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quinta-feira, outubro 9, 2025

‘Sou uma otimista crítica’, diz pesquisadora

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O mundo está mergulhado em conflitos, crises tarifárias e as salvaguardas ambientais têm sido enfraquecidas – caso do polêmico PL do Licenciamento Ambiental aprovado pelo Congresso Nacional, a despeito de todos os vetos feitos pelo presidente Lula. Ainda assim, Thelma Krug, à frente do comitê científico da COP30, vê motivos para otimismo. A janela para proteger o planeta de aumentos de temperatura insustentáveis está se fechando, mas a luz não se apagou de vez, afirma uma das cientistas climáticas mais respeitadas do mundo.

Presidente do Comitê Diretor do Sistema de Observação Global do Clima (GCOS) e ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), onde atuou de 2015 a 2023, Krug alerta que, se o desmatamento não continuar a cair, vários setores da economia pagarão a conta. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual é o papel do comitê científico da COP30?

Krug: Ele foi criado pelo embaixador André Correia do Lago (presidente da COP30) para dar protagonismo à ciência. A ciência costuma ser muito mencionada nas COPs, mas não recebia a atenção que merece. Se fosse, não estaríamos na situação de crise climática em que nos encontramos.

O Brasil precisa zerar o desmatamento para cumprir suas metas climáticas?

Krug: Sim. O Brasil submeteu à Convenção do Clima metas de redução de emissões incluindo todos os setores da economia para 2025 e 2030, limitando suas emissões a 1,32 Gt CO2 -eq (CO2 equivalente) em 2025 (ou 48,4% relativo às emissões de gases de efeito estufa em 2005) e 1,20 Gt CO2 -eq em 2030 (ou 53,1% relativo às emissões de gases de efeito estufa em 2005). O total de emissões de gases estufa em 2022, conforme o último inventário nacional submetido à Convenção (2024) foi 2,04 Gt CO2 -eq. Portanto, para atingir a meta de 2025, será necessário um corte adicional de emissões de cerca de 35% de 2023 a 2025, passando de 2,04 a 1,32 Gt CO2 -eq. De 2005 a 2022, o inventário nacional mostra um aumento de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) em todos os setores (energia, processos industriais, agricultura e resíduos) exceto os chamados LULUCF (uso da terra, mudança do uso da terra e floresta), cuja emissão foi reduzida em 48,8%. Isso mostra a dependência do país da redução do desmatamento para contrabalancear as emissões de outros setores. Reduções de emissões nesse setor (LULUCF) são fundamentais para o Brasil atingir suas metas, mas possivelmente não serão suficientes para a meta de 2025.

E o que mais o Brasil propôs?

Krug: Propôs, em 2024, redução de 59% a 67% para 2035 relativa às emissões de 2005, consistente com um nível de emissões em 2035 entre 1,05% e 0,85%, respectivamente.

“ Projeto de Lei do Licenciamento pode estimular o desmatamento e a degradação florestal”

Se o desmatamento não continuar a cair no campo, outros setores serão penalizados com reduções maiores de emissões?

Krug: Sem dúvida. Isso é realmente um desafio, já que a demanda por energia cresce, assim como a necessidade de ampliar a produção agrícola para atender o mercado nacional e o internacional.

O PL do Licenciamento (aprovado no Congresso e sancionado com vetos pelo presidente Lula) é uma ameaça às metas climáticas do Brasil? Prejudica nossa liderança internacional?

Krug: Sim. O PL do Licenciamento pode estimular o desmatamento e a degradação florestal, claramente na contramão de o país alcançar desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira até 2030. Ao limitar a participação de órgãos técnicos, certamente abrem-se oportunidades para aumentar danos ambientais e até prever o impacto da mudança do clima e seus efeitos. Ou seja, alguns empreendimentos poderiam ser instalados em áreas inadequadas. Claro que nossa liderança ambiental fica ameaçada e pode inclusive prevenir investimentos ou cooperação internacional face às fragilidades ambientais que o PL do Licenciamento está criando.

Num cenário global mais conturbado, quais as chances de avanço real na COP30?

Krug: Vejo oportunidades em várias frentes. Claro que o fortalecimento do multilateralismo será essencial, assim como a necessidade do aumento das ambições de reduções de emissões, particularmente, por parte do países que são os maiores emissores. Os países do G20, sozinhos, concentram aproximadamente 70% das emissões globais. Nesse sentido, uma demonstração dos avanços nas reduções atuais e nas metas futuras será essencial. Além disso, o fato de o presidente designado para a COP30, embaixador André Correa do Lago, ter sinalizado, desde sua primeira carta, a necessidade de um “mutirão” que busque o engajamento de todos, setor privado, sociedade civil, governos, povos indígenas e comunidades locais, como uma forma de responsabilidade compartilhada para o sucesso da conferência. Tenho certeza de que avançaremos.

Haverá avanço real sem os EUA?

Krug: Tenho certeza que sim. E, assim como em outros países, a contribuição dos Estados (que integram os EUA) será fundamental para isso. Não vão querer ser responsabilizados pela sua inação, com consequentes perdas e danos diretos e indiretos, como perda de vidas, de empregos, impacto na produção de bens e serviços, entre outros.

A China ocupará a liderança?

Krug: A China, apesar de ser o maior emissor de GEEs, com 13,5 bilhões de toneladas de CO2 -eq, tem avançado substancialmente na sua transição energética, investindo em energias renováveis, particularmente solar fotovoltaica e eólica, em complementação às hidrelétricas. Já ultrapassou a meta de energias renováveis na sua matriz energética prevista para 2030, assim como atingiu o pico de emissões necessário para uma trajetória compatível com limitar o aumento da temperatura média global a 1,5° C acima dos níveis pré-industriais. Com isso, a China demonstra seu compromisso com esforços para limitar o aquecimento e mostra sua liderança na transição energética, não só no uso doméstico, mas também na produção de renováveis que vem tornando solar e eólica altamente competitivas, inclusive com o uso de energia fóssil. Com essas e outras iniciativas em melhoria de eficiência e eletrificação, por exemplo, a China já vem ocupando uma liderança mundial importante.

“Vislumbro avanços no papel integrado das florestas, do oceano e da transição energética”

Que chance temos de limitar o aumento da temperatura em 1,5° C? Ainda há motivo para a esperança?

Krug: Vários estudos mostram a viabilidade técnica de se limitar o aumento da temperatura média global a 1,5° C acima dos níveis pré-industriais. Esse é um dos temas que um pequeno grupo de cientistas focará nos próximos meses, com vistas a prover o embaixador André com o conhecimento mais atual neste sentido. Há diversas formas de estimar-se o aumento da temperatura média global, e é importante manter consistência com a base de informações científicas que alimenta o processo da COP. Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) são reconhecidos pela Convenção do Clima, mas seu último dado sobre o aumento da temperatura média global é de 2019 (cerca de 1,1° C acima dos níveis pré-industriais). O IPCC utiliza médias decadais para estimar esse aumento, e será importante manter a mesma metodologia para estimar o aumento da temperatura média atual. Costuma-se dizer que a janela para 1,5° C está se fechando rapidamente, mas ainda há alguma esperança. Sabemos que o 1,5° C pode ser excedido (overshoot), retornando a esse nível até o fim do século. Mas há várias condições de contorno para que isso possa eventualmente acontecer, incluindo o tamanho do overshoot e a duração do mesmo.

Qual é o papel da ciência nesta COP30? A ciência, em especial o IPCC, construiu uma base sólida de conhecimento, mas isso não foi suficiente para fazer governos se comprometerem e cumprirem metas mais ambiciosas.

Krug: O Acordo de Paris, em partes do seu texto, sinaliza o papel da ciência, inclusive no âmbito do Balanço Global (Global Stocktake), que avalia a cada cinco anos o esforço coletivo dos países-membros para combater a mudança do clima, fornecendo recomendações sobre a necessidade de maiores ambições, assim como aumento dos esforços de adaptação. Por exemplo, no seu artigo 7, as partes reconhecem que as ações de adaptação devem seguir uma abordagem orientada pelo país, sensível ao gênero, participativa e totalmente transparente, levando em consideração os grupos, comunidades e ecossistemas vulneráveis, e devem ser baseadas e orientadas pela melhor ciência disponível e, conforme apropriado, pelo conhecimento tradicional, dos povos indígenas e sistemas de conhecimento locais, para integrar a adaptação às políticas e ações socioeconômicas e ambientais relevantes, quando apropriado.

A senhora se diz otimista em relação ao aumento da matriz energética renovável. Por quê?

Krug: Há várias iniciativas que me fazem otimista com relação à transição energética. A própria adesão de um grande número de países para contribuir aos esforços de triplicar a capacidade instalada de energia renovável e dobrar a taxa de melhora em eficiência energética. O ano de 2023 foi recorde na implementação de nova capacidade instalada de energia renovável, saltando de 298 gigawatts (GW) para 473 GW, sendo que, desses, 347 GW foram em solar fotovoltaica. Claro que há um enorme desafio: para triplicar a capacidade global instalada de energia renovável até 2030, será necessário alcançar 11.174 GW, com grandes investimentos, da ordem de trilhões de dólares. O embaixador André, na sua terceira carta, reforça a necessidade de “nos apoiar mutuamente para avançar coletivamente para triplicar, globalmente, a capacidade de energia renovável, dobrar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética, e fazer uma transição para sistemas de energia sem combustíveis fósseis de forma justa, ordenada, e equitativa”. É um desafio? Sim, enorme. Mas, como dizem, sou uma otimista. Uma otimista crítica.

Fala-se muito, em função da Guerra na Ucrânia, em minerais estratégicos para baterias. Temos esses minerais?

Krug: Sim, o Brasil detém em seu território muitos dos minerais estratégicos necessários não só para baterias, mas também outras aplicações. Dentre eles, lítio, níquel, manganês, nióbio, entre tantos outros. Dados de 2019 do USGS (serviço geológico dos EUA) indicam um total mundial de terras raras de 115 milhões de toneladas, sendo 44 dessas na China e 22 no Brasil. Isto coloca o país como podendo ser um líder em energias limpas e na produção de veículos elétricos.

Qual é o melhor cenário que a sra. vislumbra para a COP30?

Krug: Uma COP que vai avançar nos encaminhamentos para implementação, já que o pacote de decisões está praticamente finalizado. Vislumbro maior clareza no papel do setor privado e incentivos para apoiar países em desenvolvimento nos esforços de mitigação e adaptação, que vá além de financiamento, apesar deste ser essencial. Vislumbro avanços no papel integrado das florestas, do oceano, da transição energética na luta contra a mudança do clima. Como digo, os ecossistemas de uma maneira geral são como seres vivos, vulneráveis aos extremos meteorológicos e climáticos. Vislumbro uma COP onde equidade, transição justa e justiça climática deixem de ser simplesmente palavras para terem um significado à altura de onde devem estar. Será uma COP que vai mostrar a importância dessas palavras. Será a COP da Ciência, será a COP da esperança.

[Fonte Original]

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