A resolução é óbvia, mas não deixa de ser bonita, com o protagonista escolhendo a humanidade (o discurso dele para Luthor e a montagem final dele com John e Martha são bem bacanas para representar esse sentimento). Ao longo de tudo isso, a mensagem é um presente invertido aos fãs: o Superman tradicional foi questionado, e isso traz um frescor temático para a adaptação, que tem a abordagem humana e esperançosa de Richard Donner no clássico Superman, de 1978, mas que também molda seu próprio estilo com o homem que deveria representar esperança se vendo diante do espelho, confrontando a escuridão da sua origem.

A segunda reviravolta é a literalidade dessa metáfora: Ultraman é, na verdade, um clone do Superman. É um plot-twist beeeem previsível, facilmente percebido quando Luthor consegue entrar na Fortaleza da Solidão, mas que também é funcional e orgânico, seja dentro da mitologia do personagem (clonagem é algo recorrente em suas histórias), seja na própria trama de Luthor manifestando sua inveja com o clone. Olhando um pouco para fora do filme, achei inusitado a adaptação de Gunn para o Ultraman, que nos quadrinhos é a versão sombria do Superman de outra dimensão, enquanto a figura do filme se aproxima mais do Bizarro (me parece que é algo mais relacionado ao nome, já que “Bizarro” não seria exatamente um bom marketing para a LuthorCorp). O vilão secundário serve bem ao seu propósito como o canhão de Luthor, incluindo um artifício inteligente de Gunn para colocar o antagonista principal nas lutas: o uso de instruções quase de video-games para batalhar o azulão.

Um grande receio meu antes do filme – algo que compartilho com meu colega Ritter Fan em sua crítica sem spoilers -, era o inchaço do elenco. Mas Gunn é esperto na forma com usa os coadjuvantes. Começando por Lois Lane, a personagem não é apenas o suporte romântico, mas sim co-protagonista: quem junta as provas com Olsen, desarma a narrativa, publica a matéria que derruba Luthor e resgata a reputação de Clark. Como sempre, ela é a grande jornalista (o bloco que ela enfrenta o Superman com perguntas ácidas é excelente), não flor decorativa. A química entre os dois é simples, mas profunda, e Brosnahan encarna Lane com uma mistura de inteligência afiada, vulnerabilidade, humor e coragem moderna, sem recorrer a estereótipos. Olhando de um ponto negativo, sinto que o bloco dela com a nave e a publicação da matéria é um tanto conveniente demais (principalmente a forma que ela e Olsen descobrem os planos de Luthor com as selfies de sua namorada), talvez até dando uma barriga na reta final da obra, mas tudo tem aquela simplicidade gostosinha de assistir.

Krypto é outro que rouba a cena, servindo, como esperado, de alívio cômico e fofura ambulante, mas tem um papel importante surpreendente nas batalhas. A “Gangue da Justiça” também surpreende como elenco de apoio, aparecendo em momentos pontuais, cada um com personalidade própria e bem atuados, mas sem roubar muito tempo da narrativa. O Sr. Incrível (Edi Gathegi) é o que mais ganha tempo de tela, mas, novamente, com uma presença que não soa aleatória ou inchada, inclusive protagonizando a melhor cena de ação do filme, na minha opinião (também aparecendo em uma divertida cena pós-crédito, para quem tenha perdido). O grupo de maneira geral lembra os Guardiões da Galáxia de Gunn, com a pegada cômica, o estilo quadrinesco e o carisma deles em conjunto (quero muito um filme da equipe, seja como Liga da Justiça Internacional ou Sociedade da Justiça). Junta-se a isso o Metamorfo (Anthony Carrigan), que também é inserido de maneira orgânica na história, e os meta-humanos são apresentados com leveza o suficiente para criar a sensação de universo compartilhado, mas sem atropelar a dramaticidade principal.

Minha reclamação de inchaço com o roteiro é mais em relação à trama em si do que necessariamente a quantidade de personagens, apesar de ser algo ameno e não grave. A história envolve meta-humanos, clones, universos paralelos, trama global, conflito geopolítico, guerra em campos distantes, buraco negro, etc, chegando a um ponto que a narrativa sofre um pouco com tantos elementos, o que acaba influenciando em um clímax menos potente do que poderia ser em Metrópolis (que carece de um espetáculo maior na luta final com o Ultraman) ou no conflito internacional (que ganha dois minutos de tela de resolução, quando a Gangue da Justiça aparece na fronteira). Ainda assim, o desfecho é cheio de boas simbologias: Superman superando seu reflexo corrupto; o jornalismo clássico salvando as mentiras midiáticas; e o trabalho em equipe derrotando o mal. No final, Superman salva o mundo com confiança e inteligência, não só super-força.

Esteticamente falando, a produção é, acima de tudo, um raro exemplar contemporâneo de filme de quadrinhos que verdadeiramente abraça sua essência como tal. Entre uma luta com um Kaiju gigante, um universo paralelo com rio de prótons e figuras com roupagens exageradas, ao invés de se envergonhar da origem pulp ou tentar suavizar a estética em nome de um “realismo” cinematográfico pasteurizado, o longa mergulha de cabeça na linguagem e no estilo das HQs, evocando as páginas desenhadas com uma plasticidade visual deslumbrante, com cores saturadas, enquadramentos expressivos e transições que remetem à diagramação clássica das revistas. Às vezes temos alguns vacilos nessa abordagem mais galhofa, como algumas cenas de voo com close-up, mas a direção de James Gunn demonstra profundo respeito por esse universo, não só na iconografia e nas referências visuais (como o uso preciso das sombras, das silhuetas e das poses emblemáticas do herói), mas também na maneira como a narrativa se organiza em arcos claros, com introduções, clímax e viradas dramáticas que soam como painéis vivos.

É um filme que reconhece que a força do Superman reside tanto em sua humanidade quanto em sua mitologia, e por isso permite-se ser grandioso, sentimental, fantasioso e, ao mesmo tempo, profundamente fiel ao espírito das HQs e das fases mais brilhantes da DC Comics com o azulão. O design de produção segue a mesma toada, acertando em cheio: a sede de Lex Luthor, o Planeta Diário, a Fortaleza com robôs, os campos de batalha, tudo tem identidade quadrinesca e salta aos olhos imediatamente. Ajuda como tudo é acompanhado por uma trilha sonora que respeita o legado sem cair em nostalgia barulhenta. John Murphy e David Fleming reúnem o tema clássico de John Williams com um sopro renovado, num refrão que soa nostálgico e ao mesmo tempo moderno. Não é um filme feito para uma audiência cínica, seja narrativamente ou visualmente.

Apesar de certos elementos clássicos, Superman (2025) é um filme de transição, entre eras, tom, públicos e possibilidades, que reverencia um estilo do passado, ao mesmo passo que desafia audiências já acostumadas com o estilo moderno do gênero de super-heróis, em especial com o que se esperava da DC sempre sombria nos últimos anos. É um passo interessante para uma reestruturação desse universo no Cinema e quem sabe um frescor longe da Marvel, com um projeto que tem um reinício digno do seu material de origem, com dicas para um futuro promissor, em especial com a presença no epílogo de uma Supergirl (Milly Alcock) muito diferente do que ganhamos no audiovisual. É uma deixa certeira para o futuro. Sua presença abre portas para novos caminhos e sinaliza que o DCU se expande de verdade, sem amarras. A sensação é que a reinicialização veio para somar, não para remendar pontas de esquemas anteriores – só me pergunto como ficará a linha do tempo com O Esquadrão Suicida e Pacificador.

Mesmo com ressalvas aqui e ali, da primeira queda até o último abraço em Lois, vemos nessa nova versão do Homem de Aço a construção de algo maior do que um blockbuster previsível: o Superman reaparecendo diante de nossos olhos, em tudo que verdadeiramente representa. Com gargalhada, lágrima e, sobretudo, esperança, essa palavra que tanto queremos ouvir, mas não sabemos mais acreditar. Mal posso esperar para o que mais Gunn nos reserva nessa fase que promete muito!

Superman (Idem – EUA, 2025)
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Elenco: David Corenswet, Rachel Brosnahan, Nicholas Hoult, Edi Gathegi, Nathan Fillion, Isabela Merced, Anthony Carrigan, Pruitt Taylor Vince, Neva Howell, Wendell Pierce, Skyler Gisondo, Beck Bennett, Mikaela Hoover, Christopher McDonald, Sara Sampaio, Terence Rosemore, Frank Grillo, María Gabriela de Faría, Milly Alcock, Sean Gunn, Grace Chan, Alan Tudyk, Michael Rooker, Pom Klementieff, ,Jennifer Holland, Bradley Cooper, Angela Sarafyan, Stephen Blackehart,  Michael Rosenbaum, Will Reeve
Duração: 129 min.



[Fonte Original]

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