Crédito, Serenity Strull/BBC/Getty Images
- Author, Riley Farrell
- Role, BBC Future
Uma das primeiras ilustrações conhecidas da entomofagia (o uso de insetos na alimentação) data de 30 mil anos a.C. Pinturas antigas encontradas em cavernas de Altamira, no norte da Espanha, mostram a coleta de abelhas.
Atualmente, muitas pessoas consomem insetos regularmente na América Latina, Ásia e África. No México, por exemplo, os chapulines — gafanhotos cozidos e fritos — são um aperitivo popular, cada vez mais servido em restaurantes de luxo.
Mas nem todos os povos consomem insetos na alimentação. Eles são considerados, há muito tempo, fontes de proteína baratas, saudáveis e sustentáveis, mas permanecem, em grande parte, fora do cardápio dos europeus e norte-americanos.
Nos últimos anos, esta relutância foi exacerbada por uma rede de teorias da conspiração, que afirmam que as “elites globais” estariam forçando o público a abandonar a carne em favor dos insetos.
Mais presente nos Estados Unidos e em alguns bolsões da Europa, “não vou comer insetos” é uma teoria da conspiração que defende que “elites globais” irão forçar as massas a comer insetos sob o pretexto do ambientalismo, segundo a analista de desinformação Sara Aniano.
Aniano vem pesquisando esta teoria há anos no Centro sobre Extremismo da Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês). Ela afirma que esta desinformação se encaixa perfeitamente nos temores existentes sobre o “declínio depravado da civilização ocidental”.
O que começou como um meme quase humorístico em um fórum online acabou se infiltrando no campo político, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.
Na Holanda, o legislador Thierry Baudet, líder do partido de direita radical Fórum para a Democracia, fez um discurso contra a União Europeia (EU) em março de 2023, gritando: “De jeito nenhum!”, enquanto retirava larvas de bicho-da-farinha de um saco.
Baudet postou uma foto daquele momento no X (antigo Twitter), com a legenda “NÓS NÃO VAMOS COMER OS INSETOS”.
O partido de direita radical italiano Liga por Salvini Premier pagou um outdoor em Conegliano, no nordeste da Itália, com os dizeres: “Vamos mudar a Europa antes que ela nos mude.”
O cartaz continha as datas das eleições da União Europeia em 2024, ao lado da foto de uma pessoa consumindo o que parece ser um gafanhoto, associando a entomofagia à perda de valores tradicionais.
O alimento funciona na imagem como um provocador prenúncio de mudanças, despertando o medo da erosão cultural da Europa.

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Antes de ser demitido pela rede de TV americana Fox News em 2023, o apresentador Tucker Carlson apresentou o último episódio do seu programa Tucker Carlson Originals: um especial de meia hora intitulado Let Them Eat Bugs (“Eles que comam insetos”, em tradução livre).
Durante o programa, Carlson examina as políticas alimentares relativas às mudanças climáticas e defende que “as pessoas no poder” estão empurrando insetos para o prato do público.
O episódio apresenta a ativista holandesa de direita radical Eva Vlaardingerbroek, que considera o consumo de insetos um “teste de obediência” de um governo que passou dos limites. O programa corrobora seu apoio aos protestos dos agricultores, em meio a propostas de cortes da produção pecuária, em 2022.
“‘Não vou comer os insetos’ era um meme”, declarou Carlson. “Agora, é um movimento.”
Outros teóricos da conspiração da direita radical americana, como Alex Jones e Candace Owens, além do influenciador Jack McGuire, também difundiram a teoria da conspiração “não vou comer os insetos”.
Mas como se originou este medo fabricado de ser forçado a se alimentar de insetos?
Na primavera de 2020 no hemisfério norte, o Fórum Econômico Mundial (FEM) — a organização não governamental internacional que realiza sua conferência anual em Davos, na Suíça — apresentou uma iniciativa chamada “A Grande Reinicialização“, um esforço para reduzir as desigualdades globais e fazer avançar iniciativas ambientais durante a pandemia de covid-19.
Mas, para os teóricos da conspiração, a conferência de Davos teria sido a “prova” de que as pessoas mais ricas do mundo teriam tentado usar a pandemia como instrumento para reorganizar as sociedades em regimes totalitários globais, à custa das pessoas comuns, segundo o Centro sobre Extremismo da ADL.
“Não vou comer os insetos” apareceu pela primeira vez no site de fóruns anônimos 4chan, em agosto de 2019. Mas sua popularidade disparou quando o meme foi relacionado à teoria conspiratória sobre a Grande Reinicialização durante a pandemia, segundo Aniano.
Em 2021, o FEM publicou um artigo defendendo que os insetos são mais sustentáveis que a carne, tanto para enfrentar as mudanças climáticas quanto para combater a insegurança alimentar.
“A teoria da conspiração dos insetos incorpora a ideia de que votar na esquerda é uma passagem só de ida para o fim da sociedade moderna como a conhecemos”, explica Aniano.
Ela destaca que uma necessidade aparentemente simples como a comida está carregada de marcas de cultura e identidade.
Em janeiro de 2023, a União Europeia aprovou quatro insetos para uso alimentar, permitindo a inclusão de um número limitado de espécies como ingredientes no mercado da UE, sob certas condições de uso.
Os quatro insetos aprovados são o grilo doméstico, as larvas de besouro-dos-cereais, o gafanhoto-migratório e as larvas secas do besouro-da-farinha.
Esta decisão gerou indignação nas redes sociais.
O político francês de direita Laurent Duplomb criticou a nova autorização da União Europeia. “Não podemos permitir que os franceses comam insetos sem o seu conhecimento”, declarou ele.
Esta afirmação falsa sugere que a UE não iria exigir que os insetos fossem claramente rotulados, quando combinados a outros ingredientes. Mas a legislação da União Europeia exige que a inclusão de insetos em um produto seja declarada no seu rótulo, de forma clara e explícita.

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Segundo esta regulamentação, a UE autorizou o uso de até 4% do produto em pães, queijos e macarrão, desde que ele seja claramente relacionado entre os ingredientes, nos rótulos dos produtos.
Ainda assim, contas de eurocéticos nas redes sociais denunciaram a aprovação e a regulamentação.
“Com base na maluquice ecológica, eles estão assumindo o risco de envenenar um continente inteiro [a Europa], para concorrer com a pecuária”, declarou em um vídeo no X o fundador do partido nacionalista francês Os Patriotas, Florian Philippot.
Ele apresentou a afirmação falsa de que haveria “até 4 g por 100 g” de larvas no “nosso pão, compotas e macarrão”.
Sua alegação incorreta é similar à de Duplomb, de que as pessoas que detêm o poder estariam usando as mudanças climáticas como desculpa para fazer o cidadão europeu médio se alimentar de insetos sem o seu consentimento.
Retoricamente, a frase “não vou comer os insetos” é estruturada de forma envolvente como uma resposta a uma ordem específica. Mas esta ordem nunca foi formulada, segundo explica Aniano.
A eficácia do meme reside na sua simplicidade, fazendo referência a dúvidas mais profundas sobre a confiança nas autoridades, especialmente durante situações de emergência, como as mudanças climáticas e a pandemia de covid-19, destaca ela.
Como combater a desinformação
As teorias da conspiração atendem a uma necessidade emocional, segundo o professor de Ciências Cognitivas Stephan Lewandowsky, da Universidade de Bristol, no Reino Unido. Ele estuda a negação da ciência e as respostas à desinformação.
O professor afirma que as teorias da conspiração costumam surgir da inclinação das pessoas a encontrar sentido no mundo.
Quando o cidadão médio atravessa momentos de incerteza, particularmente em tempos de crise, pode ser difícil viver em um mundo percebido como aleatório. As teorias da conspiração oferecem uma narrativa quando, às vezes, não há nenhuma, segundo as pesquisas.
As teorias da conspiração criam um sentido de controle em um mundo imprevisível, explica Lewandowsky.
Acreditar que forças poderosas (ainda que malévolas) estariam por trás de eventos globais pode parecer mais tranquilizador do que aceitar a aleatoriedade. A crença insinua que aqueles eventos poderiam ter sido evitados.
“Pelo menos, se você pensar que o mundo é conduzido por um conjunto de forças sombrias, você poderá imaginar que aqueles seres maléficos não poderiam ter feito aquilo”, segundo o professor.

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Sara Aniano defende que a teoria da conspiração “não vou comer os insetos” revela um temor: de que, se as oligarquias controlarem nossas fontes de alimento, elas irão controlar todos os aspectos da nossa vida.
A frase costuma ser associada a “não vou viver em uma concha”. Ela evoca uma visão sombria e distópica do futuro, no qual a liberdade e o prazer seriam eliminados, destaca ela.
“Não vou comer os insetos” atrai as pessoas, enquanto teoria da conspiração, porque a frase é “curiosa, divertida e tem um minúsculo vislumbre de verdade”, segundo Lewandowsky, já que os insetos, de fato, são comestíveis e uma boa fonte de proteína.
O teor de proteína dos insetos pode constituir até 60% do seu peso seco, segundo os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês).
A farinha de grilo, por exemplo, contém 46% a 70% de proteína, enquanto o teor da carne de vaca magra cozida é de cerca de 26%.
Chatbots de IA para combater teorias da conspiração
“A IA é infinitamente paciente”, destaca Lewandowsky.
“Não importa quantas vezes você questione o ChatGPT sobre o assassinato de [John] Kennedy [o ex-presidente dos Estados Unidos, 1917-1963], ele irá alegremente responder a todas as perguntas de forma educada. Os humanos não conseguem fazer isso.”
Mas o uso de IA para fazer esvaziar as teorias da conspiração sobre mudanças climáticas apresenta suas próprias dificuldades, pois a adoção da tecnologia traz consigo o uso intenso de energia.
É preciso ter persistência
A intervenção produtiva nestes casos exige não apenas verificar os fatos, mas também cuidar das necessidades emocionais que são satisfeitas por essas teorias, segundo Stephan Lewandowsky.
“Você não terá sucesso se disser ‘tio Bruce, você está maluco… não acredite nessa tremenda bobagem'”, explica o professor. “Mas você pode perguntar: ‘Qual o propósito dessas crenças? Por que você acredita nisso?”
“Tenho muita empatia pelas vítimas individuais das teorias da conspiração, mas elas não são inócuas”, afirma Lewandowsky.
“As conspirações não são ornamentos inofensivos no cenário do entretenimento. Elas são profundamente problemáticas, não só para as pessoas que se tornam vítimas delas, mas para a sociedade como um todo.”
“Se um ente querido estiver profundamente envolvido por elas e achar que George Soros está criando um governo paralelo e quer que nós nos alimentemos de baratas, é uma percepção dolorosa, mas precisamos confrontá-los“, reconhece o professor.
“Ofereça empatia e os coloque em uma terapia prolongada de desprogramação, que envolva persistência e assistência psicológica individual, parecida com as pessoas que abandonam seitas.”
Existem diversas soluções para a insegurança alimentar, segundo as diferentes preferências e culturas, explica a diretora da Iniciativa Alimentos para a Humanidade da Escola Climática da Universidade Columbia em Nova York, nos Estados Unidos, Jessica Fanzo.
Abordar preocupações legítimas e fornecer contexto científico pode ajudar a promover nosso diálogo sobre o que comemos, segundo ela, e é essencial evitar qualquer noção de “forçar” as mudanças.
Para Lewandowsky, enfrentar as mudanças climáticas e as teorias da conspiração exige persistência.
“Não é o tipo de coisa que você pode fazer em uma única conversa durante o jantar.”