Arnaud 25,/Wikimedia Commons
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Quando o café chegou à Europa no século 17, democracia e até mesmo revolução vieram em seguida. Em Paris, os cafés se tornaram um ponto de efervescência de discussões, ajudando a fomentar a Revolução Francesa. Em Londres, onde qualquer pessoa podia comprar uma xícara de café por um centavo e participar de debates acalorados que atravessavam divisões de classe, os cafés ficaram conhecidos como “universidades de um centavo”.
Hoje, uma xícara de café custa cerca de US$ 3,50 (cerca de R$ 20) em Nova York e mais de cinco libras (acima de R$ 35) em Londres. Assim como os cafés foram precursores de revoluções na França e em outros lugares, hoje o café é um sinal das mudanças climáticas que afetam os alimentos e as bebidas.
Uma tarifa recente aplicada pelos EUA de 50% sobre o maior produtor de café do mundo, o Brasil, não ajuda em nada os preços ao consumidor e à estabilidade do setor. Mas o aumento das temperaturas e as secas nas regiões produtoras de café talvez sejam um fator de longo prazo ainda mais significativo para a inflação do café. Ainda assim, existem oportunidades para que o café seja uma “força para o bem” para as pessoas e para o meio ambiente.
O que as mudanças climáticas têm a ver com o preço do café?
O aumento das temperaturas e as secas associadas estão tornando as regiões produtoras de café na América Latina, Ásia e outras partes do mundo menos adequadas para o cultivo. Em 2020, as mudanças climáticas já haviam reduzido em mais de 20% a produção na região de Minas Gerais, no Brasil.
Nas florestas tropicais do Vietnã, o segundo maior produtor de café do mundo, as chuvas diminuíram entre 8% e 10%, resultando em uma queda de 4% a 5% nos rendimentos.
Costuma-se pensar nas emissões dos carros e até nos arrotos do gado como causadores do aumento das temperaturas. Mas derrubar florestas para plantar café – não é o caso do Brasil que cultiva no centro-sul do país – e outras culturas libera o carbono armazenado nas árvores e no solo para a atmosfera. Isso faz do desmatamento nessas áreas um importante contribuinte para o aquecimento global.
Há casos de cafeicultores em países produtores obrigados a abandonar plantações que se tornaram quentes e secas demais. Os que conseguem, mudam-se para florestas mais frias e em maior altitude, onde precisam derrubar mais árvores para plantar café. Aí está o dilema: a produção sofre com o aquecimento global e ao mesmo tempo contribui para ele. Segundo a Coffee Watch, “esse é o paradoxo no coração da crise: a destruição de florestas pelo café em regiões de produção hoje está matando o clima de que ele precisa para crescer amanhã”.
Produção sustentável de café
Embora a maior parte do café hoje seja cultivada em monoculturas, alguns agricultores recorrem a métodos mais tradicionais de espécies mistas. Um desses métodos é o cultivo do café sob a sombra de árvores maiores e muitas vezes nativas.
Ao manter parte da floresta original intacta, as lavouras de café cultivado à sombra conseguem armazenar de sete a oito vezes mais carbono do que o café cultivado a pleno sol. Agricultores também intercalam o café com culturas alimentares em uma prática chamada agrofloresta.
Outras práticas de “agricultura regenerativa” incluem o uso reduzido de pesticidas, o plantio de árvores em margens de rios para reduzir a erosão do solo, a adição de composto ou esterco para melhorar os solos e a integração das lavouras de café com áreas de floresta preservada.
Os quintais agroflorestais dos Chagga, nas encostas do Monte Kilimanjaro, na Tanzânia, mostram como o café pode ser cultivado junto a outras culturas. Com menos de um hectare, esses sistemas possuem quatro camadas de plantas, começando no solo com culturas alimentares como inhame e feijão, passando pelo café, depois as bananas e finalmente árvores altas.
As árvores fornecem sombra para o café e também servem como fonte de remédios, lenha, ração animal e cercas vivas para o gado. E, naturalmente, armazenam carbono que teria sido liberado caso fossem derrubadas.
No Brasil, já existem experiências consolidadas de produção de café em sistemas agroflorestais e sob árvores. Café cultivado em agroflorestas já é realidade em várias regiões e pode ganhar escala como alternativa produtiva e ambiental.
No Amazonas, o Café Apuí Agroflorestal reúne famílias agricultoras em torno do cultivo de robusta orgânico consorciado com espécies nativas, recuperando áreas desmatadas e gerando renda sustentável. Em São Paulo, no município de Timburi, a PretaTerra conduz o projeto Café dos Contos, que converte lavouras convencionais em sistemas com árvores frutíferas e madeireiras, integrando restauração florestal e produção.
No Espírito Santo, o Projeto Sombra, desenvolvido em parceria entre a Fazenda Mió, a Assembly Coffee, a Volcano Coffee Works e o Instituto Federal do Espírito Santo, testa novos arranjos de café sob sombreamento, ampliando a biodiversidade. Há ainda experiências apoiadas pela Embrapa em Rondônia e Acre, como no Projeto RECA, que validam consórcios de café com espécies florestais. No Sul de Minas e na Mogiana, a Cooxupé implementa corredores ecológicos em cafezais, aproximando-se de um modelo regenerativo.
Fazendas com múltiplas espécies também oferecem habitat para uma fauna carismática e colorida, como o papagaio-de-orelha-amarela, ameaçado de extinção, e o bugio-de-manto. Como as aves fazem ninhos nas árvores e descem para capturar pragas, o café cultivado à sombra frequentemente apresenta menos doenças provocadas por ataques de insetos do que o cultivado a pleno sol.
Ainda assim, embora as monoculturas de café a pleno sol possam degradar o solo mais o solo se não forem bem manejadas, elas geram mais renda imediata para os agricultores, muitos deles pequenos produtores sem recursos, financiamento e tecnologias. De fato, os rendimentos do café cultivado a pleno sol podem ser de três a cinco vezes maiores do que o café cultivado à sombra, pelo menos no curto prazo antes de a degradação do solo ocorrer.
Isso significa que, para que pequenos produtores adotem práticas regenerativas, precisarão de apoio financeiro de organizações sem fins lucrativos, governos e bancos de desenvolvimento, e os consumidores terão de pagar mais para garantir que sua xícara seja sustentável.
No longo prazo, à medida que os produtores aprendem a aumentar a produtividade com práticas regenerativas e as monoculturas sofrem com a degradação do solo e menor adaptação ao clima mais quente e seco, o café sustentável poderá se tornar mais barato.
Três coisas que você pode fazer para promover o café sustentável
Qualquer ação que você adote para tornar sua xícara mais amigável ao clima, à fauna e aos cafeicultores pode ter um impacto maior se você convidar um amigo, um familiar, um café local ou um mercado a adotarem a mesma prática.
Compre café certificado como sustentável
Para que os cafeicultores possam cultivar café à sombra e manter seus meios de vida, os consumidores podem comprar café certificado. O Smithsonian Bird Friendly é considerado o padrão mais alto em certificação para proteção de aves e biodiversidade. (Também disponível para o chocolate, que é uma causa maior de desmatamento do que o café.) Em vez de limpar florestas, o café é cultivado sob árvores nativas, preservando habitats e evitando emissões de carbono decorrentes do corte de florestas maduras. O selo Bird Friendly tem sido aplicado para produções do Peru, Colômbia, Venezuela, República Dominicana, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Equador e México.
No Brasil ainda não existe uma certificação exclusiva para “café agroflorestal”; nesse caso, o diferencial é incorporado aos selos já existentes ou aparece como atributo de mercado. No país, cafés produzidos em sistemas agroflorestais podem ser certificados como orgânicos, reconhecidos pelo MAPA e voltados ao manejo sem químicos, como ocorre no Café Apuí.
Também há a Fairtrade, adotada por cooperativas, que valoriza critérios sociais e ambientais, e a Rainforest Alliance, que exige conservação ambiental, biodiversidade e sombreamento. Além disso, pequenos agricultores recorrem às certificações participativas, como Rede Ecovida e Rede Povos da Mata, que incluem agroflorestas no padrão de produção sustentável.
Se não encontrar café certificado, considere escrever ao seu mercado local ou conversar com o barista sobre a importância do café sustentável. Há ainda a certificação recém-lançada da Rainforest Alliance para agricultura regenerativa, ou a certificação Fair Trade, que foca nos direitos dos agricultores mas não no desmatamento. É importante lembrar que os agricultores pagam para obter a certificação, então os consumidores podem ter que pagar mais para apoiar quem adota práticas sustentáveis.
Apoie empresas e investidores
Segundo o ranking Forest500 da Global Canopy, apenas 3% das empresas que produzem commodities ligadas ao desmatamento, como carne bovina, couro, óleo de palma, celulose e papel, soja, madeira, cacau, borracha e café, têm compromissos fortes para reduzir o desmatamento. Considere comprar produtos dessas empresas.
Há também espaço para que instituições financeiras melhorem. Segundo o relatório “Desmatamento é um mau investimento”, 150 instituições financeiras globais forneceram US$ 8,9 trilhões para a economia do desmatamento por meio de investimentos em empresas ligadas à prática. Para ajudar investidores a migrar para portfólios livres de desmatamento, o Forest IQ da Global Canopy oferece dados sobre como mais de 2.400 grandes empresas estão lidando com o tema.
A Nestlé ocupa o segundo lugar no ranking Forest500 da Global Canopy por seu compromisso em reduzir o desmatamento na cadeia de suprimentos. Sua subsidiária Nespresso demonstrou dedicação à sustentabilidade com o Programa AAA Sustainable QualityTM. Em uma parceria entre a Nespresso, o Laboratório de Ornitologia de Cornell e outros (Nota: trabalho na Universidade Cornell), cientistas estão desenvolvendo novas formas de medir como as fazendas de café apoiam a biodiversidade e promover práticas mais regenerativas e sustentáveis em escala global. O objetivo é fornecer ferramentas aplicáveis para que agricultores e empresas tornem a produção de café ambientalmente responsável e economicamente viável a longo prazo.
Considere apoiar políticas que reduzam o desmatamento
Nos Estados Unidos, a Lei FOREST (Fostering Overseas Rule of Law and Environmentally Sound Trade) restringe o acesso ao mercado de commodities produzidas em áreas desmatadas ilegalmente. Embora o café não esteja listado entre essas commodities, poderia ser incluído. Projetos de lei em nível estadual já foram propostos na Califórnia, Nova York e Illinois, embora nenhum tenha sido sancionado. A União Europeia e o Reino Unido já adotaram regulamentos contra o desmatamento, mas sua implementação foi adiada. A pressão da sociedade pode ajudar na aprovação e aplicação dessas leis.
No Brasil, Instituições financeiras têm ampliado a pressão contra o desmatamento ao vincular crédito e investimento a critérios socioambientais. A Febraban orienta os bancos a avaliar riscos climáticos nas operações e um guia lançado pelo WWF em 2024 trouxe recomendações práticas para reduzir a exposição ao desmatamento nas cadeias de commodities. Relatórios da Global Canopy apontam que bancos e investidores que financiam empresas ligadas ao desmate podem enfrentar passivos significativos, o que acelera a incorporação de métricas ambientais nas análises de risco.
No campo das políticas públicas, o Brasil reforçou em 2023 o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), com meta de desmatamento zero até 2030. O Fundo Amazônia, relançado em 2023, já recebeu mais de R$ 3 bilhões em doações internacionais para apoiar projetos de monitoramento, fiscalização e uso sustentável da floresta. Em 2025, o governo anunciou um aporte de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,5 bilhões) ao Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), mecanismo global de pagamento por desempenho. Paralelamente, operações como a Samaúma têm mobilizado Forças Armadas e órgãos ambientais para conter ilícitos na Amazônia
Ignorar o desmatamento é uma bomba-relógio para as empresas de café, que correm o risco de ver a produção cair e os preços aumentarem em um mundo cada vez mais quente e seco. Como escreveu Emma Thompson, da Global Canopy, em um artigo de opinião para a Reuters: “… os preços do cacau e do café dispararam em 2024 quando as mudanças climáticas devastaram as colheitas. A inação de hoje torna o acerto de contas final mais custoso. Todos pagam o preço, inclusive as empresas que agora economizam em ações.”
No entanto, segundo a cientista de biodiversidade Courtney Davis, da Cornell, “as práticas regenerativas podem conservar a diversidade biológica e, ao mesmo tempo, sequestrar carbono nas árvores e nos solos onde crescem. O café oferece múltiplas oportunidades de ser uma força para o bem.” Assim como os cafés se tornaram uma força pela democracia, com apoio da sociedade e da indústria, o café pode contribuir para um futuro mais sustentável.