A tokenização desponta como uma das maiores oportunidades para transformar o mercado financeiro brasileiro, mas sua consolidação depende de um ponto considerado urgente pelo Banco Central: a definição regulatória. Durante painel no evento DAC 2025, o diretor de normas do BC, Antônio Marcos Guimarães, afirmou que a ausência de uma taxonomia clara para ativos digitais coloca em risco a segurança jurídica do setor e afasta investidores institucionais.
“Se você não sabe se o ativo é regulado, quem o regula e quais regras se aplicam, você deixou de ser investidor e passou a ser aventureiro”, disse. Para ele, esse é o principal gargalo a ser superado para que a tokenização cumpra seu potencial de reduzir custos de captação e ampliar o acesso a investimentos.
Guimarães lembrou que a dificuldade não é exclusiva do Brasil. A União Europeia, pioneira em criar categorias específicas para tokens, ainda enfrenta a necessidade de ajustes. O motivo está nas próprias características da tecnologia, que permitem que um mesmo token assuma diferentes funções ao longo do tempo. “Um ativo pode nascer como utilitário e, pelas formas de negociação ou modelos de negócio agregados, transformar-se em valor mobiliário”, explicou.
Esse cenário, segundo ele, reforça a necessidade de um esforço regulatório estruturado, e não de respostas casuísticas. A preocupação é compartilhada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com João Accioly, conselheiro da autarquia, destacando que a ausência de previsibilidade gera insegurança no mercado e pode até comprometer a confiança no país.
“Não adianta a autoridade dizer que algo não é valor mobiliário hoje e, anos depois, voltar atrás. Isso gera um passado incerto que mina a confiança do investidor”, afirmou. Ele defendeu que a regulação brasileira precisa ser adaptada para lidar com novos modelos de negócio sem perder de vista o objetivo central: proteger investidores em ofertas públicas pulverizadas.
Stablecoins no centro da discussão
Outro ponto de destaque no painel foi o papel das stablecoins. Na visão do BC, enquanto não houver uma moeda digital oficial, elas funcionam como principal instrumento de liquidação em operações tokenizadas. “Na ausência de uma CBDC, a stablecoin é o instrumento de liquidação por excelência”, afirmou Guimarães.
O diretor destacou que, além de permitir eficiência operacional, as stablecoins viabilizam mecanismos como o Delivery versus Payment (DvP), que garante a entrega de ativos apenas mediante o pagamento correspondente — algo crucial para dar segurança às transações no ambiente digital. Esse aspecto reforça seu potencial para integrar de forma orgânica a infraestrutura financeira baseada em blockchain.
Ele alertou, porém, para riscos no Projeto de Lei 4932/2023, que tramita no Congresso. Segundo o diretor, o texto adota uma definição ampla demais de stablecoin, que poderia acabar enquadrando ativos tradicionais, como debêntures e duplicatas, simplesmente por estarem registrados em blockchain.
“Isso teria um impacto enorme, trazendo para dentro do conceito de stablecoin instrumentos que já contam com décadas de regulação própria. Seria uma sobreposição desnecessária e até perigosa”, alertou.
O dirigente defendeu uma mudança de enfoque na proposta legislativa: em vez de tentar englobar qualquer ativo digitalizado, a lei deveria se concentrar em stablecoins lastreadas em moeda fiduciária, como o real ou o dólar, preservando a estrutura legal dos demais ativos. Dessa forma, explicou, as stablecoins poderiam exercer plenamente sua função de meio de liquidação sem criar insegurança sobre outros instrumentos financeiros.
“É importante que a stablecoin seja tratada como moeda, e não como uma mera dação em pagamento. Só assim ela terá a mesma eficiência de liquidação tradicional, garantindo que a tokenização se desenvolva sobre bases sólidas”, concluiu
Por fim, Accioly criticou a forma como costuma ser colocado o dilema entre inovação e proteção ao investidor. Para ele, não se trata de conceitos opostos, mas complementares.
“Apresentar inovação como contraponto à proteção é uma falácia. A tecnologia pode ampliar a eficiência e reduzir riscos, desde que a regulação acompanhe sua evolução”, afirmou. A visão foi endossada por Guimarães, que defendeu uma atuação coordenada entre órgãos reguladores para garantir clareza de regras e previsibilidade, condições que considera indispensáveis para atrair capital e estimular o crescimento da tokenização no Brasil.
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