O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou neste domingo (21) em Nova York (EUA) para participar da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Como é tradição, o Brasil fará, na terça-feira, o primeiro discurso e o petista deve aproveitar o palanque internacional para aprofundar ainda mais as diferenças com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Além da já tradicional defesa do multilateralismo, o petista irá condenar o uso de tarifas, defender a soberania das instituições, como é o caso do Supremo Tribunal Federal (STF), e criticar até mesmo a decisão de Trump de barrar a participação de palestinos na ONU.
O discurso está sendo controlado “a sete chaves”, segundo integrantes do Palácio do Planalto, mas as linhas centrais da mensagem brasileira serão as mesmas já apresentadas pelo petista em eventos recentes e entrevistas.
Na questão do multilateralismo, por exemplo, o Brasil defenderá a “refundação” de organismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC). A proposta tem como pano de fundo a avaliação de que o órgão estaria, neste momento, sequestrado pelos EUA.
O motivo é que, ao longo dos últimos anos, os americanos teriam, na visão do Brasil, inserido dirigentes “subservientes” à frente da instituição. Isso impede, de acordo com fontes do Itamaraty, que a OMC dê respaldo para que a comunidade internacional se una contra medidas unilaterais, como é o caso do “tarifaço”.
O uso de sobretaxas nas relações geopolíticas por parte dos Estados Unidos é outro tema certo na intervenção de Lula. O presidente vai condenar, mais uma vez, a estratégia da Casa Branca de promover “chantagem” por meio de sanções unilaterais, principalmente em função do tamanho da economia americana frente a países menos desenvolvidos, como é o caso do Brasil.
A questão da soberania nacional é mais um elemento do discurso do petista que deve evidenciar as divergências entre ele e Trump. A tendência, segundo fontes, é que o presidente brasileiro use o tema da soberania para sair em defesa, por exemplo, das instituições nacionais, entre elas o STF, que tem sido sucessivamente criticado pelo governo americano após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como essa mensagem coloca a gestão brasileira em rota de colisão com a Casa Branca, o Valor apurou que Lula não deve citar Trump nominalmente, para não estremecer ainda mais as relações entre Brasil e EUA.
Apesar disso, o discurso de Lula deve trazer mais um assunto que aprofunda a polarização entre ambos os países: a decisão dos Estados Unidos de revogar vistos da Autoridade Palestina. Na prática, isso deve impedir que os representes da Palestina participem do evento na ONU. O assunto é importante para a diplomacia brasileira inclusive porque, no discurso do ano passado, Lula celebrou justamente a presença da delegação palestina pela primeira vez na Assembleia-Geral.
Lula não deve citar Trump nominalmente, para não estremecer ainda mais as relações entre Brasil e EUA
Além do discurso do presidente, que também deve incluir falas sobre mudanças climáticas e a COP30, o governo brasileiro terá uma ampla agenda ambiental durante a Semana do Clima em Nova York, a partir desta segunda-feira (22), a menos de dois meses para a COP30, que acontecerá em Belém.
O roteiro inclui a apresentação de um relatório elaborado pelo Conselho Ético Global (BEG), uma iniciativa conduzida pela presidência da COP30 e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que colheu ao longo deste ano sugestões de cientistas, lideranças empresariais, políticas, religiosas e da sociedade sobre a crise climática e será levada à conferência do clima no Brasil.
Durante a semana, Lula e o secretário-geral da ONU, António Guterres, que incentivaram a estratégia, vão receber o relatório do balanço, que contou com a contribuição de representantes de seis continentes, desde junho, após a primeira reunião em Londres. O documento contém pontos para acelerar o compromisso global de reduzir o aumento da temperatura média do planeta a 1,5ºC e também será entregue a chefes de Estado durante a “Pré-COP”, em outubro, em Brasília.
Além do balanço global, a pauta verde do governo em Nova York trará uma campanha em busca de apoio ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), na sigla em inglês), mecanismo de financiamento que o Brasil pretende lançar durante a COP. O próprio presidente Lula fará uma reunião de alto nível na ONU, na terça-feira (23) – mesmo dia da Assembleia – com chefes de Estado para articular apoio ao Fundo, apurou o Valor.
Idealizado pelo governo brasileiro, o TFFF é um fundo de financiamento criado com o objetivo de manter as florestas do planeta em pé. A expectativa é levantar US$ 125 bilhões a juros reduzidos. Esse valor será reinvestido e o lucro será repassado aos países com florestas tropicais.
Segundo o Itamaraty, até agora já há negociações que indicam interesse de adesão por parte de Noruega, Alemanha, Reino Unido, França, Emirados Árabes Unidos e China. Além de Colômbia, Gana, Congo, Indonésia e Malásia, que já negociam eventual adesão futura.
Marina Silva também acompanhará Lula e fará vários discursos durante eventos paralelos da Semana do Clima. Também deve encabeçar esforço conjunto com a presidência da COP30 para cobrar que os países entreguem suas metas para redução dos gases de efeito estufa – as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Até o momento, somente 36 países entregaram suas NDCs. Na quarta (24), Lula e Guterres também vão liderar uma cúpula para debater exclusivamente o assunto.
Está prevista ainda uma iniciativa de coalizão de países sobre mercado integrado carbono, que vem sendo articulada pelo Ministério da Fazenda. E também haverá um evento organizado pelo governo brasileiro em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sobre o agravamento dos riscos e impactos de incêndios florestais pelo mundo.