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terça-feira, outubro 7, 2025

Uma pioneira na escuta dos inumeráveis estados do ser – Revista Cult

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Se há esperança para os humanos das próximas gerações, caberá a nós forjar um futuro a partir de nossa ancestralidade ainda não reconhecida. Nas veredas da história da saúde mental e da recepção da psicologia de Carl Gustav Jung no Brasil na primeira metade do século 20, encontramos a vanguarda de Nise da Silveira. Persona non grata por seus contemporâneos psiquiatras, Nise rejeitou a violência do discurso médico daquele tempo para nos dizer que deveríamos olhar nos olhos das pessoas psicóticas. Valorizou o laço, revitalizou a trama de afetos no tratamento de pessoas com transtornos mentais e, mais importante, pensou uma nova forma de se compreender o sujeito: nossos inumeráveis estados de ser.

Erudita e assertiva, ela propôs e construiu um sistema de pensamento que culminou numa terapêutica bem-sucedida para quem, outrora, era tido como esquizofrênico. Este dossiê resgata as dimensões estéticas e políticas do pensamento niseano com o objetivo de reposicionar Nise da Silveira como a grande pensadora que foi, em vez de uma mera cuidadora de pessoas a partir da terapêutica ocupacional. No entremeio da arte e da ciência, de posse do saber histórico, mas com olhos voltados para o futuro, tivemos tantos ocultamentos da obra de grandes mulheres. Como Lélia já fora antes tirada de cena, também Nise. Agora, retomamos mais uma grande mulher intelectual de seu tempo e à frente dele, em torno de uma ética precursora de revoluções por vir.

Iniciamos nosso percurso nas sendas da História com o texto de Vera Macedo com minha colaboração, apresentando o fundamento histórico-biográfico que sustenta nossa visão de Nise da Silveira: uma revolucionária tecelã de mundos possíveis para nossa contemporaneidade. O professor Walter Melo nos leva à poética biográfica de Nise e às contribuições da psiquiatra tingidas por uma topografia imaginal que considera as marcas trazidas pelas cidades que ela visitou. Por meio da urbanidade mitológica, aprendemos sobre o jogo das percepções da realidade questionado por Nise. A professora Ana Lúcia Ramos Pandini nos conta do método niseano e de seus pilares fundadores, esclarecendo a erudição e o rigor que permeavam o fazer clínico da psiquiatra. Patricia Teixeira e Carmen Parise nos fazem notar o feminismo em Nise da Silveira e sua aguda contribuição por meio da arte e de sua consciência social. Finalizamos nosso dossiê com o olhar psicanalítico de Christian Dunker, que pontua a inovação estético-política trazida por Nise da Silveira.

Na maioria de nossos textos, notemos os biografemas, essas pequenas bolhas de histórias pessoais a serviço da transformação do coletivo, como se fizeram a todo tempo a vida e a obra de Nise da Silveira. Nosso fio condutor é a segurança de que uma mulher, cuja intelectualidade persiste silenciada, fez da experiência brasileira a pioneira na escuta dos inumeráveis estados do ser. Num país marcado por profundos conflitos de classe, raça e gênero, Nise da Silveira os escutou e nos ofereceu uma vista estética de como poderíamos transformá-los. Reconheceu suas próprias inadequação e estranheza, vertendo-as em arte, biografia e revolução. Ave, Nise. Que a loucura e suas imagens possam sempre nos acompanhar.

 

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[Fonte Original]

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