Depois da retração em 2023, as mil maiores empresas do Brasil reagiram no ano passado, com alta de 8,2% na receita líquida, que somou R$ 7,9 trilhões. Descontada a inflação apurada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o crescimento ficou em 3,2%, impulsionado em grande parte pelo mercado de trabalho aquecido e pelo aumento de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB). É uma guinada na comparação com os números do ano anterior, quando a receita líquida total encolheu 1,5%, com 5,8% de queda real, no pior desempenho desde o início da série histórica do Valor 1000, em 2001. Mas nem tudo é boa notícia.
Na contramão da receita maior, os lucros líquidos diminuíram pelo segundo ano consecutivo. Depois da retração de 27,6% em 2023, veio a queda de 26,4%, para R$ 330 bilhões, em 2024. Contribuíram para o tombo os juros e o dólar mais altos, embora o câmbio também tenha beneficiado as empresas exportadoras.
Entre as 953 empresas que informaram seus lucros ou prejuízos nesta edição do anuário Valor 1000, 81% encerraram 2024 no azul — resultado em linha com os 82% do ano anterior. E das mil companhias do ranking, 683 fecharam o ano com aumento real de receita — número 23,5% maior que em 2023.
“Apesar do cenário de juros elevados e de incertezas fiscais, o desempenho do mercado de trabalho foi positivo, e o PIB superou as expectativas, fatores que ajudaram a sustentar o crescimento da receita das empresas”, afirma Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV-Eaesp, parceira do Valor no levantamento.
Alexandre Chaia, professor do Insper e sócio da Carmel Capital, pensa de forma semelhante. “Como o Brasil é um país fechado, com grande peso no mercado interno, o grande alavancador da economia é o consumo das famílias, que cresceu com o alto nível de emprego e a transferência de recursos do governo via Bolsa Família e BPC [Benefício de Prestação Continuada]”, diz. “Até meados do ano passado, a estratégia deu certo, sem muito impacto na inflação, pois ainda havia capacidade ociosa nas empresas como efeito da pandemia.”
Em relação à queda nos lucros, Yoshinaga aponta dois fatores que pesaram sobre o caixa de parte das empresas: o custo da dívida, impulsionado pelos juros altos, e a alta do dólar, que encareceu não só dívidas na moeda estrangeira como também matérias-primas importadas — aumento nem sempre repassado ao preço dos produtos vendidos.
Foi justamente a combinação entre a elevação da Selic e a desvalorização cambial que levou a Braskem a registrar, no ano passado, o maior prejuízo, considerando a margem líquida — negativa em 15,6% — entre as 50 maiores empresas. O prejuízo de R$ 11,3 bilhões foi agravado pelo aumento das despesas financeiras, decorrente principalmente de maiores gastos com juros no Brasil e da desvalorização do real, que encareceu a captação externa. Quem avalia é Mateus Bueno, gerente-executivo de dados da Serasa Experian, também parceira no anuário Valor 1000. Pesaram ainda contra a companhia a redução do preço do PVC por conta da desaceleração do setor da construção civil chinesa, o maior preço da soda cáustica — consequência do frete mais caro causado pelos conflitos no Mar Vermelho — e a atualização da provisão contábil relacionada ao colapso das minas da empresa em Alagoas.
A Petrobras, maior empresa do país, teve queda de 4,1% na receita líquida. “Contribuíram para isso o recuo no preço dos derivados, como diesel, gasolina e querosene de aviação, com desvalorização nas cotações internacionais, e o menor volume de vendas de combustíveis e gás natural”, diz Bueno. Já as receitas externas foram prejudicadas pela redução nas operações com óleo combustível e GNL (gás natural liquefeito). Ainda assim, a queda na receita líquida foi menor que a retração de 20% apurada no ano anterior.
Diferentemente da Braskem e da Petrobras, a JBS, segunda do ranking das maiores, tirou vantagem da desvalorização do real. Afinal, as exportações foram responsáveis por aproximadamente um quarto da receita líquida da empresa no ano passado, de cerca de R$ 417 bilhões — 15% acima da do ano anterior. Além disso, avalia Bueno, contribuiu para o desempenho a diversificação do grupo, com mais 600 operações em 25 países e atuação em mercados como o de carnes de frango, suína e bovina, além de processados e de outros segmentos como couro, produtos de higiene e limpeza e biodiesel, entre eles.
O desempenho financeiro também variou conforme as métricas. No cálculo da mediana do retorno sobre o patrimônio líquido (ROE), entre os 27 setores avaliados, a maior rentabilidade veio do setor de eletroeletrônica (32,2%), com empresas como Romagnole, grupo Alubar, Whirlpool, Elgin e Lorenzetti. Em segundo lugar, com 22,8%, ficou o segmento de mecânica, com representantes como Atlas Schindler, WEG, Kepler Weber e Tramontina Multi.
Nos dois casos, os resultados em grande parte refletem a expansão do mercado em que as companhias atuam. “O bom desempenho dos setores de eletroeletrônica e mecânica é explicado, principalmente, pela expansão de dois outros setores: energia renovável e construção civil”, afirma Paulo de Tarso, sócio-líder para atendimento à indústria de consumer da Deloitte.
Estatísticas da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) apontam crescimento nominal de 11% em 2024. E, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foram instaladas no ano passado 301 novas usinas no país — a maior expansão registrada desde o início da série histórica, em 1997. Com os empreendimentos, aumenta a demanda por cabos, transformadores e outros equipamentos.
Na construção civil, o ano de 2024 também foi marcado por um crescimento acima da média da economia. Segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o PIB do setor avançou 4,3% em 2024, com crescimento de 21% nos novos apartamentos e de 19% nos lançamentos.
Também houve expansão na frente dos produtos domésticos. Impulsionadas pelo aumento da renda das famílias, as vendas da linha branca, como fogões, máquinas de lavar e geladeiras, registraram alta de 17%. O avanço foi maior, de 22%, na linha marrom, com o incremento das vendas de produtos como TVs e equipamentos de som.
A isso se soma a demanda crescente por automação e digitalização. “Os grandes investimentos em data centers e a busca de produtos mais digitais, conectados e autônomos pelos consumidores criam novos mercados e oportunidades”, avalia Tarso.
Nesse contexto, já há alguns anos fabricantes de máquinas e equipamentos, como Atlas Schindler e WEG, aproveitam a onda digital para inovar. “São empresas que deixaram de fazer máquinas puras e agora fabricam máquinas que de alguma maneira estão inseridas na internet das coisas”, diz Yoshinaga.
Em outra frente, as duas companhias, assim como outras do setor, também se beneficiaram do câmbio desvalorizado. Vale lembrar que o dólar terminou 2024 com alta de 27%, a maior em dez anos.
Conjuntura favorável à parte, muitas companhias fizeram o dever de casa, melhorando a eficiência operacional, reduzindo custos e despesas. “Isso resultou em melhora do lucro, aumento do patrimônio e avanços na rentabilidade do patrimônio líquido médio”, diz Bueno.
Na lucratividade apurada pela mediana da margem líquida, o destaque veio dos serviços financeiros (18,4%) — segmento que, no anuário Valor 1000, reúne negócios que vão da B3 a empresas com foco em pagamentos eletrônicos como Rede (antiga Redecard) e Getnet.
“O setor costuma ter como característica a baixa dependência de ativos fixos, já que as empresas não demandam uma infraestrutura física robusta para geração de receita, explica Bueno. “Isso reduz as despesas com depreciação e manutenção, favorecendo o lucro líquido”, afirma.
A redução de custos e o ganho de escala também são impulsionados pela digitalização do setor financeiro. Nos bancos, por exemplo, neste ano, os investimentos em tecnologia devem chegar a R$ 47,8 bilhões, com alta de 58% em cinco anos, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “A digitalização contribui de forma contundente na redução do custo”, avalia Sérgio Biagini, sócio-líder da indústria de serviços financeiros da Deloitte.
A alta do consumo igualmente favoreceu o segmento dos pagamentos eletrônicos. Na avaliação de Willer Marcondes, sócio para serviços financeiros na Strategy&, da PwC Brasil, a estabilidade na renda das famílias permitiu ao setor driblar o avanço do Pix e os juros altos: “Os volumes transacionados em cartões continuaram a crescer, sustentando boas margens e receitas, e o cenário de inadimplência permaneceu controlado ao longo do ano”.
No segundo lugar do ranking da lucratividade, com mediana da margem líquida de 13,3%, vem o setor de água, saneamento e serviços ambientais. Mais resistente aos altos e baixos do mercado, o segmento é composto sobretudo por empresas que prestam serviço público essencial, com concessões para municípios ou até Estados inteiros. É o caso, por exemplo, da Sabesp, a campeã em margem líquida (26,5%) entre as 50 maiores. “Com a economia indo bem ou indo mal, as pessoas continuam consumindo água e demandando tratamento de esgoto”, diz Yoshinaga. “Os contratos do setor geralmente garantem receita previsível e estável, com baixa concorrência”, diz Bueno, da Serasa.
Na visão de Edson Cedraz, sócio-líder para a indústria de government & public services da Deloitte, outro benefício vem das mudanças trazidas pelo Marco Legal do Saneamento: “A entrada da iniciativa privada no segmento, historicamente operado majoritariamente por estatais, gera maior capacidade de investimento e melhoria nas estruturas de capital”.
Além dos resultados puramente econômicos, as empresas do setor se destacam pela adesão à agenda ESG. No ano passado, a Sabesp e a Ambipar se tornaram as duas primeiras empresas a receber o selo Ações Verdes da B3. A certificação é concedida a partir de critérios objetivos a companhias cujas atividades contribuam com a proteção do meio ambiente e no combate às mudanças climáticas.
Na outra ponta, os serviços médicos foram o destaque negativo, com a menor mediana tanto no retorno sobre o patrimônio líquido (4,1%) como na lucratividade apurada pela margem líquida (0,8%). “Observamos que algumas empresas operaram com prejuízo importante em relação ao ano anterior”, afirma Bueno.
Para Luís Fernando Joaquim, sócio-líder para indústria de life sciences & health care da Deloitte, hospitais e clínicas enfrentam custos de insumos e de mão-de-obra crescentes. “As despesas com pessoal representam grande parte dos custos dos hospitais, de forma que qualquer aumento nisso pressiona as margens”, diz ele.
Outro problema enfrentado pelas empresas do setor é a negociação cada vez mais difícil com as operadoras de saúde, afetadas pelo aumento da sinistralidade na esteira da pandemia de covid-19. O setor vive uma situação complexa, na qual hospitais e clínicas reclamam dos longos prazos para receber das operadoras, que, por sua vez, se queixam da elevada sinistralidade, de práticas fraudulentas contra os planos de saúde e da necessidade de cobrir terapias de alto custo.
Como a alavancagem do setor é particularmente alta, outro custo importante é o financeiro, agravado com a disparada da Selic, iniciada em maio do ano passado. “Vemos que alguns players têm efetivamente até melhorado seu Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização], mas as despesas financeiras atreladas a uma alta taxa de juros vêm afetando a margem líquida das instituições”, diz Joaquim.
O anuário Valor 1000 também aponta diferenças na lucratividade das empresas de capital aberto e fechado. As companhias abertas amargaram queda de 32,2% na mediana do lucro líquido — tombo maior que o de 26,4% entre as mil maiores empresas como um todo. Ainda assim, as companhias abertas tiveram melhores resultados na margem Ebitda. Para esse grupo, a mediana ficou em 20,9%, em comparação com 13,2% no total das mil maiores.
A composição setorial explica parte do descompasso. “O Ebitda é maior nos setores com maior presença de empresas de capital aberto, como energia elétrica, empreendimentos imobiliários, TI & telecom, agro, saneamento, transportes e logística e indústria da moda”, afirma André de Moura, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em avaliação de empresas.
Mas não é só. “Mesmo dentro do mesmo setor, as companhias abertas também costumam apresentar margens Ebitda mais altas”, diz ele. Isso pode ocorrer por dois motivos. De saída, explica, essas empresas tendem a ser maiores, com mais ganho de escala. “Além disso, geralmente esse grupo tem melhor governança, salários mais elevados e lideranças mais profissionalizadas.”
Mas a mesma vantagem pode trazer mais dívidas e, consequentemente, derrubar com mais força o lucro líquido das companhias abertas. Por conta da melhor governança, elas costumam conquistar ratings melhores e, consequentemente, conseguir taxas mais competitivas no mercado de crédito e de capitais, no Brasil e no exterior, como relata Chaia, do Insper. Isso acaba servindo de estímulo à alavancagem financeira, que, nas companhias abertas, é mais que o dobro da mediana das maiores empresas como um todo, como mostram os dados do anuário Valor 1000. “Então, com a alta do dólar e dos juros, as companhias abertas foram especialmente prejudicadas.”