Crédito, Agência Brasil
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
É nesse contexto que o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) tenta reunir apoio para uma proposta intermediária, que reduza penas, em vez de perdoar crimes. No caso de Bolsonaro, ele foi condenado a mais de 27 anos de prisão.
Paulinho foi escolhido pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para ser o relator da proposta, ou seja, o responsável por redigir o texto final a ser votado, após negociação com outras lideranças políticas.
Ele ganhou esse papel por ter boa relação com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e um perfil mais independente no Congresso, não sendo aliado nem do campo bolsonarista, nem do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O relator já declarou que uma anistia ampla como deseja Bolsonaro e seus aliados “é impossível”. A ideia de apenas reduzir penas, sem perdoar crimes, tem o apoio do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Enquanto as negociações caminham nos bastidores, movimentos e artistas ligados à esquerda, como Anitta e Caetano Veloso, convocaram para domingo (22/9) atos em diversas cidades do país contra qualquer anistia.
A mobilização é impulsionada também pela reação à PEC da Blindagem, alteração da Constituição aprovada na Câmara para proteger parlamentares de processos criminais.
Entenda a seguir em três pontos “o cabo de guerra” para aprovar a anistia e a mobilização contra.
As negociações de Paulinho da Força

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O relator da proposta iniciou a articulação para uma proposta intermediária na noite de quinta-feira (18/9), com um jantar em São Paulo com o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), ex-presidente da Câmara.
Durante essa reunião, Temer ligou para os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, segundo Paulinho da Força contou ao portal Metrópoles.
Mendes é antigo amigo de Temer, enquanto Moraes foi indicado por ele para entrar no STF, em 2017, quando era seu ministro da Justiça.
Após essa reunião, o relator deu novas declarações na sexta-feira (20/9) reforçando o foco em uma proposta que apenas reduza punições.
“O projeto de lei que teve urgência aprovada não se tratava mais da anistia. Nós estamos tentando mudar o nome do PL, é um ‘PL da Dosimetria’. Ou seja, estamos tratando de um projeto de lei para reduzir penas”, disse à rádio CBN.
Esse caminho sofreria menos resistência no Supremo, enquanto a aprovação de uma ampla anistia no Congresso tende a ser considerada inconstitucional pela maioria da Corte.
Ao menos seis ministros do STF já se manifestaram em votos ou falas públicas contra a possibilidade de um perdão para crimes contra a democracia — Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, a conjuntura política deve ajudar Paulinho a construir um acordo para aprovar uma alternativa mais branda à anistia.
“Acho que é uma escolha de um nome [para relator] que ficou distante do governo [Lula] e que enxerga nas mudanças potenciais em São Paulo, dado a possibilidade do projeto [presidenciável] do governador Tarcísio, uma oportunidade de aumentar capital eleitoral”.
“Esse movimento parece ser reflexo de uma parcela da elite política que, de fato, enxerga nessa conjuntura a possibilidade de retomar o protagonismo no campo antipetista, status que foi tomado pelo Bolsonaro”.
Paulinho falou também, na sexta-feira, que tem pressa para votar a proposta e que tentará que ela seja analisada pela Câmara na próxima quarta-feira (24/9).
Ao portal UOL, disse que fará nos próximos dias reuniões com governadores e as bancadas dos partidos na Câmara.
O relator já procurou governadores aliados de Bolsonaro, como o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), o de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e o de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
E está em diálogo também com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que mantém bom diálogo com Lula.
Seu objetivo é tentar que os governadores influenciem os deputados dos seus estados
Resistência maior no Senado?
Caso a proposta de alguma anistia ou redução de pena passe na Câmara, terá que ser aprovada também no Senado.
O presidente da Casa, Alcolumbre, tem se queixado das pressões do campo bolsonarista e se coloca contra uma “anistia ampla”.
Ele disse na quinta-feira já ter uma proposta alternativa pronta, mas não detalhou seu conteúdo.
“Vou esperar o que a Câmara vai decidir primeiro. O texto está pronto, mas vou esperar lá”, afirmou.
“Se não resolverem, na semana que vem eu vou tomar uma decisão”, continuou.

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A expectativa é que o texto proponha apenas redução de penas. Não está claro, porém, se a versão de Alcolumbre contemplaria apenas envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023, sem beneficiar os condenados por liderar a tentativa golpista, como Bolsonaro.
A ideia tem sido criticada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
“A anistia tem que ser pra todo mundo. Não dá pra anistiar a Débora do Batom sem anistiar também o Jair Bolsonaro. Sabe por quê? Porque eles estão respondendo pelos mesmos crimes”, disse, durante ato pela anistia no Rio de Janeiro, em 7 de setembro.
Já o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, fez duras críticas a Alcolumbre nesta sexta-feira e prometeu travar a pauta do Senado se Alcolumbre não colocar a proposta de anistia em votação.
Para isso, ele diz contar com o apoio da maioria do PSD, do PP, do Republicanos e do União Brasil, além do seu partido.
Valdemar falou ainda que o atual presidente do Senado não vai conseguir se reeleger no comando da Casa, caso não colabore com o andamento da anistia.
“Ele trabalha para o Supremo, ele não trabalha para o Senado, mas vai pagar caro por causa disso. Vai pagar caro, se ele não se comportar como um presidente do Senado tem que se comportar”, disse Valdemar, em entrevista à rádio Itatiaia.
Rafael Cortez, da Tendências, vê espaço para o Senado aprovar reduções de penas” talvez numa versão mais suave”.
“Acho que o governo vai tentar, contudo, manter o projeto sem referência ao núcleo decisório e mais para os ‘peixes pequenos'”, ressaltou.
Isso, porém, traz riscos para o governo, nota o cientista político, ao manter o impasse sobre a anistia. Ele ressalta que o governo está interessado em superar esse tema para que seu “pacote” reeleição ande no Congresso, como a proposta de elevar a isenção do Imposto de Renda para pessoas com ganhos de até R$ 5 mil ao mês.
“O que realmente vai contar [para aprovar algum benefício aos condenados] é se o bolsonarismo aceita versão light e se o governo está disposto a pagar a conta para ter o pacote de reeleição”, reforça.
O impacto dos atos convocados para domingo contra anistia
Atos contra a anistia e a PEC da Blindagem estão previstos para diversas capitais do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, Belém e Porto Alegre.
A convocação ganhou peso com a participação de grandes artistas. Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil estão anunciados para cantar na manifestação marcada para a tarde, em Copacabana.
“A gente tem que ir pra rua, pra frente do Congresso, como já fizemos outras vezes”, convocou Caetano em suas redes sociais.
Pesquisas indicam que a maioria da população é contra a anistia, mas o apoio à proposta é significativo.
Segundo pesquisa Datafolha da última semana, 54% se opõem ao perdão para Bolsonaro, enquanto 39% apoiam a medida.
Já a aprovação da PEC da blindagem na Câmara gerou forte reação nas redes sociais, da esquerda à direita.
Apesar disso, o cientista político Rafael Cortez avalia que a convocação dos atos está claramente ligada à esquerda e não deve atrair uma participação social maior, limitando seu impacto.
“Minha leitura é que [essa mobilização] não altera o jogo de forma relevante, diante da dificuldade de mobilizar um número mais expressivo para se tornar pressão para além do campo da esquerda”, disse.