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terça-feira, setembro 16, 2025

Crítica | Black Science – Vol. 1: Como Cair para Sempre – Plano Crítico

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Imaginem – aqueles que tiverem a “idade apropriada”, claro – a clássica série de TV Túnel do Tempo em que uma máquina do tempo quebrada na forma de uma espiral manda dois cientistas amigos para diversos momentos importantes do passado, em que, a cada vez, eles precisam impedir que o futuro seja alterado. Agora troquem “túnel” por “pilar”, “tempo” por “dimensão” e “dois amigos” por “um pai, seus dois filhos e diversos cientistas agregados” e pronto, isso é exatamente o que Rick Remender fez em seu sensacional épico sci-fi em quadrinhos Black Science, publicado em 43 edições entre 2013 e 2019 (a presente crítica, porém, é apenas do primeiro arco, composto pelas seis primeiras edições). Sem se fazer de rogado, o roteirista, criador de, dentre outros, Fear Agent, Deadly Class e Low, não perdeu a oportunidade de dar uma abordagem camp ao material que criou ao trazer elementos de clássicos ainda anteriores à Túnel do Tempo, como Buck Rogers e Flash Gordon, de maneira a fazer com que sua premissa simples – mas vendida com a complexidade que o conceito de múltiplas dimensões permite – de pulos entre universos paralelos com uma contagem regressiva para outros pulos e assim por diante funcionasse sem que ele precisasse se agarrar a preciosismos científicos ou deixar de usar com generosidade todo o tipo de clichês do gênero.

A narrativa, que se inicia já frenética em meio ao mais completo caos sem dar descanso ao leitor, gira em torno do cientista anarquista Grant McKay que inventa o que ele chama de Pilar, uma máquina que permite viagens interdimensionais que, de acordo com ele e com seus entusiasmados colegas, permitirá o desenvolvimento exponencial de tecnologias benéficas à nossa dimensão. No entanto, um problema (ou seria sabotagem?) no aparelho acaba levando-o e também sua equipe, além de seus dois filhos e um burocrata que obedece as ordens de quem patrocinou a experiência, para várias dimensões diferentes, sem qualquer controle. Funcionando aleatoriamente, o Pilar faz o transporte de dimensão em dimensão, ficando por tempos diferentes em cada lugar, de minutos a dias, com o grupo tendo que lidar com o que quer que seja que eles encontrem na realidade alternativa em que estão, como a primeira que vemos em que templos maias em cima de tartarugas gigantescas servem de palco para sapos antropomórficos oprimirem peixes antropomórficos que cavalgam moreias. 

Com isso, claro, a estrutura da obra ganha contornos de “uma dimensão por número”, o que, em mãos menos hábeis, cansaria muito rapidamente, especialmente na velocidade com que tudo acontece. No entanto, Remender não está sozinho e seu impressionante trabalho imaginativo – cada dimensão é impossivelmente diferente da outra – é trazido à vida pela belíssima arte de Matteo Scalera e cores de Dean White que assombram a cada virada de página. Se os anfíbios moradores de templos em cascos de tartarugas gigantes parece o suprassumo da criatividade, há muito mais para os Dimensionautas e leitores apreciarem já nesse primeiro arco que tem como objetivo nos aclimatar ao périplo de McKay e seu grupo, como uma versão da Terra em que o Destino Manifesto (caso não saiba o que é, leia aqui) aconteceu ao contrário, com os nativos americanos avançando tecnologicamente e atacando a Europa, até uma dimensão aparentemente tomada por símios de pelo branco que são controlados por entidades fantasmagóricas inteligentes. A sucessão vertiginosa de situações exige muito dos artistas e eles não hesitam em literalmente criar mundos muito detalhados que realmente parecem, apenas com imagens, contar sua história, cada um com sua própria lógica interna e sua mitologia e de que, às vezes frustrantemente, vemos muito pouco.

E Remender precisa disso, na verdade, pois não há texto capaz de cobrir a velocidade com que as coisas acontecem e a necessidade de se contextualizar o que vemos. Não fosse o trabalho de Scalera e White contando-nos visualmente aquilo que os diálogos apenas arranham, o resultado final de Black Science seria apenas comum, nada particularmente especial. Justiça seja feita, porém, Remender não se contenta em arremessar o leitor de uma dimensão para outra assim, sem mais nem menos. Há uma história maior por trás e que é contada por intermédio de flashbacks não necessariamente lineares que, ao longo dos seis números que formam o volume criticado, contam em detalhes como é que McKay e seu grupo foram parar nessa situação e todas as falhas de caráter do protagonista que, porém, vêm do manual básico de roteiro, ou seja, ele é o “bom e velho” adúltero e pai ausente mergulhando obsessivamente em seu trabalho e, claro, sente o peso da culpa do que ele fez (e não fez) a vida toda com sua esposa e filhos. E, assim com a cebola que o cientista usa como metáfora para explicar as várias dimensões, a narrativa se desdobra em mais camadas ainda, quando um misterioso ser de armadura chega com o objetivo de sequestrar os filhos de McKay, engrossando o caldo da história e criando o equivalente interdimensional dos paradoxos temporais de obras baseadas em viagem no tempo.

Claro que esse início é, realmente, somente um início. O próprio conceito de criação de universos paralelos a cada decisão que tomamos já transforma um Dimensionauta em uma espécie de mega-bagunçador do Sempreverso, que é como o autor chama o multiverso aqui, o que faz de cada decisão nas páginas da HQs, ferramenta que atiça o fogo de outras dimensões, criando-as e alterando-as, automaticamente levando a uma potencial retroalimentação infinita. Há, evidente, um plano macro, de longo alcance, que Remender criou para sustentar sua obra e o que vemos, aqui, são as sementes para o que está por vir. Não há dúvida que pular de dimensão em dimensão é altamente divertido, especialmente por libertar os artistas das amarras que teriam caso fosse uma história que se passasse em apenas um local, mas esse artifício muito rapidamente perderia o gás e tornar-se-ia repetitivo e até cansativo, por melhor que fosse o roteiro. Com isso em mente, Remender renova a história com constância, salpicando informações inéditas sempre que necessário para manter o frescor de sua narrativa e expandir a mitologia de uma forma lógica e coesa. Black Science já mostra a que veio logo nesse primeiro volume. Um delicioso exemplar da ficção científica pulp clássica que literalmente sedimentou o gênero no começo do século passado.

Obs: Uma versão desta crítica pelo mesmo autor foi publicada originalmente no site em 2015. Ela, agora,  foi substituída por essa, definitiva, como parte de um projeto que trará as críticas de todos os demais volumes da série.

Black Science: vol. 1 – How to Fall Forever (EUA, 2013/2014)
Contendo: Black Science #1 a 6
Roteiro: Rick Remender
Arte: Matteo Scalera
Cores: Dean White
Letras: Rus Wooton
Editoria: Sebastian Girner
Editora original: Image Comics
Datas originais de publicação: entre novembro de 2013 e abril de 2014
Editora no Brasil: Editora Devir
Data de publicação no Brasil: março de 2019
Páginas: 160



[Fonte Original]

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