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- Author, Alessandra Corrêa
- Role, De Washington para a BBC News Brasil
Entre possíveis medidas citadas pela Eurasia também estão suspensões adicionais de vistos para funcionários do governo brasileiro e a aplicação da Lei Magnitsky para outros ministros do STF além de Moraes.
Em entrevista à BBC News Brasil, o diretor-executivo para as Américas do grupo Eurasia, Christopher Garman, disse que a classificação do PCC e do CV como organizações terroristas não parece ser uma decisão iminente, mas pode ocorrer nos próximos meses.
“O desafio de quando você denomina PCC e CV como organização terrorista é que tem que identificar quais grupos estão ajudando essas organizações. E, dado o tamanho, a sofisticação e a entrada desses grupos no setor privado, não é fácil”, observa Garman.
“Se estendermos o horizonte nos próximos seis a oito meses, acho que a probabilidade aumenta”, afirma.
Tido como a maior organização criminosa do país, o PCC é suspeito de estar por trás do assassinato a tiros, na segunda-feira (15/09), do ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, em Praia Grande, na Baixada Santista. Fontes era tido com um dos principais inimigos do PCC.
Governo Trump e o foco no narcotráfico da América Latina
O debate no governo americano sobre designar facções criminosas brasileiras como organizações terroristas não é novo, e uma eventual decisão não seria motivada exclusivamente pelo resultado no STF, apesar de ter relação com o julgamento.
“Podemos associar isso como uma sanção relacionada ao julgamento de Bolsonaro”, diz à BBC News Brasil o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard Vitelio Brustolin.
“Mas também como uma medida que iria acontecer de qualquer forma, por conta das prioridades dos Estados Unidos”, ressalta, destacando o endurecimento do governo americano em relação ao tráfico de drogas.
O governo Trump já inclui em sua lista de organizações terroristas outros grupos criminosos latino-americanos, como o venezuelano Tren de Aragua e seis cartéis mexicanos.
Garman, da Eurasia, salienta que o governo Trump está muito focado no combate ao narcotráfico na região, um tema que também é relevante para fins eleitorais domésticos.
“A presença naval na costa da Venezuela é sinal disso”, ressalta.
Há duas semanas, Trump anunciou que forças americanas atacaram um barco que vinha da Venezuela e transportava drogas ilegais em águas internacionais, matando 11 “narcoterroristas”. Na segunda-feira (15/09), anunciou que houve mais um ataque do tipo.
O governo americano também ordenou o envio de 10 jatos F-35 para Porto Rico a fim de realizar operações contra organizações “narcoterroristas” na região do Caribe.

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O sul do Caribe já tem forte presença militar dos Estados Unidos, incluindo navios de guerra.
“[O terrorismo] não pode ser confundido com os desafios de segurança pública que muitos países enfrentam. São fenômenos distintos e que não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional”, disse o presidente brasileiro.
“A presença de forças armadas da maior potência do mundo no Mar do Caribe é fator de tensão incompatível com a vocação pacífica da região”, afirmou Lula.
Em caráter reservado, diplomatas mencionam o temor de que os Estados Unidos utilizem o combate ao narcotráfico e a classificação de grupos como terroristas para justificar operações militares na região.
Rejeição do Brasil a pedido de secretário americano
Em visita a Brasília em maio, o responsável pelo setor de sanções do Departamento de Estado, David Gamble, solicitou formalmente que o Brasil adotasse a designação.
Em reuniões com representantes do Ministério da Justiça, Gamble argumentou que essas facções criminosas têm conexões com cartéis internacionais e representam uma ameaça à segurança dos Estados Unidos.
O governo brasileiro, porém, rejeitou o pedido. O argumento citado na época pelo secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, em entrevistas à imprensa, foi o de que facções como PCC e CV não se enquadram na definição de terrorismo da legislação brasileira.
A Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) brasileira considera terrorismo atos “cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
Mas a mesma lei diz que esses atos devem ter “razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”.
A questão da motivação faz com que essas facções, apesar de suas atividades criminais, não se enquadrem na definição, segundo argumentou o governo brasileiro.
Esses grupos buscam lucro financeiro por meio de atividades ilícitas, como tráfico de drogas, armas e crimes financeiros, mas não teriam como motivação xenofobia, discriminação ou preconceito.
Nessa interpretação, sua finalidade seria econômica — não política ou ideológica.
Na ocasião, Sarrubbo defendeu que o governo brasileiro estava combatendo essas organizações, mesmo sem a designação de organização terrorista.
“Essa recusa [do Brasil] reflete preocupações de ordem jurídica, política, de segurança e de soberania”, diz Brustolin, lembrando que o governo brasileiro reforçou que prefere tratar a questão com políticas internas e cooperação regional.
“Designar essas facções como terroristas significaria para o Brasil uma ingerência externa no sistema jurídico e de segurança nacional, enfraquecendo a soberania”, afirma Brustolin.
“Essa classificação [também] poderia gerar narrativas políticas adversas, com setores internos criticando uma possível aceitação do governo de pressão externa”, complementa.
Implicações

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No entanto, os critérios para denominar um grupo como terrorista variam conforme o país, e os Estados Unidos podem incluir organizações estrangeiras em suas listas de terrorismo unilateralmente.
Isso aumentaria a gama de sanções que o governo americano poderia adotar contra instituições financeiras que têm negócios com esses grupos.
“O reconhecimento [das facções criminosas brasileiras] como organizações terroristas facilitaria a aplicação de sanções e cooperação internacional”, diz Brustolin, acrescentando que isto poderia favorecer investigações e o congelamento de ativos.
“Os correspondentes bancários teriam que limitar operações em dólares com instituições e clientes brasileiros considerados de risco, afetando o comércio e as transações financeiras”, diz.
Brustolin também cita sanções secundárias.
“Empresas estrangeiras que mantivessem negócios com alvos poderiam ser penalizadas pelos Estados Unidos.”
Garman, da Eurasia, lembra que uma eventual designação como organização terrorista criaria “um passivo jurídico para integrantes de instituições financeiras e empresas brasileiras que possivelmente têm negócios com empresas de fachada do crime organizado”.
“É claro que o governo brasileiro está também combatendo o crime organizado”, diz Garman.
“Não é que o governo não queira tomar medidas contra o crime. Mas só a listagem de uma instituição que está fazendo negócios com o crime [já] pode ter implicações reputacionais”, acrescenta o analista, apontando para possíveis impactos na imagem de empresas e abalos no setor privado.