Crédito, Getty Images
- Author, André Biernath
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
A nova Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, publicada em setembro, apertou as metas sobre a pressão considerada ideal, ou saudável.
A partir de agora, o tradicional 12 por 8 — antes considerado um valor normal, ou “limítrofe” — já passa a ser considerado um quadro que merece atenção de profissionais da saúde.
O novo documento segue a mesma linha de outros consensos publicados recentemente, como é o caso de uma nova abordagem de tratamento adotada por médicos europeus a partir de 2024.
Em resumo, as metas de pressão ficaram assim:
- Pré-hipertensão: entre 120 por 80 mmHg e 139 por 89 mmHg (de 12 por 8 a “quase” 14 por 9).
- Hipertensão arterial: maior que 140 por 90 mmHg (acima de 14 por 9).
Vale destacar que esses números levam em conta a medida da pressão feita no consultório, por um especialista, em pelo menos duas ocasiões.
O número mais alto corresponde à pressão do sangue nas artérias quando o coração bate, conhecida como pressão arterial sistólica.
E o número mais baixo é a pressão entre as batidas, conhecida como pressão arterial diastólica.
Com isso, uma pressão normal passa a ser aquela que fica abaixo de 119 por 79 mmHg, num número que fica mais ou menos no popular 11 por 7.
Segundo a diretriz, o objetivo é intensificar o tratamento em estágios iniciais, para que a pressão arterial fique dentro da meta especialmente entre pessoas com risco aumentado de doenças cardiovasculares.
Como você vai entender ao longo da reportagem, as novas classificações também alteram os esquemas de tratamento medicamentoso e os cuidados de estilo de vida.
Um problema monumental
O descontrole da pressão arterial é o principal fator de risco por trás de infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
“As doenças cardiovasculares são as que mais matam no Brasil e no mundo. No nosso país, por exemplo, uma pessoa morre a cada 90 segundos por causa de algum problema no coração ou nos vasos sanguíneos”, estimou o médico Fábio Argenta, membro do Conselho de Ética Profissional e do Comitê de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), em entrevista à BBC News Brasil em outubro de 2024.
“A hipertensão é o principal fator de risco não apenas para infarto e AVC, mas também está relacionada com insuficiência cardíaca, insuficiência renal, cegueira e até demência”, pontuou o especialista.
E é curioso pensar como algo tão relevante — e tão frequente — não chama a atenção e não é visto como uma grande ameaça pela maioria das pessoas.
O médico Carlos Alberto Machado, assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), calcula que quase 1,2 bilhão de pessoas sofrem com a hipertensão no planeta.
“O grande problema é que mais da metade nem sabe que é hipertensa. Entre aquelas que sabem, só metade faz o tratamento. E entre quem faz tratamento, apenas metade tem a pressão controlada”, resumiu o cardiologista.
Para o especialista, as mudanças nas diretrizes europeias anunciadas em 2024 ajudaram a chamar atenção para o aumento da pressão arterial, mesmo que ela ainda não tenha alcançado os índices compatíveis com um quadro de hipertensão.
“Eles reforçam que esse risco cardiovascular já começa com uma pressão relativamente baixa”, disse ele.
“Precisamos levantar a bandeira de que o adequado não é mais o 12 por 8”, complementou Argenta.
A estratificação de risco da pressão alta
Mas o que todas essas mudanças de critérios significam na prática?
Para aqueles que estão com a pressão arterial dentro dos valores adequados (abaixo de 12 por 7, em média), vida normal: não é preciso fazer nada em específico.
Para os hipertensos, não há dúvidas de que é necessário começar um tratamento medicamentoso, além de incentivar uma série de mudanças no estilo de vida — sobre as quais falaremos adiante — para diminuir o risco de vários problemas de saúde.
Já para os que estão com a pressão acima de 130 por 80 mmHg (13 por 8) — a recomendação da nova diretriz é passar pela chamada “estratificação de risco”.
Em resumo, o médico vai avaliar uma série de indicadores de saúde para estimar a probabilidade de o indivíduo sofrer algum desfecho cardiovascular mais grave (como infarto ou AVC).
Na hora de fazer essa conta, os especialistas consideram questões como o diagnóstico de outras doenças cardíacas ou a presença de outras enfermidades crônicas, como diabetes tipo 2, colesterol elevado, obesidade…
Se o risco de o paciente sofrer algum desfecho cardiovascular nos próximos anos for mais baixo, a recomendação é promover uma série de mudanças de estilo de vida e reavaliar a pressão arterial em um ano.
Agora, se esse risco for mais elevado, o documento indica fazer as mudanças de estilo de vida e, após três meses, iniciar o tratamento medicamentoso para os indivíduos cuja pressão seguir acima de 130 por 80 mmHg.
Já para o grupo em que risco é médio e merece uma série de ponderações, o médico deve considerar fatores relacionados à etnia, sexo, deprivação socioeconômica, doenças autoimunes, entre outros, para definir o melhor caminho — pode ser necessário, por exemplo, testar as mudanças de estilo de vida por um ano ou fazer uma reavaliação após três meses para checar a necessidade de entrar com os remédios.

Crédito, Getty Images
Hipertensão e mudanças no estilo de vida
Manter-se no peso (ou emagrecer), adotar uma dieta variada e equilibrada, ter uma rotina regular de atividade física, não fumar, evitar bebidas alcoólicas e reduzir o consumo de sal são as recomendações clássicas para baixar a pressão.
Mas as diretrizes europeia e brasileira trouxeram duas novidades relevantes nessa seara. Primeiro, aumentar o consumo de alimentos ricos em potássio — que, ao contrário do sódio encontrado no sal de cozinha, abaixa a pressão.
Em segundo lugar, investir em treinamentos isométricos e de resistência, como os exercícios feitos na academia.
O consenso brasileiro também chama a atenção para a importância das “práticas de espiritualidade e controle de estresse”.
Os médicos ouvidos pela BBC News Brasil entendem que as novas recomendações de estilo de vida são bem-vindas, mas devem ser adotadas com alguns cuidados e ponderações.
“O aumento do consumo de potássio deve acontecer por meio de fontes naturais, como frutas e verduras. Não temos evidências de que fazer a suplementação desse composto por meio comprimidos seja benéfico”, pontuou o médico Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, à BBC News Brasil em novembro de 2024..
Já o sal enriquecido com potássio pode fazer parte da dieta. “Mas como ele tem um gosto diferente do sal comum, é preciso cuidado para não compensar e exagerar na hora de temperar a comida”, acrescenta o especialista.
Machado também citou a necessidade de uma precaução maior com indivíduos que apresentam problemas nos rins — neles, um aumento no aporte de potássio pode representar uma sobrecarga para esses órgãos, responsáveis por filtrar o sangue e eliminar impurezas.
Já em relação aos treinos de força, Argenta destacou que o fortalecimento da massa muscular está relacionada “a uma vida mais longeva e mais saudável, com repercussões positivas nos vasos sanguíneos”.
Bortolotto lembrou que pacientes com a pressão muito elevada precisam primeiro controlar esses níveis antes de partir para a academia.
Isso porque o esforço físico pode fazer a pressão arterial subir ainda mais, o que representa um perigo nesses casos.
“Mas, a longo prazo, a combinação de exercícios aeróbicos e resistidos traz muitos benefícios”, observa o cardiologista.

Crédito, Getty Images
Remédio em dobro para controlar a pressão?
Outro destaque das novas diretrizes envolve uma “intensificação do esquema terapêutico”.
Na maioria dos casos, a orientação é já iniciar o tratamento com dois remédios de classes farmacológicas distintas, como a dos diuréticos, dos antagonistas adrenérgicos, dos beta-bloqueadores, dos bloqueadores de canais de cálcio, entre outros.
“Uma das principais causas das baixas taxas de controle da hipertensão no mundo é o fato de o médico muitas vezes insistir em usar apenas um remédio. Isso é o que chamamos de inércia terapêutica”, observou Machado.
“Associar medicamentos de duas classes desde o início permite controlar até 60% dos pacientes. Usar três classes faz essa taxa subir para 90%”, calcula o cardiologista.
Essa sinergia entre diferentes princípios ativos, que agem em várias partes dos mecanismos que influenciam a pressão arterial, garante que esses índices tenham um melhor controle.
“Além disso, colocar o paciente dentro das metas nos primeiros três a seis meses após o diagnóstico tem um impacto extremamente importante na redução da mortalidade cardiovascular”, complementa ele.
Vale destacar aqui que, após o diagnóstico da hipertensão, os índices de pressão arterial considerados adequados se modificam.
Segundo os documentos, a meta é manter o paciente na faixa dos 120 a 129 mmHg de pressão sistólica (o primeiro número) — ou ao menos chegar à menor taxa de acordo com a tolerância do paciente às medicações.
“Esse conceito da pressão tão baixa quanto tolerável o tratamento é interessante. Isso porque você não precisa ser agressivo e baixar a pressão a todo custo se a dosagem dos remédios estiver causando muitos eventos adversos”, disse Bortolotto.

Crédito, Getty Images
Acompanhamento e diagnóstico da hipertensão
Mas como fazer o diagnóstico de pressão elevada ou hipertensão? Existe um momento da vida ou uma periodicidade para fazer essa medição?
“Acima dos três anos de idade, a criança deve ter a pressão arterial aferida pelo pediatra”, responde Argenta.
“Da infância até os 40 anos, esse exame precisa ser repetido a cada três anos”, complementa o cardiologista.
Dos 40 anos em diante, o ideal é medir a pressão pelo menos uma vez a cada 12 meses, dizem os especialistas.
Essa regularidade é importante porque a hipertensão não costuma dar sintomas, especialmente nas fases iniciais.
Uma última novidade detalhada nas novas diretrizes envolve os meios de medir a pressão arterial.
Além do exame feito em consultório, os documentos também reforçam a necessidade de realizar o diagnóstico por meio de testes feitos em casa, como o Mapa (sigla para Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial) e o MRPA (Medição Residencial da Pressão Arterial).
O primeiro envolve usar um aparelho que avalia a pressão arterial por 24 horas (ou mais tempo, se o médico achar necessário). Já o segundo obtém essas medidas por meio de algumas avaliações feitas durante a manhã e à noite, por alguns dias seguidos.
O principal objetivo desses testes realizados fora do consultório é evitar dois fenômenos relativamente comuns.
Primeiro, a “hipertensão do jaleco branco”, quando o paciente fica nervoso na presença do médico e a pressão dele sobe, mas fica normal no dia a dia.
Segundo, a hipertensão mascarada, quando a pessoa possui uma pressão elevada fora do consultório — mas curiosamente tem uma medida normal quando está sendo avaliada por um profissional de saúde.
“O diagnóstico da hipertensão implica um tratamento para a vida toda, então precisamos ser muito rigorosos durante essas avaliações”, concluiu Machado.