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terça-feira, julho 15, 2025

Filantropia não é startup

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O anúncio do fechamento da Primary School, idealizada por Mark Zuckerberg e Priscilla Chan, vai muito além do encerramento de uma instituição de ensino. Representa o colapso de um modelo que se autodenominava filantrópico, mas que operava, desde o início, sob a lógica implacável do Vale do Silício: resultados rápidos, escalabilidade imediata e baixa tolerância ao erro. Fundada com a promessa de oferecer educação transformadora a crianças de comunidades vulneráveis de Palo Alto, a escola se despede sem que nenhuma de suas primeiras alunas ou alunos tenha se formado.

O motivo é revelador: custos altos, queda nas doações e ausência de retorno no curto prazo. Não se trata de decisão tomada com base no impacto social ou no bem-estar das famílias atendidas. Trata-se de cálculo. Uma equação que, ao deixar de fechar, autoriza o abandono. E é justamente este o ponto: filantropia de verdade não se baseia em cálculos frios, mas em compromisso ético de longo prazo com a dignidade humana.

Filantropia é, por definição, amor pela humanidade. Como todo amor genuíno, não é conveniente. É persistente, resiliente e profundo. Exige escuta, continuidade, responsabilidade com o outro. Não se pode simplesmente desligar a luz, encerrar as matrículas e desejar sorte às famílias que dependiam daquela escola. Isso não é filantropia. É o fracasso de um experimento que nunca foi desenhado para resistir ao tempo e à complexidade que toda transformação social exige.

Durante anos, Zuckerberg e Chan foram apontados como o casal símbolo da nova filantropia americana. Jovens, bilionários, bem formados, empenhados em causas nobres e progressistas. Mas bastou a maré política nos Estados Unidos virar contra a agenda de diversidade, equidade e inclusão para que sua iniciativa mais emblemática nessa área fosse descontinuada. Coincidência? Não parece. Em vez de resistir, como exige uma atuação comprometida, escolheram redirecionar seus recursos para áreas mais “estratégicas”, como inteligência artificial e biomedicina. Conveniente. Rentável. Politicamente seguro.

Acrescente-se a isso o fato de, nos Estados Unidos, a filantropia gozar de incentivos fiscais bem definidos. O mesmo não ocorre no Brasil, onde a inexistência de política tributária favorável obriga nossos filantropos — estes, sim, comprometidos — a investir em causas sociais por devoção, amor ao próximo e o espírito de humildade daqueles que servem sem esperar retorno.

O que mais me entristece nesse episódio é perceber que, enquanto o discurso da inovação continua encantando setores inteiros da filantropia global, o essencial vai se perdendo: o senso de responsabilidade com os mais frágeis. Educação não é campo de testes. Crianças não são protótipos. Famílias inteiras não podem ser tratadas como usuárias beta de uma plataforma social a ser descontinuada.

Iniciativas educacionais precisam de tempo. De enraizamento na comunidade. De escuta ativa. De empatia. Não há transformação possível em uma década, muito menos quando se exige que ela atenda às mesmas métricas de sucesso de uma startup em busca de se tornar um unicórnio.

Filantropia não é investimento de risco. É investimento de fé — nas pessoas, na educação, na justiça social. Fé que não se abala com as oscilações do mercado, que não abandona quando o retorno demora, que não terceiriza sua missão a algoritmos.

É preciso fazer um chamado ao campo filantrópico, em especial àqueles comprometidos com a mudança sistêmica: não podemos medir resultados sociais com régua de investidor anjo. Precisamos de métricas que considerem o tempo humano, a complexidade social, o valor da persistência.

Sem isso, seguimos substituindo amor por capital, compromisso por conveniência. Nesse caminho, as escolas fecham. As promessas murcham. E quem mais precisa, mais uma vez, fica para trás.

*Patrícia Villela Marino é presidente do Instituto Humanitas360

[Fonte Original]

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