Crédito, Embaixada do Brasil na Argentina
- Author, Vitor Tavares*
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
Quase 50 anos após desaparecer em Buenos Aires às vésperas do golpe militar na Argentina, o pianista Francisco Cerqueira Tenório Júnior, o Tenorinho, foi confirmado morto, informou a Embaixada do Brasil na Argentina neste sábado (13/9).
Parceiro de Vinicius de Moraes e Toquinho, Tenório Jr. foi visto pela última vez em 18 de março de 1976, após show lotado na área central de uma Buenos Aires que vivia uma instabilidade política pré-golpe militar. Ele saiu do hotel para ir à farmácia e comprar cigarro – e nunca mais foi visto.
De acordo com a Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), uma organização científica independente que há mais de 40 anos investiga casos relacionados a desaparecimentos políticos ocorridos no país, Tenório Jr. foi identificado por meio da comparação de impressões digitais colhidas num corpo ainda em março de 1976.
“Embora seu corpo não tenha sido recuperado, sabe-se que foi enterrado no cemitério de Benavídez”, em Buenos Aires, diz a EAAF.
“Nos últimos dias, graças ao trabalho da Justiça argentina na busca pela verdade sobre os desaparecidos, foi possível confirmar que o corpo de um homem encontrado em Don Torcuato em 20 de março de 1976, dois dias após o desaparecimento, era de Tenorinho”, informou em nota a Embaixada brasileira.
Don Torcuato é uma cidade da área norte da região metropolitana de Buenos Aires.
Segundo a EAAF, quando o corpo foi encontrado em 1976, as impressões digitais foram coletadas e uma autópsia foi realizada. A conclusão foi de que aquele homem havia morrido por disparos de arma de fogo.
Tenorinho, porém, foi enterrado sem identificação.
A identificação agora veio por meio de um processo recuperado pela Procuradoria de Crimes contra a Humanidade da Argentina, que realiza um levantamento de casos ocorridos entre 1975 e 1983 em que corpos foram encontrados em via pública, mas que não foram identificados.
“As impressões digitais do caso de 1976 foram comparadas com as de Tenório Júnior arquivadas no Brasil, confirmando a identidade do pianista brasileiro”, disse a EAAF.
O músico estava em turnê pelo Uruguai e Argentina junto a Vinicius de Moraes, Toquinho, Mutinho e Azeitona quando despareceu.
Naquele momento, como se sabe agora, interrompia-se a vida e a carreira de um dos nomes mais destacados da música instrumental brasileira, mestre na fusão de bossa nova e jazz.
Aquela época era um período de perseguições, sequestros, torturas e mortes de opositores na Argentina e no Brasil.
Mas o caso de Tenorinho sempre foi intrigante porque ele não tinha atividades políticas, segundo pessoas próximas.
Vinicius chegou a procurá-lo em hospitais e delegacias de polícia da capital argentina.
Toquinho disse que o pianista “era de grande talento, considerado um dos músicos mais importantes da bossa nova”.
E lembrou que seu destino incerto faz parte dos versos da música Lembranças, que fez com Miltinho: “Tenório saiu sozinho na noite / Sumiu / Ninguém soube explicar”.
Neste sábado, após a divulgação da identificação dos restos mortais, artistas que conviveram com Tenório Jr. se emocionaram com a notícia.
A cantora e compositora Joyce Moreno o chamou de “lenda do samba-jazz, um dos maiores músicos brasileiros de sua geração”, além de uma pessoa “que nunca se interessou por política e afins, seu negócio era música”.
“Meu amigo querido Tenório Júnior – que você finalmente esteja em paz.”,
“O que ele estaria fazendo hoje? Como estaria compondo? Até onde sua música o teria levado? E principalmente – até onde ele teria levado a música instrumental brasileira? Porque não foi só o desaparecimento de um homem, o que já é terrível. Mas foi também a perda de uma linguagem musical única, que ele começara a desenvolver”, escreveu a cantora no Instagram.
À emissora GloboNews, Toquinho, parceiro de Tenorio Jr., disse que a confirmação da Argentina após quase 50 anos “é o mínimo de conforto para a família”.
“Estávamos terminando uma turnê e nessa noite fatídica ele foi pego por engano ou não, contou a verdade talvez para os seus torturadores, mas, depois que souberam que estava falando a verdade, por isso mesmo acho que o mataram”, declarou o músico.
Toquinho disse ainda que Tenório foi “vítima de um tempo terrível na América do Sul”. “Felizmente, esse tempo passou.”
Sequestro

Crédito, Marcia Carmo/BBC
O sequestro de Tenorinho ocorreu seis dias antes do golpe militar na Argentina, no dia 24 de março. Mas naquela data em que o músico saiu e não voltou, o país já vivia a tensão provocada por atos antidemocráticos contra o governo da então presidente Isabel Perón e que culminaram no golpe.
Uma das versões é a de que, barbudo, ele pode ter sido confundido com o que na época se chamava de “subversivo” – pejorativo que incluía a aparência.
Havia também a hipótese de que o sequestro pudesse ter sido ordenado pelo regime militar no Brasil.
A situação de Tenorinho está reunida em várias pastas com documentos amarelados no arquivo do Museu Sitio da Memória ESMA. Ali, no bairro portenho de Nuñez, funcionou o centro de tortura Escola de Mecânica da Marinha, durante a ditadura (1976-1983). Nas pastas estão reunidas as informações disponíveis sobre o caso.
Tenorinho, segundo a versão do repressor argentino Claudio Vallejos, teria sido sequestrado, torturado e morto ali naquele lugar.
Mas os documentos apresentados por Vallejos não foram ratificados por seus superiores.
Tenorinho deixou quatro filhos e uma esposa grávida no Brasil, em 1976.
Com reportagem de Marcia Carmo, de Buenos Aires para BBC News Brasil em 2021.

Crédito, Marcia Carmo/BBC

Crédito, Acervo do Museu da Esma